Experiências de estágio no Ensino Médio e a junção dos seres: historiador e educador de história

 

 

Ricardo Taraciuk*

Resumo

O artigo aborda algumas experiências de docência no estágio de Ensino Médio, com o intento de evidenciar a importância do educador de história em discutir com os alunos questões referentes a Teoria e Metodologia, com o fim de priorizar, no ensino, a legitimidade e a importância do estudo da História.

 

Palavras-Chave:

Estágio de Ensino Médio em História. Teoria e metodologia. Ensino de História.

 

Introdução

Minha experiência de estágio do ensino médio, no qual lecionei história, foi na Escola Estadual Alcides Cunha, localizada no Bairro Morro Santana, em Porto Alegre, no período de 28/04/2011 a 17/06/2011, totalizando 12 horas/aulas de observações mais 32 horas/aulas práticas.

As duas turmas que fiquei responsável eram noturnas de segundo ano, com uma média de 30 alunos cada. A maioria dos alunos trabalhavam durante o dia e chegavam cansados para assistir as aulas na noite. No entanto, não foram poucos exemplos de uma boa contribuição dos mesmos com os assuntos que foram desenvolvidos dentro da sala de aula.

A metodologia aplicada nas aulas foi diversa com exposições dialogadas, atividades práticas de interação em grupos com textos, documentos e imagens. Assim, procurava iniciar a explicação de um conceito usando o quadro negro, depois um período para discuti-lo, utilizando a estrutura da sala em círculo, e, por último, fazia atividades com textos, documentários, cartazes e interpretações de imagens.

O desafio da minha experiência como estagiário de história foi como procurar brechas nos conteúdos previstos que eram Renascimento, Formação do Estado Absolutista e Expansão européia, para introduzir discussões de teoria e metodologia de história, relacionar o passado com o presente, evidenciar a História como escrita do passado, construída ao longo do tempo, e realizar reflexões em relação ao conhecimento histórico atual ser produzido por recortes e fragmentos. Destacando que, esses recortes, são fundamentados nos problemas que os historiadores encontram, nos quais se debruçaram nos vestígios do passado, para tentar respondê-los de uma forma que se aproximem do sentido verdadeiro dos fatos ocorridos, destacando seus significados atuais.

Para realizar esse intento, era necessário lidar com inúmeros obstáculos, como por exemplo, o cuidado de não causar conflitos com o professor titular, não causar desconforto com os alunos com uma nova proposta de ensino, lutar contra o tempo, uma vez que o período do estágio era curto diante de grandes ambições de um universitário de história e o dilema de como mediar o conhecimento acadêmico para alunos do ensino médio, tendo em vista que busquei dar sentido a minha graduação, ao tentar construir um conhecimento dentro da sala de aula que fizesse parte a vida dos alunos e a minha vivência como estudante de história.

Desse modo, nesse ensaio decorrerei sobre a necessidade dos professores de história de levar para sala de aula aspectos fundamentais dos estudos da graduação realizada, especialmente, numa disciplina; Teoria e Metodologia de História. Apresentarei as formas que tentei fazer esse intento no Ensino Médio, bem como as limitações e auto críticas dos resultados que obtive.

 

A teoria no ensino de história

O gradual incremento de noções básicas de teoria da história pelo educador na educação básica ocasionaria maiores oportunidades dos alunos experienciarem o ofício do historiador, facilitando o entendimento da legitimidade e utilidade da história. Para isso, portanto, deve-se estabelecer a conjugação do ser professor com o ser historiador, no espaço pedagógico da sala de aula.

Nota-se nos alunos do Ensino Médio a constatação que os adolescentes já podem exercitar com vigor uma construção crítica acerca do mundo que lhe rodeia (Pereira, Seffner, 2008).

Por isso, nesse nível de ensino da educação básica, acredito ser fundamental que o profissional da área de história trabalhe com os alunos a compreensão do funcionamento da sociedade por meio do estudo da História. Com dizem os autores Pereira e Seffner:

 

O período de vivência escolar é fundamental para não apenas adquirir as capacidades de leitura e escrita, mas para promover sua efetiva integração no estilo de vida de cada aluno, como ferramentas para uma vida melhor (Pereira, Seffner, 2008, p. 69).

Nesse sentido, torna-se imprescindível que ensinamos nossos alunos a lerem e a escreverem, com o fim de instrumentalizar os estudantes a participarem das interações políticas do seu presente. (Pereira, Seffner, 2008).

Uma das atividades pedagógicas em história relacionadas com o modo de trabalho do historiador corresponde, por exemplo, a uma aula que estimule a leitura de documentos, imagens, símbolos e textos escritos. Reiterando essa afirmação, os autores consideram que "do ponto de vista do ensino de história, ensinar a ler e a escrever é instrumentalizar os estudantes a participarem das interações políticas do seu tempo" (Pereira, Graebin, 2010, p.174).

