EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA BUSCA DE IDENTIDADES CIDADÃS ATRAVÉS DA PRÁTICA DO EMPODERAMENTO COMUNITÁRIO, 

Thiago Vale Pestana¹

Zilmar Timoteo Soares² 

1- Thiago Vale Pestana, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Especialista em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia (UNAMA) e mestre em Ambiente e Desenvolvimento pelo Centro Universitário do Vale do Taquari (UNIVATES). E.mail: [email protected]

2-Zilmar Timoteo Soares, Graduado em Biologia pela Universidade Estadual do Maranhão, Especialista em Metodologia do Ensino e Pesquisa em Biologia, Mestre e Doutor em Educação, Professor Adjunto da UEMA e IESMA/UNISULMA, pesquisador na área ambiental e Coordenador da Expo Ciências do Sudoeste Maranhense, e-mail: [email protected]

RESUMO

 

O desenvolvimento econômico brasileiro favoreceu ao longo das últimas décadas a expansão do setor industrial e, com isso, por um lado a busca por espaços para a ampliação dos negócios tem gerado postos de trabalho na mesma medida em que tem provocado acirrada disputa interna entre os gestores dos entes federados. Por outro lado a concentração de indústrias cada vez mais próximas dos centros urbanos tem desencadeado uma variada gama de impactos ambientais às comunidades atingidas por suas atividades, as quais recorrentemente passam a se organizar socialmente na luta pela defesa de seus interesses. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo abordar as causas que levam as comunidades agredidas pelas atividades industriais, em especial aquelas impactadas pela siderurgia, a se mobilizar na busca de suas identidades cidadãs através da prática do empoderamento comunitário, cujo conceito, características e pressupostos legais são estruturados através de pesquisa exploratória acerca dos teóricos pertinentes e das fontes normativas aplicáveis ao estudo.

Palavras chave: Poluição. Movimentos sociais. Empoderamento.

ABSTRACT 

The Brazilian economic development has favored over the past decades the expansion of the industrial sector and, thus, on the one hand the search for space for business spread has generated jobs in the same measure that has triggered fierce infighting among representatives of the federal entities. On the other hand, the concentration of industries increasingly close to urban centers has led to a diverse range of environmental impacts to communities affected by their activities, which are recurrently socially organized in defending their interests. Thus, this paper discusses the causes, which lead communities battered by industrial activities, especially those impacted by the steel industry, to mobilize in search of their citizen identities through the practice of community empowerment, whose concept, characteristics and legal requirements are structured through the exploration of relevant theoretical and normative sources applicable to the study.

Key words: Pollution. Social movements. Empowerment.

INTRODUÇÃO

As alterações na configuração dos sistemas urbanos no Brasil vem sendo percebidas nas últimas décadas como reflexo do desenvolvimento socioeconômico que o país experimentou desde meados de 1940, quais sejam, os reflexos da mudança de paradigma de produção encetados pela Revolução Industrial, o aumento da população total do país e o crescimento, ainda que incipiente, do número consolidado de fábricas.

Tais mudanças caracterizam-se basicamente pela escolha da estratégia de industrialização de sua economia para o estabelecimento de estruturas produtivas diversificadas, de modos a favorecer o consumo e, portanto, influenciando na urbanização das cidades originada pelo processo de desenvolvimento através da industrialização de seus espaços.

Diante de tal realidade é que o presente trabalho busca abordar o exercício da cidadania a partir do empowerment (empoderamento), conceito afeto às formas de organização comunitária que privilegiam práticas de acompanhamento interventivo nas questões de interesse de uma dada população, como questões envolvendo saúde, segurança pública e efeitos ambientais aos quais as mesmas estão sujeitas.

Para tanto, através de levantamento bibliográfico decorrente de pesquisa exploratória, inicialmente serão destacadas as causas fundamentais da disputa pelos espaços entre indústrias e comunidades para mais adiante serem delineados os efeitos que tal interação gera para as partes.

Ato contínuo serão apresentados os elementos conceituais do empoderamento e os pilares normativos centrais que asseguram o exercício de cidadania em função da integração dos ideais comunitários afetos ao tema. Em seguida serão articulados os aspectos caracterizantes do empowerment enquanto fenômeno de mobilização social que surge em contrapartida aos impactos aos quais as comunidades estão sujeitas em razão do desenvolvimento das atividades siderúrgicas e suas consequências.

