RESUMO

O trabalho que ora se apresenta tem como problema principal a necessidade de regimes especiais para instituições financeiras que, diante do objeto de seu negócio, qual seja, capital alheio, merecem especial atenção. No entanto, o instituto da falência, dedicado às demais sociedades empresariais, está regulado pela Lei 11.101/05, possui um caráter mais moderno, diferentemente da legislação específica das instituições financeiras que versa sobre o mesmo tema. Será feita, por fim, uma breve análise sobre os regimes especiais de intervenção e liquidação extrajudicial, além do regime de administração especial temporária – RAET.

 

Palavras-chave: falência – instituições financeiras – regimes especiais – regime de administração especial temporário.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa, primeiramente, apresentar a mudança de paradigma que o instituto da falência sofreu com a revogação do Decreto-lei 7.661/45, sendo abarcado pela Lei 11.101/05. Além disso, apresentará uma visão geral sobre o referido instituto. Para tanto, serão elencados os pressupostos gerais caracterizadores da falência, seguidos das pessoas sujeitas à falência e, por fim, os efeitos decorrentes de sua decretação.

Após essa exposição panorâmica, tratar-se-á do objeto deste estudo, qual seja, a decretação de falência em instituições financeiras e a necessidade de regimes especiais. Ora, as instituições financeiras lidam com capital alheio, o que torna, certamente, diferenciado o regime com que devem ser tratadas estas e as demais sociedades empresárias. Desta forma, diante dessa diferenciação e da necessidade de tratamento especial, é que o presente trabalho propõe que a lei que regula a liquidação extrajudicial das instituições financeiras, mais antiga que a Lei de Recuperação de Empresas, deva unir-se a esta, fazendo-se, como é de se esperar, as devidas modificações e adaptações.

Para abordar este problema, serão tratados, brevemente, dos regimes especiais de intervenção e liquidação extrajudicial, nos moldes da Lei 6.024/74, além do regime de administração temporária especial – RAET, abarcado pelo Decreto-lei 2.321/87, que surgiu para auxiliar as instituições financeiras que se encontrassem em crise, quando a intervenção e a liquidação extrajudicial não fossem capazes de auxiliá-las.

  1. 1.      Pressupostos gerais da falência

Antigamente, o instituto da falência era regulado pelo Decreto-lei 7.661/45, no entanto, diante de tantas críticas, surgiu a necessidade de reformulação da legislação falimentar, permitindo que o Brasil pudesse adaptar-se às transformações sociais e econômicas oriundas do fenômeno da globalização. Surgiu assim a Lei 11.101/05, também conhecida como Lei de Recuperação de Empresas, que regula o direito falimentar brasileiro até os tempos atuais, tendo como paradigma o princípio da preservação da empresa. Significa dizer que a nova lei tem como principal objetivo a recuperação da empresa, no entanto, se esta não for possível, em última instância recorrer-se-á à falência (RAMOS, 2011).

Como elenca Andre Luiz Santa Cruz Ramos (2011), são três os pressupostos de decretação da falência, a saber: a) pressuposto material subjetivo, que diz respeito à qualidade de empresário que o devedor deve ter; b) pressuposto material objetivo, consubstanciado na insolvência do devedor; e c) pressuposto formal, que consiste na sentença que decreta a falência.

A análise do primeiro pressuposto nos remete ao estudo acerca do sujeito que pode ser decretado falido. Conforme dispõe o artigo 1º da lei 11.101/05, pode ser decretado falido o empresário individual ou a sociedade empresarial. Para este conceito de empresário, deve ser observado o artigo 966 do CC, que assim o determina como aquele que exerce atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Assim, como preleciona Fábio Ulhoa Coelho (2010), “quando o devedor explora sua atividade econômica de forma empresarial, não sendo capaz de honrar suas obrigações no vencimento, o juiz deve inaugurar um procedimento de execução concursal destinado à satisfação dos credores”. Este procedimento é a falência.