Uma das avaliações, aplicadas no estágio do ensino médio, era sobre o Renascimento e a formação do Estado Absolutista. A primeira questão tratava sobre os aspectos do período renascentista italiano, contendo três opções para os alunos responderem, nas quais deveriam escolher uma. A maioria escolheu a questão que era para responder as características básicas do renascimento e os fatores que tentam explicar o seu início na Itália (letra "a"), três optaram por escrever o que tinha entendido por "fonte histórica"(letra "b") e ninguém optou por escrever em relação aos motivos que levaram Peter Burke a usar a expressão "o mito do renascimento" (Burke, 1995).

Como a prova era com consulta, entende-se que ficava mais fácil responder a letra "a", pois havia colocado esquema no quadro e entregado textos nas aulas, ou seja, era uma alternativa que não precisava de grandes reflexões, apenas organizar o material entregue nas aulas e responder, quase copiando o que considerei como características básicas do renascimento. Entretanto, para responder a letra "b" ou a "c", os alunos deveriam ter comparecido e compreendido as aulas, quando inúmeras vezes eu comentei sobre o que acreditamos ser fonte histórica e o que era problematizar o passado como fez Peter Burke, uma vez que não entreguei nenhum material que tratava desse assunto, apenas depois dessa avaliação.

Analisamos, então, as três respostas dos alunos que responderam a seguinte questão: " O que você entendeu por fonte histórica?":

 

Débora Silva

– Fonte histórica pode ser imagens e outros vestígios do passado que nos revelam como esse passado foi representado pela visão de artistas e pintores, por exemplo.

Anderson Gularte

– Fontes históricas: são pistas, restos de traços que do passado os cientistas e pesquisadores descobrem como eram as pessoas, animais, sociedade, etc, no passado e como viveram.

Liége Thais Martins

– As fontes históricas que nós possuímos que podem nos fazer entender algo que aconteceu há séculos. Podem ser imagens que mostram pela forma que o pintor se expressou algo que aconteceu naquela época. São, também, objetos antigos, escritos e até mesmo os fósseis.

 

Mesmo com poucos alunos respondendo essa alternativa, fiquei satisfeito ao ler essas respostas, pois, apesar de todas as dificuldades, elas mostram um pequeno resultado da minha tentativa de unir o saber histórico teórico com os conteúdos tradicionais da história na educação básica. Nas relações de aprendizagem que tentei desenvolver com os alunos ao ensinar o renascimento, facilmente conseguíamos conversar sobre fontes, imagens e como a história foi construída, ao longo do tempo, diferentemente das aulas de Absolutismo que dependiam de um pré-conhecimento de conceitos para se aprofundar no tema.

Outra experiência, nesse sentido, corresponde ao uso das imagens como uma maneira de problematizar o passado a partir do que os alunos interpretavam ao vê-la. Segundo Baldissera

Uma imagem é rica, potencialmente, em informações em diversos níveis. Nos proporciona, quanto ao imaginário, apoio e referências no campo da História das mentalidades, do cotidiano, da cultura material, etc. (...) Sabemos que cada imagem tem uma história para contar (Baldissera, 2010, p. 247)

Sendo assim, nas aulas de renascimento, os alunos receberam imagens das esculturas e pinturas do período medieval e do renascentista. Em um primeiro momento, eu não fazia nenhum comentário das figuras, devendo os alunos compararem as formas de representação do homem, nesses dois momentos históricos, e realizar o máximo de questões e problemas para as obras artísticas. Num segundo momento, nós debatíamos as possíveis respostas para as perguntas que eles realizaram no intento de apresentá-los a idéia da história-problema.

Nas rápidas e poucas 32 horas/aulas que atuei como docente, encontrei maneiras de levar o fato histórico como "construção intelectual elaborada a partir de elementos que o passado fornece" (Pereira, Graebin, 2010, p. 171), conseguindo ir ao encontro de alguns resultados, não somente por essas poucas respostas analisadas, mas por uma conjuntura final de minhas aulas que, por muitas vezes, demonstravam interesses dos alunos quando realizavam comentários da teoria da história. Dessa maneira, considero relevante e válida a afirmação de Meinerz (2010) ao abordar a escola como um espaço que ainda podem-se praticar novas maneiras de fazer a história.

 

O passado e o presente: as relações temporais da História

Ao ler os escritos de Pereira e Graebin, fiquei questionando-me a seguinte questão proposta pelos autores:

 

(...) como levar os estudantes a perceberem os vínculos entre a História que lhes é ensinada, sua realidade histórica e/ ou sua situação no tempo presente, considerando o tempo histórico como um acúmulo de diferenças? (Pereira, Graebin, 2010, p. 172).