Nesse sentido, reflexos de tal cenário são as metrópoles nacionais interiorizadas que surgiram a partir da disputa pelos espaços disponíveis em áreas tradicionalmente utilizadas para outras finalidades que não a ocupação humana ou o estabelecimento de complexos industriais.

Na parte final do trabalho são apresentadas as razões que justificam o fato de que locais já industrializados e que continuamente recebem novos empreendimentos dessa natureza, tendem a concentrar movimentos sociais mais articulados e portanto capazes de fazer frente às práticas prejudiciais aos interesses dos representados, o que no caso das siderúrgica a militância dos movimentos sociais resta associada aos impactos causados pela fuligem, poeira e o uso do carvão enquanto matriz energética.

Os fatores determinantes da disputa pelos espaços entre indústria e comunidade

 O movimento de ocupação dos espaços urbanos vem se apresentando como um dos maiores desafios enfrentados pelos gestores públicos, visto que o aumento do desemprego e o declínio da capacidade econômica e da renda individual tem ocorrido em contradição ao desenvolvimento industrial, sendo que ambos tem contribuído para o quadro de desordem em matéria de organização das cidades.

Outro elemento relevante para a compreensão da formação do sistema das cidades brasileiras foi a localização do poder político-administrativo e dos agentes administrativos e econômicos capazes de tonificar a forma como os núcleos ocupados pelas pessoas viessem a acontecer. Nesse sentido, se manifesta Lodder (1977, p. 461):

Todo o sistema foi construído visando a isso, concebendo-se a cidade como tendo a finalidade de ocupar, dominar e extrair o máximo da região em que se situava. (...) Esses agentes e suas atividades nada mais eram, na verdade, que meros repassadores e não reprodutores de bens. Os maiores êxitos econômicos estavam relacionados com o dinamismo da demanda exterior e, por isso mesmo, o estabelecimento de subsistemas urbanos só lograva existir justamente onde tais êxitos econômicos tinham lugar.

Assim sendo, o surgimento de novas frentes humanas que se estabelecem em áreas urbanas na busca de um local para morar, acarreta em indistinção no momento da escolha do local a ser ocupado, sejam imóveis públicos, particulares ou até mesmo situados em áreas de risco, como as encostas de morros e margens de córregos ou rios.

É ponto incontroverso que o desafio do planejamento das cidades requer hodiernamente novas práticas e ações inovadoras no campo político-social. A possibilidade de grupos heterogêneos compartilhando experiências e buscando alternativas aos problemas urbanísticos é, na visão de Barcellos e Barcellos,

Perspectiva que se contrapõe ao modelo de planejamento em que somente à alta administração de organizações públicas e privadas, bem como aos técnicos e especialistas da área, é concedida a honraria de acesso ao ritual, cabendo a uns poucos a tarefa de formular as estratégias de criação do futuro de muitos. [...] As pessoas sabem muito e sabem mais do que pensam que sabem. O que lhes falta é a oportunidade para contribuir e aprender umas com as outras (BARCELLOS E BARCELLOS, 2006, p. 132).

Os autores sustentam o entendimento de que a dinâmica urbana exige a investigação dos pontos de contato entre política, tecnologia e cultura existentes. Contudo, para que esse sistema se torne operacionalizável é necessário que existam estratégias capazes de enfrentar os desafios que obstaculizam a melhoria das condições de habitabilidade em zona urbana, como a prospecção dos efeitos da urbanização a médio e longo prazo.

Forrester apud Barcellos (2006, p. 134) anota que certos atrativos existentes nas cidades são capazes de promover uma concentração populacional indesejada, o que contribui para aumentar as fragilidades que deverão ser superadas pela gestão do planejamento urbano.

Assim sendo, com a oferta de construções a baixo custo, existência de empregos a salários elevados, ausência de poluição ambiental e moradia próxima ao local de trabalho são, na opinião dos citados, fatores determinantes para tornar uma cidade capaz de atrair constantemente ondas migratórias que, diante de um quadro nulo de políticas de planejamento urbanístico ambiental, acabariam, por outro lado, acarretando a instauração de um cenário inverso, prejudicando todos os atrativos preexistentes.

Nas palavras de Wendhousen (2006, p.141), são os “meios de reação às condições hodiernas de urbanização”, que influenciam o tipo de demanda futura que o planejamento ambiental dos espaços urbanos deverá enfrentar.

