"A vida é uma estrela que resplandece
no horizonte, no limite de dois mundos,
entre a noite e a aurora.
Quão pouco sabemos o que somos!
Ainda menos sabemos o que vamos ser!"
(Byron)

Se admitirmos que exista uma natureza humana, o que ocorre em grande parte das teorias filosóficas desde a antiguidade, estaríamos admitindo uma concepção metafísica da natureza humana, que pode ser denominada essencialista.
A concepção essencialista da natureza humana percorre toda a tradição filosófica do mundo ocidental, com algumas tentativas esparsas de crítica à concepção abstrata de um modelo (Aranha e Martins, 2003; Japiassú e Marcondes, 2006).
No século XIX, Karl Marx rejeita a concepção de uma natureza humana universal. Para ele, os homens são seres práticos e se definem pela produção e pelo trabalho coletivo, o que significa que não há mais a essência humana, nem homens isolados e dotados de uma essência comum a todos os outros.
Para Marx, na esfera das relações sociais, criam valores e definem objetivos de vida a partir dos desafios encontrados na atividade produtora de sua existência. Portanto, as condições econômicas definem os modelos sociais em determinadas circunstâncias. Dessa forma, Marx critica o caráter a-histórico e abstrato das concepções metafísicas, refutando a idéia do homem que é "em si" abstratamente, a fim de compreendê-lo como homem-real em determinado contexto histórico-social (Aranha e Martins, 2003).
Outros filósofos, ainda no século XIX, se ergueram contra a concepção tradicional e metafísica (Vicente 1985, v. 5). Kierkegaard, Stirner e Nietzsche propõem reflexões a respeito da concretude da vida humana na realidade cotidiana. Com propósito semelhante, a fenomenologia, corrente filosófica fundada por Husserl, cujos principais seguidores, no século XX, foram Scheller, Heidegger, Sartre, Merlau-Ponty, entre outros, buscou também questionar a validade da crença na concepção metafísica de homem.
Também Kierkegaard pensou nestas questões, expondo em suas obras temor e tremor. O existencialismo é, então, uma reação contra as construções sistemáticas que anulavam o homem no meio das abstrações, despersonalizando-o.
O existencialismo poderia ser definido como a doutrina mais tradicional de nosso século. Depois de duas Guerras Mundiais, segundo Bergman (2004), a civilização ocidental experimentou uma falência moral. Mais marcante nas décadas de 1950 e 1960, o existencialismo influenciou a criação de obras não só a filosofia, mas também no teatro, cinema, música, literatura, teologia e psiquiatria.
Atingiu seu auge na Europa com o desencantamento que se seguiu da Segunda Guerra Mundial (Blackburn, 1997). Pode ser encarada como uma reação a qualquer forma de alienação humana, pois "este não é um mero ente, mas antes, um existente".
O termo existencialismo, de acordo com Abbagnano (2003), pode ser definido como conjunto de filosofia e correntes filosóficas, surgidas partir da década de 1930, aproximadamente, cujo traço comum não são as conclusões ou os pressupostos (pois estes diferem nos autores e suas teorias), mas o instrumento de que se valem: a análise da existência.
Para o existencialismo, segundo Japiasssú e Marcondes (2006),

"no homem, a existência, que se identifica com a sua liberdade, precede a essência; por isso, desde nosso nascimento, somos lançados e abandonados no mundo, sem apoio e sem referência a valores; somos nós que devemos criar nossos valores através de nossa própria liberdade e sob nossa própria responsabilidade." (p. 99)

Sartre define o existencialismo no seu texto O existencialismo é um humanismo, a seguir:

"Concebemos o existencialismo como uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro lado, declara que toda verdade e toda ação implicam um meio e uma subjetividade humana."(Sartre, p. 1)

