RESUMO

Os Regimes Próprios de Previdência Social possuem previsão constitucional, mas dependem, para sua instituição e manutenção, de condições mínimas financeiras e estruturais para seu adequado funcionamento. Diante disso, os entes federativos, em especial os Municípios optam pela extinção do regime e vinculação de seus servidores ao Regime Geral de Previdência Social. Essa medida gera repercussão não somente aos seus servidores quanto aos benefícios que serão auferidos, mas também ao próprio Ente Federativo, que mantém algumas responsabilidades como se o RPPS ainda estivesse em funcionamento, sem contudo, ter contrapartida no custeio dos benefícios. Essa situação por negar a efetividade de direitos fundamentais dos beneficiários acaba por gerar a judicialização de questões previdenciárias. Seguindo esta linha de pesquisa, este trabalho busca esclarecer os limites de responsabilidade dos entes federativos diante de novos benefícios previdenciários concedidos após a extinção do RPPS, sem a pretensão de abordagem exaustiva da matéria.

1.    INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu entre o rol de direitos sociais garantidos a todos os cidadãos o direito à Previdência Social. Típico direito de segunda dimensão a previdência social exige do Estado uma atuação positiva, no sentido de implementar estruturas e políticas públicas que possam dar efetividade ao direito.

Bruno Sá Freire Martins esclarece como se dá esta atuação positiva ao afirmar:

"E nesse contexto a previdência social que é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da articulação entre o Poder Público e dos demais atores sociais, insere-se como uma das políticas sociais direcionadas à população, já que figura como um dos ramos do chamado seguro social, hoje, seguridade social, motivo pelo qual foi incluída, no ordenamento jurídico pátrio, como um dos direitos sociais, previstos no caput do art. 6º da Constituição Federal e nessa condição passou a ser considerada como integrante da terceira geração dos direitos fundamentais, representada principalmente pelo chamado Welfare State ou Estado Social".[1]

Para atender este fim, foi definida a existência de três regimes previdenciários: o Regime Geral de Previdência Social, o Regime Próprio de Previdência Social e a Previdência Privada ou Complementar[2].

Enquanto o Regime Geral de Previdência Social é destinado a todos os trabalhadores urbanos e rurais, o Regime Próprio de Previdência Social tem como foco os servidores públicos, havendo regras diferentes para servidores civis e militares. A Previdência privada ou complementar não tem como condão, em regra, substituir os regimes previdenciários básicos, mas sim permitir ao beneficiário acesso a benefícios que complementem a sua renda decorrente da inatividade.

Nesse contexto, normas são previstas na Constituição Federal para cada Regime, determinando suas especificações e características, bem como seu âmbito de atuação.

O Regime Próprio de Previdência dos Servidores civis, por exemplo, apresenta regras claramente definidas no art. 40 da Constituição Federal. Apesar disso, o RPPS somente está presente em 2.051 (dois mil e cinquenta e um) Entes Federativos, bem menos da metade do total de entes existentes[3].

No caso dos Municípios, isso fica ainda mais evidente. O presente trabalho, portanto, busca analisar as responsabilidades dos entes federativos no caso de extinção do Regime Próprio de Previdência Social, bem como as consequências dessa extinção aos beneficiários (segurados e dependentes).

2.REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA: FACULDADE DE INSTITUIÇÃO OU DEVER CONSTITUCIONAL?

O Regime Próprio de Previdência Social tem suas principais diretrizes estabelecidas no art. 40 da Constituição Federal, que possui, em seu caput, a seguinte redação:

"Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo"[4]. 

De acordo com o dispositivo, o RPPS é um regime de caráter contributivo e solidário, dirigida aos servidores estatutários[5]. No entanto, a instituição do RPPS, ao contrário do que pode parecer em um primeiro momento, não é uma faculdade do Ente Federativo, mas sim um direito do servidor. Tanto é que a própria Constituição Federal define que “aos servidores titulares de cargos efetivos (...) é assegurado regime de previdência”.