Várias são as práticas já difundidas nos instrumentos legais de gestão do planejamento urbano municipal, como o uso de incentivos fiscais através, por exemplo da redução das alíquotas cobradas na carga tributária para estimular o consumo e prover o crescimento econômico, investimentos em obras estruturais para a captação e canalização de águas e a diversificação das alternativas para a mobilidade urbana.

Contudo, tais práticas se apresentam como reflexos de um modelo que se preocupava apenas com as necessidades imediatas que surgem na vida em comunidade. Em contraposição alternativa, o método denominado future search (busca futura) é, segundo Cabana e Fiero apud Barcellos e Barcellos (2006, p. 135) técnica que propõe auxílio ao planejamento estratégico para o futuro de empresas, organizações da sociedade civil e entidades públicas, sendo ainda capaz de viabilizar

O planejamento do desenvolvimento de comunidades e do futuro de cidades, regiões, setores industriais e associações profissionais; o desenvolvimento de planos abrangentes de reinvenção do governo; o planejamento do desenvolvimento regional; a gestão de conflitos entre partes litigiosas e diversos grupos de interesse no setor público; o desenvolvimento de parcerias a longo prazo com clientes, fornecedores ou agentes reguladores governamentais; a facilitação de esforços de desenvolvimento e renovação organizacional; a condução de reuniões de planejamento estratégico corporativo (BARCELLOS E BARCELLOS, 2006, p. 136).

Desta forma resta evidenciada a possibilidade de se propiciar aos indivíduos plena participação na tomada de decisões ou através da influência em certos grupos sociais a aceitar suas diferenças enquanto oportunidade de aprendizado em convivência, objetivando o bem comum.

As consequências da disputa espacial entre indústria e comunidade

Em municípios onde há predominância de atividade siderúrgica, como Açailândia no Maranhão ou Charqueada no Rio Grande do Sul, os processos que utilizam a queima de combustíveis fósseis como fonte energética tem provocado alterações na qualidade do ar. Carvalho sustenta que

A presença de teores elevados de [metais pesados] na região de Charqueadas, associado à direção do vento predominantemente [sudeste] confirma a contribuição da Siderúrgica na contaminação de metais no ambiente. Isto era esperado pelo fato dessa indústria empregar várias matérias-primas contendo ferro e outros elementos para a produção do aço acarretando na emissão destes metais. Além disso, isto pode ser constatado visualmente, pela emissão de uma intensa fumaça avermelhada na siderúrgica, indicando a presença de óxidos de [ferro]. A emissão intensa de poluentes pela siderúrgica é atribuída ao fato de que a Siderúrgica AFP não apresenta nenhum sistema de controle para emissões atmosféricas (CARVALHO, 2000, p. 617).

Inexistindo tecnologias capazes de filtrar a emissão de poluentes na atmosfera, a população que vive no entorno dos parques siderúrgicos se torna exposta aos efeitos nocivos à saúde provocados por tais resíduos.

No bairro Pequiá de Baixo em Açailândia, dados preliminares obtidos junto ao CDVDH – Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos, (2010, texto digital) apontam que as endemias que acometem a comunidade com maior recorrência são as respiratórias e epiteliais, como as alergias e carcinomas que atingem a via digestiva e o aparelho respiratório, que são causadas pela contínua exposição às partículas de fuligem originadas das caldeiras das siderúrgicas, em suspensão no ar e presentes na água destinada ao consumo popular.

Sobral e Derisio (apud DANNI-OLIVEIRA, 2009, p. 120), sustenta que em sentido amplo, as propriedade nocivas dos principais elementos de contaminação influem em casos destacados, “no surgimento de doenças oftálmicas dermatológicas, cardiovasculares e principalmente as respiratórias, tais como câncer de pulmão, bronquite, enfisema e asma”.

A emissão de substâncias contaminantes em núcleos urbanos é, na opinião de Danni-Oliveira (2009, p. 120), responsável pelo agravo de doenças respiratórias que acometem a população urbana das metrópoles e das cidades médias, notoriamente crianças e idosos.