Existencialismo pode ser considerada, assim, uma designação vaga de várias teorias filosóficas (Blackburn, 1997), entretanto, de uma maneira geral podemos defini-lo como uma doutrina centrada no valor do indivíduo concreto (Borheim, 2005). Enfatiza temas como o indivíduo, escolhas e o absurdo da vida humana ao contemplar uma compreensão racional do universo (Blackburn, 1997; Cabral, 2006).
O primeiro filósofo que se afirmou realmente como existencialista, que assumiu esta denominação, foi Jean Paul Sartre (Borheim, 2005; Cabral, 2006), mas, para alguns pesquisadores, características existencialistas podem ser percebidas nos escritos de diversos autores, dentre eles: Kierkegaard, Heidegger, Marcel, Jaspers, Unamuno, Abbagnano, Chestov, Camus entre outros (Borheim, 2005; Vicente, 1885, v.05).
Quanto às obras existencialistas, geralmente romances, estas, por um lado, reagem contra o ponto de vista de que o Universo é um sistema fechado, coerente e inteligível; entretanto por outro lado, vêem a incerteza resultante deste paradigma como um motivo de aflição. Foi nesse contexto que Jean-Paul Sartre salientou em seus escritos a importância da liberdade humana e, em conseqüência, sua liberdade moral. Ainda para Sartre, o existencialismo é a única doutrina que deixa uma possibilidade de escolha ao homem (Sartre,1987).
Ao defender essa afirmação, os existencialistas referem-se ao fato de que, ao seu ver, durante a existência, cada um constrói sua própria essência (Cabral, 2006). De acordo com os escritos de Sartre (1987), "O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo". Desta maneira, Blackburn (1997) e Cabral (2006) corroboram ao afirmar que as obras de Sartre têm cunho de exploração de escolhas de tensão e podem ser consideradas sociopoliticamente com o período em que foram escritas.
O existencialismo concentra seus estudos no homem concreto, limitado pelo tempo, buscando um sentido para o seu viver. Sartre, n? O existencialismo é um humanismo, classifica dois tipos de existencialistas, os cristãos (como Jaspers e Gabriel Marçal) e os ateus (Heidegger e existencialistas franceses, como o próprio Sartre). Ambos devem necessariamente partir da subjetividade, segundo Sartre. Para ele, o existencialista ateu seria mais coerente, visto que Deus não existe e a existência precede a essência, ou seja, antes de poderem ser definidos, existem os seres. Assim, o homem existe primeiro, se descobre, surge, e depois se define.
Nesta obra, autor utiliza como exemplo um objeto fabricado qualquer, como um livro ou um corta-papel. Nesses objetos há precedência da essência, pois são criados conforme as determinações e interesses de um artífice que os precede. Ou seja, eles são fabricados a partir de um modelo (aquele questionado por Marx), e terão de corresponder fielmente a esse modelo.
No caso humano não se pode falar de um modelo que o preceda e determine sua essência (Cabral, 2006; Aranha e Martins, 2003). Sartre considera a essência, o ser do homem, algo a ser perseguido e construído ao longo de sua existência. Antes de existir, ele não é nada, e será apenas o que quiser ser, aquilo que ele conceber ser durante a sua existência. Exclui-se assim a noção de uma natureza humana. O homem é não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem é o que ele faz de si mesmo.
Este estado em que o homem se situa de liberdade sobre sua própria construção, e que defende que Deus não existe, não traz alívio aos próprios existencialistas. Para Sartre,

"O existencialista pensa que é extremamente incômodo que Deus não exista, pois, junto com ele, desaparece toda e qualquer possibilidade de encontrar valores num céu inteligível." (Sartre, 1987, p. 6).

Ainda em sua obra, pode-se perceber a conseqüência dessa liberdade toda, que é definida por Sartre como angústia. Angústia de perceber que, sendo livre, legisla sobre sua vida e a dos demais homens em sua volta. Para Sartre,

"Se realmente a existência precede a essência, o homem é responsável pelo que é. Desse modo, o primeiro passo do existencialismo é de pôr todo homem na posso do que ele é, de submetê-lo à responsabilidade total de sua existência. Assim, quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens."
(Sartre, 1987, p. 4)

Essa responsabilidade toda, sobre a própria vida e sobre a vida dos demais homens não traz aos estudiosos do existencialismo a honra de ser importante ou nada parecido com isso, ao contrário, gera um sentimento de angústia, que não é tão fácil de ser definido.