Nesse sentido, solicitei aos alunos que escrevessem sobre o que eles acreditavam que era riqueza, a partir das aulas de "Expansão européia", comparando com a idéia que eles têm do significado da riqueza atualmente. Meu intento nessa proposta de atividade era compreender o entendimento de "riqueza" dos homens, como algo do inconsciente coletivo no qual suas práticas dependerão da lógica do espaço-tempo no qual o sujeito está inserido. Assim, os alunos perceberiam que os conceitos mudam, ao longo do tempo, além de serem diferentes em cada lugar com seu processo histórico intrínseco. Enfim, acreditei que, dessa forma, fosse possível construir vínculos do presente com o passado.

Selecionei alguns trechos das respostas que fazem pesarmos sobre os resultados que obtive, comparando com a proposta inicial:

Cristiane Duarte

A riqueza no século XV, para os europeus, era a riqueza rural, grandes propriedades de terras, ouro, metais preciosos, jóias, além de escravos e especiarias de difícil comercialização, devido a dificuldade de acesso a elas pelas rotas marítimas estarem em fase de descobertas e aperfeiçoamento.

Hoje, nossa visão de riqueza é, inevitavelmente, influenciada pela mídia que nos torna consumistas. Riqueza atualmente é possuir imóveis de luxo bem localizados para locação, ter um carro do ano importado blindado, possuir um apartamento com 4 suítes e possuir ações em uma empresa petrolífera.

Riqueza para uma nação é ter em seu território reservas de petróleo, metais preciosos, solo fértil, vastas reservas de água potável e uma moeda estável (...).

 

Eduardo O. Ribeiro

– No século XV, riqueza era o poder. (...) A riqueza e a pobreza eram divididas, os ricos eram que mandavam, tinham castelos e várias peças de ouro. (...) Os pobres não tinham nada de riqueza, a única riqueza deles era se unir e um apoiar o outro.

Já nos dias de hoje, riqueza é o significado de muitas coisas. Não existem mais escravos, só pobres. Cada um vive em sua propriedade, apesar de alguns viveram na rua. Os ricos são executivos, empresários e engenheiros. Os pobres, bem, hoje o pobre é aquele que mora na rua, pois as pessoas, mesmo trabalhando em empregos que não pagam muito bem, existem felicidade nestes lares, e o cidadão brasileiro, mesmo não ganhando bem, sabe que sua maior riqueza não é o dinheiro, é a família.

 Alice

– No século quinze as pessoas tinham outro pensamento sobre riqueza onde os senhores fazendeiros tinham suas terras e seus escravos.(...) O comércio era bem forte com seus tecidos e especiarias (...)

Hoje, a riqueza é diferente, as pessoas procuram qualidade de vida, estudam, se qualificam para o mercado de trabalho, buscam riquezas sim, mas de outro modo.

 Paulo Joel

– Riqueza naquela época era ser donos de terras, quanto mais terras um senhor tinha, mais ele podia plantar, ter escravos e homens trabalhando a seu favor.

(...) A riqueza hoje é algo que muita gente busca e poucos acham. Alguns acham de maneiras ilegais, outros trabalhando e estudando. Ter um carro de luxo, uma casa grande e luxuosa são status de ricos no mundo de hoje. No século XV, um cavalo ou até uma carroça eram coisas de rico.

 Naiana Santos

– No século XV, as riquezas eram voltadas diretamente ao poder, não muito diferente dos dias de hoje.

(...) Nos nossos dias vejo pouca mudança, pois quem ainda tem um pouco mais de dinheiro, se sente superior ao outro de menos dinheiro, coisa que não era para ser, pois todos somos dignos de igualdade.

 Jocieli

– (...) Riqueza entre um século e outro : nem um dos dois deixa de existir riqueza, tudo depende como as pessoas encaram a riqueza adquirida.

 Pamela W. Rodrigues

– (...) Para os ricos do século XV e XVI, a mão de obra escrava era um sinal de riqueza, quanto mais escravos trabalhando, melhorava a qualidade de vida dos patrões.

(...) Hoje, para ser alguém na vida ou enriquecer, conquistar seus objetivos é preciso estudar, ter conhecimento, sabedoria e educação (...).

 Alexandre Faust

– No século XV, as maiores riquezas que eles tinham eram a dominação de novas terras e por conseqüência a posse de ouro e pedras preciosas e, nestas aquisições de terras, adquiriam pessoas denominadas escravos.

(...) Atualmente as pessoas tem suas riquezas baseadas no dinheiro e nos bens materiais, como jóias, carros e casas. As pessoas, hoje em dia, não tem tanta consciência de adquirir produtos da natureza sem exterminar nossos recursos naturais. O dinheiro é a riqueza e a natureza um meio de ser rico.