No entanto, o legislador determinou que certos empresários não pudessem ser submetidos, total ou parcialmente, ao instituto da falência. Importa ao presente estudo tratar, dentre o rol daqueles que foram parcialmente excluídos do regime falimentar, das instituições financeiras, tendo sido reservado a elas o procedimento de liquidação extrajudicial previsto na Lei 6.024/74. Assim, as instituições financeiras, parcialmente excluídas do regime falimentar, podem ter sua falência decretada, desde que observadas as exigências previstas pela lei específica que as regula (COELHO, 2010).

Pois bem. Presentes os pressupostos e decretada a falência, passa-se à análise de seus efeitos. Os efeitos da falência ecoam na esfera do devedor, dos bens do devedor, das obrigações do devedor, dos credores do falido e dos atos do falido. De maneira geral, em relação à pessoa do devedor, o efeito que mais repercute nessa esfera, é a inabilitação empresarial. Quanto aos bens do devedor, destaca-se a formação da massa falida objetiva, ou seja, arrecadação de todos os bens do devedor, exceto os absolutamente impenhoráveis. Já no que se refere às obrigações do devedor, cumpre mencionar que o efeito de maior destaque consiste no vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis. Os credores do falido, por sua vez, entram no rol da massa falida subjetiva, que consiste em um procedimento de verificação e habilitação dos créditos. E, por fim, em relação aos atos do falido, o efeito da decretação da falência consiste na fixação do termo legal da falência, ou seja, ineficácia dos atos (RAMOS, 2011).

2. A Lei nº 6.024/74 e os regimes especiais de intervenção e liquidação extrajudicial

Observando-se a importância das instituições financeiras para o equilíbrio do setor econômico do país, devendo a decretação de sua falência ocorrer apenas como última alternativa, foram criados alguns mecanismos específicos para auxiliar aquelas que estejam na iminência de quebrar. Nesse diapasão, foi editada a Lei nº 6.024/74 que trouxe as figuras de dois procedimentos extrajudiciais que poderiam ser utilizados para sanar crises das instituições financeiras privadas e das públicas não federais, sendo elas a intervenção e a liquidação. Tais institutos serão vistos de maneira breve e sucinta.

De acordo com o art. 2º da lei em comento, a intervenção poderá ser decretada quando forem verificadas algumas situações específicas, quais sejam: 1) prejuízo decorrente de má administração e que apresente risco aos credores; 2) infrações a dispositivos da legislação bancária de forma reiterada e, mesmo após detectadas pelo Banco Central e determinado seu saneamento, a instituição financeira não o faz; 3) impontualidade ou prática de “atos de falência”, conforme o art. 94 da atual Lei de Falências, desde que seja possível evitar a liquidação. Cristiano Brito (2007) destaca que, identificada a situação ensejadora de intervenção, o Banco Central nomeia um interventor, que passa a gerir a instituição no lugar dos administradores originais e suspende seu funcionamento como medida preventiva para que não se desencadeiem maiores prejuízos.

O art. 4º traz o prazo de vigência da intervenção, que é de seis meses, podendo ser prorrogado apenas uma vez por no máximo outros seis meses. Cessa a intervenção nos casos em que o interventor tenha obtido êxito e a instituição tenha retornado ao seu funcionamento normal, se houver a transferência da atividade econômica da instituição, ou ainda com a decretação da liquidação ou da falência, como destaca o art. 7º da Lei nº 6.024/74. Apesar de tal regime especial visar o reestabelecimento financeiro da instituição, o mesmo se mostrou bastante ineficaz na medida em que há a suspensão das atividades não havendo movimentação de capital, além de ter como efeito a suspensão também da exigibilidade de depósitos e obrigações vencidos quando de sua decretação, nos dizeres do art. 6º da referida lei, o que traz insegurança e insatisfação aos credores (SIQUEIRA, 2001).

Na outra margem, encontra-se a liquidação, que, como o próprio nome denota, terá como escopo liquidar a instituição quando esta se encontrar em situação considerada irrecuperável, promovendo a venda do ativo para saldar as dívidas junto aos credores (BRITO, 2007). De acordo com o art. 15, I, da lei aqui tratada, a liquidação extrajudicial será decretada ex officio primordialmente quando se verificar o comprometimento da situação econômica da instituição na medida em que não seja possível honrar os compromissos junto aos credores, dentre outras hipóteses. Além do mais, nos dizeres do art. 15, II, a liquidação também poderá ser requerida pelos administradores, desde que o estatuto social lhes permita, bem como pelo interventor que note que a intervenção não será capaz de reerguer a instituição.