"Como devemos entender a angústia? O existencialista declara freqüentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: O homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas que escolheu ser, mas também um legislador que escolheu simultaneamente a si mesmo e à humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade."(Sartre, 1987, p. 4)

Esse sentimento é derivado do desamparo decorrente da noção de que não há Deus para tomar nossas decisões. Então, o homem é responsável por todas as suas ações, e não há amparo que justifique um erro, bem como não há uma regra a ser seguida, orientada por um Deus piedoso e sábio, onisciente e onipresente. Essa é a origem do desamparo, o conhecimento de que não há Deus ou regras pré-determinadas, não há lugar para o determinismo.

"O desamparo implica que nós mesmos escolhemos nosso ser. Desamparo e angústia caminham juntos. Quanto ao desespero (...) significa que só podemos contar com o que depende da nossa vontade ou com o conjunto de probabilidades que tornam a nossa ação possível." (Sartre,1987, p. 8)

Desta maneira, percebe-se a possibilidade e relevância do estudo e análise do conceito de liberdade em Sartre, bem como de suas conseqüências, como a angústia, em meio a situações denominadas existencialistas. É de nosso conhecimento que estudar o existencialismo apenas na perspectiva de um filósofo incorre o risco de cair em reducionismo da doutrina, por isso não busca-se o estudo do existencialismo em si, mas tão somente do conceito de liberdade dentro da perspectiva de Sartre.
Faz-se mister ainda acrescentar que a doutrina filosófica do existencialismo poderia nos levar a perceber a própria liberdade, e que isso não é caloroso ou tranqüilizador como aparenta. Ao contrário, se pensarmos no universo como algo indiferente, como reflete Cabral (2006), partindo do pressuposto de que Deus não concebe a essência do ser humano - visto que esta deve ser construída pela existência ? então somos livres. Não podemos escolher datas, local, família e classe social em que nascemos, mas somos livres para escolher o que fazer com essas situações (Chaui, 2002), e as consequências dos atos livres são de responsabilidade somente nossa (Japiassú e Marcondes, 2006). Daí a afirmação existencialista de que "o homem está condenado a ser livre" (Sartre apud Cabral, 2006).
De acordo com Marques (1988), a repercussão da doutrina existencialista teria sido menor do que realmente foi, se não fosse a presença de Sartre, que foi um grande difusor dessa doutrina fora do continente europeu.

REFERÊNCIAS:

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
ARANHA, MLA; MARTINS, MHP. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003.
BERGMAN, G. Filosofia de banheiro: Sabedoria dos maiores pensadores mundiais para o dia-a-dia. Tradução: Caroline Kazue Ramos Furukawa. São Paulo: Madras, 2004.
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia. Tradução: Desiderio Murcho et al. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1997.
BORHEIM, G apud REZENDE, A. Curso de filosofia para professores e alunos dos cursos de segundo grau e graduação. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2005.
CABRAL, CA. Filosofia. São Paulo: Editora Pillares, 2006.
CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2002.
JAPIASSÚ, H e MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia. 4. Ed. Atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
Marques, IH. Sartre e o Existencialismo. Metavnoia, São João del-Rei, n. 1. p. 75-80, jul. 1998
SARTRE, JP. O existencialismo é um humanismo. 3.ed. Trad: Rita Correia Guedes. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores).
SILVA, AS. O conceito de Liberdade segundo a teoria existencialista de Sartre. Monografia. Brasília: Universidade Católica de Brasília/UCBV, 2010. 42 p.
VICENTE, O (org.). Enciclopédia Didática de Informação e Pesquisa Educacional. V. 5. 1. ed. São Paulo: Livraria Editora Iracema, 1985.
_____ . Enciclopédia Didática de Informação e Pesquisa Educacional. V. 7. 1. ed. São Paulo: Livraria Editora Iracema, 1985.