A autora destaca que já na Londres do final do século XIX, era perceptível a que a junção dos resíduos originados da produção industrial à fuligem da queima de carvão nas lareiras das residências, se tornou o grande responsável pela poluição do ar na cidade, assim como das doenças experimentadas pelos londrinos da época. Sobre o momento presente da poluição nas grandes cidades, a autora segue afirmando que

Na atualidade, a situação da qualidade do ar das cidades está longe de ser considerada boa, apre­sentando, entretanto, sob vários aspectos, um quadro muito diferente daquele do passado. A continuidade da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) como fonte de energia para atender as necessidades modernas, além de gerar a contaminação do ar nas áreas urbano-industriais, tem criado sérios problemas ambientais como a acidificação do meio ambiente e o aquecimento global da atmosfera. Contudo, a utiliza­ção da eletricidade, do gás natural e de derivados de petróleo que passaram a substituir em grande parte o uso do carvão mineral, permitiu a um grande número de centros urbanos, particularmente a dos países com industrialização antiga, libertarem-se das mazelas de um ar carregado de fumaça preta (DANNI-OLIVEIRA, 2009, p. 114-115).

À medida que a indústria se desenvolve e novas máquinas são postas em funcionamento, de mesma sorte diferentes agentes poluidores passam a fazer parte do ar e da vida das pessoas. Dados de 2006 da Organização Mundial de Saúde (OMS), apontam que a taxa de mortalidade registrada oficialmente em cidades com grave comprometimento do ar, atinge índices de 15% a 20% superiores àquela observada em cidades cujo ar é mais limpo, “considerados os níveis] de toxicidade e tipos de partículas suspensas, além do grau de penetração no organismo e o tempo de exposição a eles” (DANNI-OLIVEIRA, 2009, p. 121).

A sujeição das populações de baixa renda a ambientes insalubres é, na opinião de Danni-Oliveira (2009, P. 116), fator que contribui decisivamente para a promoção dos riscos e desigualdades sociais, posto que tal circunstância está diretamente relacionada com a má alimentação dessas comunidades, à exposição a adversidades climáticas, a precariedade das moradias, a falta de infraestrutura urbana básica e ao subemprego.

Os pressupostos conceituais do empowerment

O conceito apresentado por Wendhousen (2006, p. 132-133) sobre empowerment (empoderamento) está vinculado à “mobilização social pela luta na busca de maior equidade e pela não marginalização, materializando-se formalmente nas experiências de conselhos de gestão e de controle das políticas públicas”.

Enquanto conceito polissêmico, “o empoderamento vem adquirindo relevância e ocupando espaço nas discussões sociais acerca da participação comunitária no contexto democrático desde suas origens na década de 1970” (WENDHOUSEN, 2006, p. 133), quando surgiu conjuntamente aos movimentos pela luta pela afirmação dos direitos civis nos Estados Unidos.

Dessa forma um dos aspectos fundamentais do empoderamento diz respeito às possibilidades de que a ação local fomente a criação de alianças políticas capazes de ampliar o debate da opressão, no sentido de contextualizá-la e facilitar sua compreensão como fenômeno histórico, estrutural e político, restando associado a formas de democracia participativa, autogestão e movimentos sociais autônomos.

Com o objetivo de contribuir para o ordenamento racional da ocupação do solo, torna-se indispensável o desenvolvimento de políticas públicas específicas, concebidas sistemicamente e que favoreçam o engajamento comunitário. Através da estruturação de conselhos populares de gestão, além da definição dos critérios que nortearão os respectivos planos diretores, os municípios passam a assumir postura democrática contemporânea ao fomentar o empoderamento popular.

Para Barquero apud Wendhausen,

Diferentemente de épocas anteriores, neste novo milênio devemos enfrentar problemas como: a pobreza, a miséria, a exclusão social, a deterioração do meio ambiente e, sobretudo, a habilidade das comunidades de conviverem umas com as outras. Neste contexto, a mobilização social pela luta na busca de maior equidade e pela não marginalização emerge como pano de fundo nas experiências de Conselhos de Gestão e de controle das políticas públicas (WENDHOUSEN, 2006, p. 132).

Depreende-se da lição do autor que o empoderamento se constitui por meio do estímulo às deliberações populares no processo de elaboração dos planos diretores e a realização de audiências públicas, à medida que surgem propostas de implantação de fábricas, siderúrgicas e distritos industriais no município.