Dentre alguns dos efeitos da decretação da liquidação extrajudicial, que estão elencados no art. 18 da Lei 6.024/74, tem-se vencimento antecipado das obrigações da instituição, suspensão de ações e execuções contra o patrimônio da mesma, interrupção da prescrição das obrigações, entre outros. Finalmente, cessa a liquidação extrajudicial nos casos em que esta seja convolada em ordinária, ou que os interessados tomem para si o prosseguimento das atividades da empresa desde que o Banco Central aprove, quando houver aprovação das contas da liquidante com a devida baixa no registro público competente, e se for decretada a falência, tudo conforme o art. 19 da lei em comento.

3. O Regime de administração especial temporária – RAET

A instituição dos procedimentos extrajudiciais da intervenção e liquidação pela Lei nº 6.024/74 foi uma tentativa de auxiliar as instituições financeiras que se encontrassem em situação de crise. No entanto, os resultados não foram satisfatórios. Nesse contexto, surge o Decreto-lei nº 2.321/87, que traz a figura do regime de administração especial temporária, sendo este uma nova tentativa de auxílio às instituições financeiras. Discute-se na doutrina se tal figura haveria revogado a intervenção disciplinada na Lei nº 6.024/74 ou não. Para Nelson Abrão (2007), a criação do RAET teria de fato revogado a intervenção, subsistindo apenas o instituto da liquidação extrajudicial. Em sentido contrário, Cristiano Gomes Brito (2004) assevera que o fato de ter surgido um novo regime especial, que foi o RAET, não fez excluir a intervenção instituída pela lei anterior, tendo em vista que são institutos distintos e não incompatíveis entre si, de maneira que caberá ao Banco Central averiguar no caso concreto quando será cabível um ou outro.

Diferentemente da intervenção, no RAET, a administração é feita por um conselho diretor, que é órgão colegiado apontado pelo Banco Central, no qual há eleição de um presidente e a divisão de tarefas e poderes entre os membros. Tal medida busca dinamizar a administração de forma a fortalecê-la, tendo em vista que costumeiramente a crise tem origem justamente na má administração. Com a implantação do conselho diretor, os administradores originais são destituídos, perdendo tal qualidade. A mudança mais significativa, no entanto, teria sido a obrigação do Banco Central de utilizar recursos da Reserva Monetária no intuito de sanear a crise econômico-financeira da instituição, como dispõe o art. 9º da Lei nº 2.321/87, de forma que tais recursos serão de mister importância para o reerguimento desta (ABRÃO, 2007). 

Além disso, no regime de administração especial temporária ocorre a manutenção do funcionamento da instituição financeira, de forma que tal regime especial se torna menos traumático do que a intervenção, pois permite a continuidade das atividades, o que traz um pouco mais de segurança aos credores. Ainda assim, é inevitável que haja um certo sentimento de temor por parte destes, que podem se alarmar e decidir retirar os valores depositados do banco que ameaça ruir. Como tal atitude dificultaria ainda mais a estabilização financeira, o Banco Central criou dois mecanismos para minimizar tais efeitos nocivos – o primeiro seria a aquisição da instituição financeira por outro agente do mercado, sendo que este ou o Estado arcariam com qualquer prejuízo possível, e o segundo seria a estratégia de cisão, na qual o banco é separado em uma parte “boa” e outra “ruim”, sendo que a primeira é alienada e a segunda é liquidada (BRITO, 2004).

Cabe ao Banco Central a fiscalização das instituições financeiras no sentido de apurar comportamentos anormais nas mesmas, sendo que aqueles que são motivos para desencadear a instituição de um regime de administração especial temporária estão elencados no art. 1º do Decreto-lei nº 2.371/87, quais sejam: 1) realização de operações contrárias às diretrizes de política econômica ou financeira dispostas em lei federal de forma reiterada; 2) quando houver passivo a descoberto; 3) descumprimento de normas que aludem à conta de Reservas Bancárias do Banco Central; 4) ocorrência de gestão temerária ou fraudulenta por parte dos administradores; 5) as situações destacadas no art. 2º da Lei nº 6.024/74, que já foram vistas no tópico anterior. Tais situações configuram um rol taxativo, podendo o BCB agir apenas quando as mesmas forem verificadas concretamente.