Apesar desse direito que gera reflexos na atuação estatal, os Entes Federativos apenas implementam o RPPS quando há condições mínimas estruturais e financeira para sua manutenção, o que é reavaliado anualmente pelo cálculo atuarial[6].

Para ser considerado um Regime Próprio de Previdência Social, a lei deve prever o pagamento pelo fundo, pelo menos, dos benefícios de aposentadoria e pensão, podendo os demais benefícios serem custeados pelos recursos livre do Ente Federativo, conforme previsto pelo art. 2º inc. II, da Orientação Normativa nº 02, de 31 de março de 2009, publicada no Diário Oficial da União em 02 de abril de 2009[7], ainda em vigor.

Essa norma estabelece normas gerais a serem observadas pelos RPPS de todos os Entes Federativos, sob pena destes, em caso de descumprimento, terem irregularidades apontadas pelo Órgão responsável da Previdência, o que pode, inclusive, gerar reflexos na emissão da Certidão de Regularidade Previdenciária – CRP, documento indispensável para os Entes Federativos receberem recursos voluntários para a execução de políticas públicas destinadas ao cidadão.

Não obstante a existência de vários benefícios para aqueles Entes que instituem o Regime Próprio de Previdência Social para seus servidores, não é raro ocorrer, também, a migração em sentido inverso, ou seja, a extinção do RPPS e consequentemente a vinculação dos servidores ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

A partir desse momento, eles passam a contribuir para o RGPS e receber novos benefícios desse regime.

Essa extinção, contudo, não é um procedimento simples. O Ente Federativo possui várias obrigações que devem ser assumidas quando opta pela extinção do Regime Próprio, passando a responder diretamente por eles, sem a contrapartida remuneratória, já que os servidores ativos passam a contribuir para o RGPS.

Por essa razão, a decisão de extinção de um RPPS deve levar em consideração essas responsabilidades, de forma a não gerar surpresas ao gestor público, bem como inviabilizar o exercício dos direitos dos servidores públicos e seus dependentes.

Karina Spechoto ao dispor sobre as razões que levam os Entes Federativos a extinguir os RPPS, afirma que:

“Os motivos são vários: falta de informação, problemas que a falta do CRP trazia, necessidade de alteração de todo um regime que estava consolidado há anos nas diversas regiões do país, falta de mão de obra especializada que auxiliasse na mudança, ou seja, era mais fácil aderir ao RGPS que todo mundo conhecia e sabia como funcionava.”[8]

A Orientação Normativa nº 02/2009, anteriormente mencionada, ao conceituar o RPPS em extinção define como “o RPPS do ente federativo que deixou de assegurar em lei os benefícios de aposentadoria e pensão por morte a todos os servidores titulares de cargo efetivo, mas manteve a responsabilidade pela concessão e manutenção de benefícios previdenciários”. Já o RPPS extinto, pela mesma norma, é “o RPPS do ente federativo que teve cessada a responsabilidade pela concessão e manutenção de benefícios previdenciários".

Portanto, a lei que extingue o RPPS, na realidade, o coloca em extinção e nesta situação ele ficará até que todos os benefícios em manutenção sejam cessados, bem como os novos que daqueles decorram. O RPPS somente poderá ser considerado extinto quando não houver mais nenhuma obrigação previdenciária a ser cumprida.

Como consequência, os recursos de natureza previdenciária acumulados no fundo previdenciário, quando de sua extinção, deverão ser mantidos em conta separada do Tesouro, já que devem cobrir as obrigações do RPPS. Se o dinheiro residual do RPPS não for suficiente para pagamentos dos benefícios, competirá ao Ente Federativo, com recursos não vinculados garantir-lhes.

Este é exatamente o ponto em que são encontradas as maiores dificuldades, principalmente em relação a aposentadorias e pensões. Em relação aos servidores com aposentadoria em manutenção, a sua folha de pagamento de proventos passa a ser gerada e paga pelo Ente Federativo com recursos do RPPS enquanto estes existirem. No entanto, em relação às pensões a situação é um pouco diferente.

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