Na área jurídica, principalmente no campo processual, a busca da verdade é indispensável para a correta aplicação da lei. Este artigo visa justapor o principio da verdade real aplicado no processo penal em face a extinção da punibilidade por meio de certidão de óbito falsa, e a controvérsia da revisão criminal pro societate perante a coisa julgada material, tema que causa grande polêmica entre os doutrinadores.
Através do presente estudo demonstrar-se-á a possibilidade do desfazimento da decisão judicial que decretou a extinção da punibilidade de um réu ante a possibilidade de se considerar a decisão como interlocutória mista, corroborando com este entendimento apresentar-se-á a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito da questão.

Palavras chave: Verdade, Extinção, revisão pro societate,processo penal e princípio da verdade real.

Em uma breve introdução cabe a diferenciação da verdade formal utilizada no processo civil da verdade real que prevalece no processo penal, cabe ressaltar que a verdade é indivisível e una, cabendo analisar as diferentes formas que o ordenamento jurídico brasileiro conferem à verdade, sendo atestado maior ou menor relevância para a solução de um caso concreto.
O principio da verdade formal do processo civil aduz, de acordo com o doutrinador Marco Antonio de Barros que, diante da impossibilidade de alcance da verdade plena em todo processo, em determinados casos, por uma opção política, o Estado-juiz se contenta com a verdade produzida pelas partes, abreviando-se a solução dos conflitos de interesses, sem que tenha que fazer uso de toda sua energia no sentido de apurar ex officio a veracidade dos fatos.
Assim dispõe a tratativa da verdade formal, por se tratarem de direitos disponíveis os presentes no direito civil, pelo menos em sua grande maioria. Conforme dispõe o artigo 319 do Código de Processo Civil verifica a adoção do principio acima mencionado, face a revelia do réu importar em verdadeiros os fatos alegados pelo autor na inicial.
No que importa ao principio da verdade real presente no processo penal este determina que o fato investigado no processo deve corresponder ao que está fora dele, em toda sua plenitude, sem quaisquer artifícios, sem presunções, sem ficções, na área penal predomina a verdade real, face os direitos a serem tutelados pelo Estado-Juiz, são em sua grande maioria direitos indisponíveis. De acordo com o Professor Damásio de Jesus:
[...]O processo criminal norteia-se pela busca da verdade real, alicerçando-se em regras como a do artigo 156, 2.º parte, do CPP, que retira o Juiz da posição de expectador inerte da produção da prova para conferir-lhe o ônus de determinar diligências ex officio, sempre que necessário para esclarecer ponto relevante do processo. [...]
Assim, a verdade real presente no processo penal se difere da verdade formal presente no processo civil, neste prevalece a admissão das presunções que determinam a chamada verdade ficta, naquele, com a rejeição das ficções e das verdades retratadas de modo artificial, de modo que não há as presunções recorrentes no processo civil. No processo civil prepondera, portanto, a verdade forma e no processo penal, a verdade real.
Exposto a diferença entre a verdade real e a verdade formal, eis a problemática que explicita este artigo, é previsto no código de processo penal em seu artigo 62 que, no caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade do agente face o artigo 107, inciso I do Código Penal.
Sob o ponto de vista da lógica e da busca da verdade material, judicial ou processual (objetivo maior do processo penal em face das provas válidas produzidas), não se pode negar que a revisão deve ser cabível não só quando interessa ao acusado, mas também quando é favorável aos interesses da justiça, ou seja, quando, após o transito em julgado da sentença absolutória, descobrirem-se provas da responsabilidade criminal do réu, ou então, que as provas produzidas em seu benefício e que fundamentaram a absolvição ou a extinção da punibilidade, revelaram-se falsas, como é o caso da apresentação de uma certidão de óbito falsa. De acordo com este pensamento segue a decisão do Supremo Tribunal Federal do HC 84.525-8/MG :

Pelo entendimento do STJ e do STF o desfazimento da decisão que julga extinta a punibilidade do réu com base em certidão de óbito falsa não gera a revisão criminal pro sociatate, haja vista que esta decisão não gera coisa julgada em sentido estrito, sendo que se o contrario ocorresse o réu estaria se beneficiando de sua própria conduta ilícita.
Assim, as afirmações defendidas pelo STF são totalmente plausíveis, pois, irá o agente de uma conduta delituosa se beneficiar de sua própria torpeza a fim de enganar o sistema judiciário brasileiro camuflando a conduta delituosa originária através de outra conduta típica secundária.
O STJ no julgamento do HC 31.234/MG, onde o impetrante é o mesmo do Habeas Corpus citado acima, posicionou-se de acordo com o entendimento da Subprocurador-Geral da república Dr. Eduardo Antonio Dantas, que ressaltou o seguinte:
"A punibilidade, nos moldes adotados pelo ordenamento penal pátrio, configura-se em um pré-requisito à aplicação da pena. Dessa feita, figura-se externamente ao tipo penal, já que não está coberta pelo dolo do agente. Há hipóteses, no entanto, em que determinadas causas obstam a aplicação da sanção penal, pela renúncia do jus puniendi estatal - são as causas de extinção da punibilidade. Como a maior reprimenda da seara penal é a privação da liberdade do agente (jus libertatis ), incabível se cogitar na aplicação da pena quando o agente está morto. Esse é o fulcro da causa extintiva do art. 107, I, do CP, em decorrência do princípio mors omina solvit.
Como não é possível aplicar a pena aos descendentes do agente, e não possuindo o Estado mais qualquer meio de executar a pena imposta, deve o Magistrado declarar a extinção da punibilidade. Essa decisão reporta-se à existência de um fato real, não modificando qualquer situação jurídica. In casu, não subsistindo o motivo principal do decisum , eis que o paciente ainda se encontra vivo, não há de se falar em qualquer ofensa à coisa julgada. A natureza desse ato decisório é a de uma decisão interlocutória terminativa , eis que não analisa qualquer questão de mérito e somente põe fim ao processo (tal como faz a decisão de impronúncia, nos delitos do Tribunal do Júri), em face da constatação do falecimento do réu.
Com a inexistência do motivo instaurador da extinção da punibilidade - o falecimento do réu -, que é o pressuposto dessa hipótese, a decisão não faz coisa julgada, podendo ser anulada" (fl. 309).

Assim, a jurisprudência maior de nosso poder judiciário prevê a possibilidade da anulação da decisão que extingue a punibilidade do réu com base em certidão de óbito falsa.

DISPOSIÇOES FINAIS
Com isso, reafirmamos o entendimento do STF e do STJ, órgãos julgadores máximos do poder judiciário brasileiro e acrescemos ao entendimento, da possibilidade da decisão que julga extinta a punibilidade do agente através de certidão de óbito falsa ser anulada, a conformidade da busca da verdade real no processo penal, face ao principio norteador da matéria processual penal, o principio da verdade real.
Acredita-se não se tratar de uma reforma da sentença pro societate em vista do teor da sentença ser meramente declaratória, assim não faz coisa julgada material em sentido estrito, possibilitando a anulação da mesma.