 Jeremias de M. Bastos

– A riqueza no século XV, para mim, era quem possuía mais posses. Nesse século, surgiu o mercantilismo que era para fortalecer o poder dos reis e dos países pelo ouro e prata. De acordo com os meus conhecimentos, o ouro e a prata faziam crescimento no comércio, então aquele que tivesse mais, era rico.

(...) Hoje, no século XXI, as pessoas, de uma maneira geral, enxergam a riqueza como aqueles que possuem casas, carros do ano, fama, dinheiro e poder (...)

"Um país rico, tal como um homem rico, deve ser um país com muito dinheiro e, juntar ouro e prata num país, deve ser a forma mais fácil de enriquecer". Citado por A. Smith em "A riqueza das nações".

 

 Essa foi a última atividade que propus aos alunos e fiquei muito satisfeito com seus efeitos. Mesmo que a maioria tenha comparado os significados de riqueza dos Estados Nacionais do século XV e XVI com a sua definição individual do conceito, atualmente, foi possível render algumas discussões, em sala de aula, sobre a relação do passado com o presente e sobre os sentidos do termo "anacronismo histórico".

Com essa atividade de ensino de história, eu encerrei o meu período previsto do Estágio do Ensino Médio. Ela serviu para desenvolver uma tentativa de envolver a realidade histórica dos estudantes com o passado das Grandes Navegações marítimas que tem algo a nos revelar sobre a formação da sociedade brasileira.

 Considerações finais

Acredito que os educadores de História nunca devam esquecer a sua formação como historiador. Parecendo óbvio, essa afirmação não foi constatada em algumas experiências minhas ao observar aulas de história. O "eu" historiador deve andar de mãos dadas com o "eu" professor que, na prática, ao que parece, tendem a se separar.

Como docente procurei levar para a sala de aula, a cada conteúdo que explicava, a lógica histórica como método lógico de investigação, construída pelo diálogo entre conceitos e fontes, resultando nas hipóteses que correspondem à construção da escrita da história. Também foi evidenciado que, dessa forma de raciocínio, o conhecimento histórico torna-se provisório, incompleto, seletivo, mas não inverídico (Thompson, 1981).

As dificuldades para esses intentos foram inúmeras. Os resultados obtidos não foram homogêneos, a ponto de representar que o todo da sala de aula compreendeu a forma das relações de aprendizagem da História, proposta por mim. No entanto, creio ter construído pequenos "fios" necessários para uma construção de um quadro geral do que almejamos e esperamos de um professor de história na educação básica brasileira.

 

Referências

BALDISSERA, José Alberto. Imagem e construção do conhecimento histórico. In: Vera Lucia Maciel Barroso, Nilton Mullet Pereira, Maria Aparecida Bergamaschi, Sirlei Teresinha Gedoz e Enrique Serra Padrós (org.). Ensino de História. Desafios Contemporâneos. Porto Alegre: EST: ECLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010, pp. 247-265.

 

BURKE, Peter.

Cultura Popular na Idade Moderna. 2ª ed. Trad. Denise Bottmann. São

Paulo, Companhia das Letras, 1995.

 

MEINERZ, Carla Beatriz. Ensino de História: a relação pedagógica presente em nossas práticas. In: Vera Lucia Maciel Barroso, Nilton Mullet Pereira, Maria Aparecida Bergamaschi, Sirlei Teresinha Gedoz e Enrique Serra Padrós (org.). Ensino de História. Desafios Contemporâneos. Porto Alegre: EST: ECLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010, pp. 203-212.

 

PEREIRA, Nilton Mullet & SEFFNER, Fernando. História, leitura e escrita no Ensino Médio. In: Nilton Mullet Pereira, Neiva Otero Schaffer, Samuel Edmundo Lopez Bello, Clarice Salete Traversini, Maria Cecília da A. Torres e Sonia Szewczyk (org.). Ler e escrever. Compromisso no Ensino Médio. Porto Alegre: Editora da UFRGS e NIUE/UFRGS, 2008, pp. 165-177.

 

PEREIRA, Nilton Mullet & GRAEBIN, Cleusa Maria Gomes. Abordagem temática no ensino da história. In: Vera Lucia Maciel Barroso, Nilton Mullet Pereira, Maria Aparecida Bergamaschi, Sirlei Teresinha Gedoz e Enrique Serra Padrós (org.). Ensino de História. Desafios Contemporâneos. Porto Alegre: EST: ECLAMAÇÃO: ANPUH/RS, 2010, pp. 169-181.

 

THOMPSON, EP. A miséria da teoria. Rio de Janeiro: Zahar, 1981