Destaco a opinião de Leff (2001, p. 72) que identifica a superexploração dos recursos disponíveis na natureza como o grande desafio hodierno a ser superado pelo socioambientalismo que, segundo observado por Wendhousen (2006, p.133), teria condições de ser superado através da instrumentalização do empoderamento popular como forma alternativa de se trabalhar as problemáticas sociais, estimulando a democracia participativa e a autogestão, visto que

O empoderamento tem assumido significações que se referem ao desenvolvimento de potencialidades, aumento de informação e percepção, com o objetivo de que exista uma participação real e simbólica que possibilite a democracia. Tomado neste sentido, o empoderamento se torna um processo que oferece possibilidades às pessoas de autodeterminar suas próprias vidas, efetivando sua inserção nos processos sociais e políticos, a partir de sua integração na comunidade e da articulação com outras organizações (WENDHOUSEN, 2006, p. 133).

Arremata o autor esclarecendo que o papel do gestor público passa a ser o de viabilizar condições para a instauração e funcionamento das manifestações do empoderamento comunitário, firmando parcerias com os atores sociais engajados, circunstanciando junto ao Estado a responsabilidade pela formulação das políticas de ação e no desenvolvimento de planos para a adequada destinação dos recursos públicos disponíveis para saciar as necessidades populares.

Bases normativas fundamentais para o exercício da cidadania através do empowerment

A partir da vigência da atual Constituição, foram viabilizadas as criações de conselhos comunitários gestores e fóruns sociais, que se constituem em novos espaços participativos para a sociedade discutir seus interesses e experiências acerca dos assuntos que demandam atenção, por assumir caráter de tradutor das necessidades de determinado grupo.

Por viabilizar a aplicação da garantia constitucional interpessoal da liberdade autodeterminativa[1], o empoderamento na abordagem de Wendhousen (2006, p. 134), se apresenta como meio de exercício de gestão responsável em parceria com o poder público, em que cada cidadão assume solidariamente com o Estado a função de influenciar no destino dos recursos públicos e na formulação de políticas que representem a necessidade e a vontade dos cidadãos.

No Brasil a definição legal de meio ambiente encontra-se depositada na lei 6.938/81, que no inciso I de seu artigo 3º, conceitua formalmente o meio ambiente como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Para Barcellos e Barcellos (2004, p. 131) a tomada de decisões em assuntos urbanos frequentemente não considera os efeitos de longo prazo de programas dispendiosos bem intencionados, idealizados para melhorar os locais destinados às moradias urbanas. Assim sendo, para que o processo de discussão do desenvolvimento da cidade se aproxime do ideário democrático social, torna-se imperioso que o planejamento dos sistemas urbanos seja determinado abertamente, oportunizando o empoderamento popular com o consequente envolvimento amplo dos atores comunitários.

Isto posto, a conquista de tais valores atrelados ao conceito de ambiente é fruto de uma progressiva sucessão evolutiva das abordagens ao tema em diversas iniciativas internacionais em sede normativa, sendo que o pertinente registro de Machado aponta que

A Constituição do Estado da Baviera (Alemanha) em seu art. 140, 3 (modificado em 1984), prevê que a fruição da beleza da natureza e a recreação na natureza livre, em particular o acesso aos bosques e às pastagens de montanha, à navegação da água e a apropriação dos frutos selvagens dos bosques, na medida dos usos locais, são garantidas a todos. No exercício deste direito, cada um está obrigado a tratar a natureza e a paisagem com respeito. O Estado e os Municípios são autorizados e obrigados a garantir ao público o acesso às montanhas, aos lagos, aos rios e a outras belezas da paisagem, e em todos os casos, ainda que através de limitação do direito de propriedade, assim como construir caminhos e parques de recreação (MACHADO, 2010, p. 78).

Prosseguindo em sua articulação, Machado (2010, p. 80) se aproxima de Seguín (2006, p. 19) na medida em que ambos compreendem o ambiente natural sendo composto pela fauna, flora, águas, biosfera, ar, solo e a interação dos seres vivos e de seu meio, sendo tutelados globalmente pelo caput do artigo 225 da Constituição Federa, pelo §1º e incisos I, III e VII do referido dispositivo legal.

José Afonso da Silva (2010, p. 44) destaca que apesar de ocorrer redundância semântica na expressão meio ambiente, a mesma guardaria inegável importância em razão do significado do termo em si, posto que deriva da opção adotada pelo legislador nacional na medida em que este buscou reforçar o sentido de pertencimento social que a ideia encerra.

