EXISTE ÉTICA E POSSIBILIDADE DE OFERECER DIGNIDADE NO ESTUDO ANATÔMICO REALIZADO COM CADÁVERES?
Publicado em 11 de novembro de 2012 por Vanúsia Santos Ferreira
Em principio, esta reflexão possibilita uma analise mais detalhada sobre o estudo realizado com cadáveres. Deste modo, o autor Cury (2005) retrata em seu Livro o Futuro da Humanidade, a história de um jovem estudante da medicina, Marco Polo, que expressa suas expectativas em relação ao estudo anatômico do corpo humano, quando entra para a faculdade, contudo, percebe, no decorrer da historia que as outras pessoas não esperam o mesmo que ele.
Deste modo, a discussão a ser feita é de certo modo, se existe ética e a possibilidade de oferecer dignidade para aquele que já não abita o seu corpo. Essa reflexão somente será possível de se fazer, levando em consideração a perspectiva e percepção de quem está estudando. Desta forma, é possível afirmar que, a ética, o respeito, a dignidade propriamente dita será dada por aquele que esta manuseando um cadáver com a finalidade de obter um conhecimento.
De certa forma, é importante salientar que o próprio estudo anatômico realizado com cadáveres, somente poderá ser feito com a fragmentação do corpo, com base nessa afirmação, é correto dizer que, a percepção de se estar lidando com pessoas pode ser perdida no momento em que o corpo é analisado por partes.
Desse modo, Cury (2008) ressalva, no decorrer da trajetória de Marco Polo, que os alunos emanam em seus comportamentos o desejo de aprender a arte de salvar vidas, contudo, ao se depararem com cadáveres dispostos como animais, sem ao menos antes passar por uma preparação do que é a morte, tal imagem poderiam destruir seus sonhos.
Nesse momento, surge outra reflexão, se por acaso é o estudante que tem que ter a percepção de ser ético e praticar a complexa ciência de forma digna visando respeitar aquele corpo que algum dia participou desse espetáculo que é a vida, então é possível dizer que, é importante a existência de um preparo dos alunos antes de se depararem com a imagem da morte.
Com base em Pessini, Ruiz (2007), os aspectos ético-legais no estudo de cadáveres consistem em utilizar cadáveres não reclamados, sem qualquer documentação, de causa natural ou não natural, sendo que se for desta ultima forma, é preciso submeter a necropsia no órgão acometido, e morte comprovada por resultado de ação criminosa. Tudo com base na Lei 8.501, de 30 de novembro de 1992.
Contudo, o perigo é caso não já preparação com abordagens filosóficas e psicológicas, que o estudante se torne lógicos e objetivos, e não consigam perceber o lado humano das pessoas. (CURY, 2005).
Segundo Pessini, Ruiz, (2007) como uma forma de amenizar essa situação que por vezes é bastante polêmica, visto que muitas pessoas discordam da utilização de cadáveres no estudo do corpo humano, é, em relação à tecnologia, o uso substituto de programas e material sintético semelhantes às partes do corpo humano. Entretanto, esse tipo de subsidio não apresenta a mesma forma e textura que cadáveres humanos.
Para esses autores, esse meio de substituir a utilização de cadáveres, pode fazer com que o profissional não seja qualificado. O que pode prejudicar o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes.
A reflexão necessária agora é entender como o estudante poderá expressar dignidade sobre um cadáver não reclamado, que, contudo, também já foi uma pessoa, viveu emoções, sofreu e compartilhou de experiências semelhantes a dos estudantes que o estar dissecando e cortando seu corpo em partes.
Desse modo, Marco Polo (CURY,2005) acreditava que cada ser humano é um mundo, não existe o fato de alguém não ter um nome, algum dia ela sorriu, amou, chorou, construiu uma historia, e pelo simples fato de ter vivido, merece respeito dignidade.
De acordo com Prates, Cabral (2010) o que precisa ser feito é criação de alternativas que minimizem as dificuldades da aquisição de cadáveres, seja implantando programas de divulgação de como se pode doar seu corpo para fins educacionais, ou sugerindo a desburocratização por parte de órgãos teoricamente competentes. Em todos os casos, os autores concordam com a utilização dos cadáveres para estudo e pesquisa.
Entretanto, é importante relevar que todo ser humano é dotado de personalidade, nesse caso, é considerado um atributo jurídico, em que todas as pessoas, nascidas vivas, são dotadas disto, o que confere a todas as pessoas a possibilidade de atuar no mundo jurídico, nas chamadas relações jurídicas; ora sendo titular de direitos, como um crédito, a vida, a honra, herança, a intimidade, o nome, a incolumidade físico e psíquica; ora sendo obrigado a algum dever, como a assistência ao cônjuge, um débito, ao socorro, ao pagamento de algum bem de valor. Dentro desses direitos encontram-se os chamados “direitos de personalidade”: uma categoria especial de direitos, ligados intimamente à simples condição humana, decorrente da simples condição de ser humano, que tem como princípio fundamental a dignidade da pessoa e da vida humana.
Por fim, é entendido que para se obter o conhecimento necessário é preciso a utilização de corpos reais, contudo, é necessário rever questões como a preparação do individuo enquanto formando de uma profissão que tem que ter a vida como instrumento de trabalho. É importante que se tenha paixão pela vida e pelas pessoas, para que se possa demonstrar respeito por aqueles que já não estão entre nós.
REFERÊNCIAS
- CURY, Augusto Jorge, 1958- O futuro da humanidade: a saga de marco polo. Augusto Cury. - Rio de Janeiro. Sextante. 2005.
- PESSINI, Leo, RUIZ, Cristiane. Anatomia humana e ética: dignidade no corpo sem vida? São Paulo. Paulus. 2007.
- PRATES. Nadir Eunice Valverde Barbato de. CABRAL, Richard Halti. O anatomista. Revista de Divulgação Científica da Sociedade Brasileira de Anatomia. Ano –1, Volume –2, Abril-Junho, 2010.