Verifica-se, então, que grande parte dos motivos que levam à decretação do RAET estão diretamente ligados à má gestão, daí a importância de destituir os administradores de sua função e instalar o conselho diretor, que será responsável por traçar um plano de reestruturação. Tendo em vista que o RAET não suspende as atividades da instituição, o único efeito que subsiste é a substituição dos administradores pelo conselho diretor, não havendo aqui a suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas, tampouco a suspensão do prazo de obrigações vincendas. Outro ponto chave do RAET é que a lei que o regula não determina o lapso temporal para sua vigência, cabendo ao Banco Central determinar tal prazo quando da decretação do regime especial, podendo este ser prorrogado por período não superior ao prazo inicial (ABRÃO, 2007).

Finalmente, este regime de administração especial cessará nos casos destacados no art. 14 do Decreto-lei 2.321/87, dentre eles caso haja cisão, incorporação, fusão, transformação ou transferência de controle acionário da mesma, quando a situação que houver ensejado a instituição do RAET não mais se verifique, caso seja decretada a liquidação extrajudicial, entre outros. Percebe-se, então, como destaca Nelson Abrão (2007), que a lei pecou ao não dispor sobre a possibilidade de a instituição retornar à iniciativa privada após sua estabilização, suspendendo, assim, o efeito desencadeado pela instituição do RAET.

CONSIREDAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, fica evidente que decretar a falência de instituições financeiras de logo não é uma medida desejável, uma vez que as mesmas exercem importante papel no mercado nacional e sua quebra traz instabilidade e insegurança econômica. Nesse sentido, foi editada a Lei nº 6.024/74 que instituiu dois procedimentos extrajudiciais para lidar com instituições financeiras em crise, quais sejam, a intervenção e a liquidação extrajudicial. Apesar de trazer certa inovação, tais mecanismos não foram capazes de reestruturar as instituições com sucesso. Assim sendo, foi editado o Decreto-lei 2.321/87 o qual instituiu o regime de administração especial temporária. Tal procedimento se mostrou mais eficiente na medida em que mantinha a instituição financeira em plena atividade e movimentando capital, enquanto apenas seus administradores eram substituídos por um conselho diretor apontado pelo Banco Central na tentativa de normalizar o funcionamento da empresa. Além do mais, tal Decreto-lei prevê que o Banco Central utilize recursos da Reserva Monetária para auxiliar as instituições financeiras em situação de crise, o que é um grande incentivo.

Dessa forma, verifica-se que as leis que regulam a falência e os regimes especiais destinados aos bancos e demais instituições financeiras mostram um certo avanço, no entanto, ainda são antigas e esparsas. É mais do que recomendável que tais diplomas sejam unificados e revistos sob a luz da nova Lei de Falências.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 10. ed. rev., ampl. e atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRASIL. Decreto-lei n. 2.321, de 25 de fevereiro de 1987. Institui, em defesa das finanças públicas, regime de administração especial temporária, nas instituições financeiras privadas e públicas não federais, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pre/leisedecretos/Port/declei2321.pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2012.

BRASIL. Lei 6.024, de 13 de março de 1974. Dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6024.htm>. Acesso em: 05 de maio de 2012.

BRITO, Cristiano. O regime de administração especial temporária – RAET. Revista de Direito Mercantil – RDM, São Paulo, v. 133, p. 157/173, jan/mar 2004. Disponível em: <http://www.cristianobrito.com.br/artigos/RAET%20ARTIGO.PDF>. Acesso em: 20 de abril de 2012.

 

 

SIQUEIRA, Francisco José de. Instituições financeiras: Regimes Especiais no Direito Brasileiro. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Vol. 12, abril/junho 2001, págs. 44/71, Editora Revista dos Tribunais. Disponível em:

< http://www.bcb.gov.br/ftp/textoliquidSiqueira.pdf>. Acesso em: 20 de abril de 2012.