Ano de 1996. CEBE

Centro Educacional Boa Esperança - Nova Iguaçú, RJ, Brasil.
Estava lecionando matemática para uma turma de 7ª série, oitavo ano, quando percebi em alguns alunos sérias dificuldades em assimilar a matéria. Comecei a fazer uma revisão a partir da 5ª e 6ª séries. Notei que grande parte dos que tinham dificuldades começou a melhorar. Mas havia um pequeno grupo um tanto renitente, que ainda continuava a ter embaraços. No meio deste grupo havia uma aluna que chamou a minha atenção. Por motivos éticos a chamarei de Delany.
Delany apresentava dificuldades gritantes, além disso apresentava o que parecia ser arrogância e rebeldia. Brigava, discutia com os colegas e tentava desrespeitar até os professores. A direção da escola a catalogou de "horrorosa".
Diante deste quadro de circunstâncias contrárias, comecei a me aproximar de Delany, tinha curiosidade em conhecer seus pontos positivos, pois os negativos já eram famosos. Aproximava-me de sua carteira de forma casual, disfarçadamente. No inicio ela ficava me olhando um tanto desconfiada. A turma ficava tomando conta pra ver o que eu iria falar com ela. Perguntei sua idade, disse-me que tinha 15 anos. Naquele momento pensei: será que alguns dos professores já tinham tentado se aproximar dela, procurando tratá-la com carinho, como ser humano?
Passei a procurar explicar os pontos da matéria em que ela tinha dificuldade, a incentivá-la a responder as perguntas feitas em sala de aula, enfim a participar e perceber que ela era importante. Em duas semanas notei que Delany começou a mudar: conversava menos, copiava a matéria mais rápido, começou a perguntar, me chamava para ver se o exercício estava certo, etc e tal. As perguntas que ela fazia e que eu achava que eram pertinentes, procurava reproduzir para a turma, levando os alunos a perceber que as perguntas deles eram importantes no desenvolvimento de minhas aulas e que Delany era para ser levada em consideração.
Diante disso, comecei a ficar empolgado ao ver uma mudança tão exponencial. É importante frisar que notei que até a turma começou a mudar. Começou a haver um interesse no ar. Um professor me perguntou: o que está acontecendo com aqueles alunos, na sua aula? Passei em frente à sala e eles estavam compenetrados, estudando...o que você fêz?
Anteriormente, as notas máximas de Delany eram 1.5 ou 2.5, agora começaram a surgir 5.5; 6.5; 8.0 e até 9.5. Acho que houve melhoras notáveis.
O mais importante é que houve mudança no comportamento humano de Delany.
Deixou de ser brigona, respondona, passou a ser interessar pelo ensino, enfim acho que a educação alcançou esta jovem que hoje deve ter quase 30 anos.
Mas tarde fiquei sabendo, que antes ela peitava até o próprio pai; um tio seu havia matado o próprio sobrinho. Este era o contexto social em que Delany vivia.
O contexto onde foram desenvolvidas todas as atividades foi a sala de aula.
Foram planejadas aulas de reforço aos sábados, aonde os alunos interessados participaram.
Aprendi bastante com essa experiência. Professor é muito mais que instrutor. Professor precisa ser um pouco: pai, médico, psicólogo, psiquiatra, conselheiro tutelar. Enfim, o professor precisa ser um educador.

OBS: Recebi mais uma grata surpresa há uns quatro meses atrás:
Ao entrar no Fórum de Nova Iguaçú, encontrei um ex-aluno assentado em um banco. Perguntei:
_ O que estás fazendo aqui, meu jovem?
Ao que ele respondeu:
_Estou aqui, exercendo a minha profissão; sou advogado -respondeu ele, colocou a mão no bolso, pegou seu cartão e me deu.
Acho que esta é a nossa bonificação máxima.