Tal abordagem foi consolidada na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu em seu artigo 225 o direito de todas as pessoas possuírem no Brasil acesso a um ambiente ecologicamente equilibrado. Para tanto, determinou o legislador constituinte a teoria da responsabilidade integrada pela existência, preservação e continuidade de espaços ambientais que, nas palavras de Solange Teles da Silva

O texto constitucional de 1988, ao consagrar em seu artigo 225 o direito de todos a um ambiente ecologicamente equilibrado, também determina que cabe tanto ao Poder Público quanto à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Há a afirmação de um dever genérico de proteção do meio ambiente e de uma responsabilidade ética em relação às gerações presentes e futuras, que são traduzidos por obrigações concretas. Dentre os mecanismos previstos pela Constituição Federal de 1988, para instrumentalizar a proteção ambiental, encontra-se a responsabilização por dano ambiental. O parágrafo 3º do artigo 225 do texto constitucional estabelece que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano causado (SILVA, 2005, p. 113).

Em 1972 quando na Suécia ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, destacou-se que este se determina tanto por sua dimensão natural quanto pela artificial, assim considerados os espaços de existência humana, criados ou previamente modificados, sendo, em ambos os casos essenciais para a promoção do bem estar do homem e para que ele goze de todos os direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida.

O texto final do Princípio 4 arrogado na Conferência, assim articula o conceito de meio ambiente

O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar ponderadamente o patrimônio representado pela flora e pela fauna silvestres, bem como pelo seu habitat, que se encontram atualmente em grave perigo, em virtude da conjugação de diversos fatores. consequentemente, ao se planejar o desenvolvimento econômico, deve atribuir-se uma importância específica à conservação da natureza, aí incluí das a flora e a fauna silvestres (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972, texto digital).

A percepção de responsabilidade pela preservação dos espaços ambientais já se encontra na própria etimologia da palavra ambiente, sendo propositalmente ampla por possibilitar tudo aquilo permite, abriga ou rege a vida, podendo ser classificado e recebendo divisões internas de acordo com as características naturais ou sociais de interesse do homem.

Sendo o Plano Diretor ferramenta de viabilização para o cumprimento da função social da propriedade, o fundamento das regras afetas ao ordenamento territorial não se dá pelo poder de coercitivo do estado, mas pelo exercício da natureza socioambiental da propriedade.

Nessa perspectiva, o planejamento urbano municipal deve obedecer ao princípio da reserva de plano, que garante aos órgãos de planejamento a coordenação institucional necessária para coibir ações irrefletidas de ocupação e utilização dos espaços urbanos.

Apresentando crítica às abordagens tecnológicas, legislativas e comportamentais dos problemas relacionados a uma melhor gestão ambiental das cidades, todas reputadas convencionais por Ioris (2009, p. 389), haveria para ele vínculo entre a construção de uma cidadania mais justa com estratégias inclusivas e que oportunizem a efetiva participação democrática das comunidades nas discussões dos problemas socioambientais.

CONCLUSÕES

Ponderar o uso e destinação do solo urbano de modo a possibilitar a formação de movimentos sociais é, como se pode verificar, favorecer o empoderamento comunitário em torno das discussões que envolvem atividades de alto impacto poluidor e que importam desvalorização fundiária.

Tais atividades estão geralmente localizadas em áreas pobres nas quais a vizinhança tem pouca influência política para impedir suas estruturações, como é o caso da presença de plantas industriais de produtos tóxicos, atividades de risco ou geradoras de ruídos em comunidades periféricas.

Outro aspecto da justiça ambiental é traduzido no cumprimento da função social da propriedade privada, a partir da previsão expressa do conjunto de leis nas esferas internacional, federal, estadual e em âmbito municipal, capazes de legitimar a coordenação entre as políticas governamentais que oportunizem ambientes sadios e, portanto habitáveis, aliado à participação da sociedade civil organizada à medida em que esta assume sua parcela de responsabilidade pela manutenção dos espaços conquistados

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, Paulo Fernando Pinto. BARCELLOS, Luiz Fernando Pinto. Planejamento urbano sob perspectiva sistêmica: considerações sobre a função social da propriedade e a preocupação ambiental. Rev. FAE, Curitiba, v.7, n.1. 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 04 nov. 2012.

CARVALHO, Fabiana G. de; JABLONSKI, André; TEIXEIRA, Elba Calesso. Estudo das partículas totais em suspensão e metais associados em áreas urbanas. Quím. Nova,  São Paulo,  v. 23,  n. 5, Oct.  2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422000000500008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 nov.  2012. Doi:10.1590/S0100-40422000000500008.

CENTRO DE DEFESA DA VIDA E DOS DIREITOS HUMANOS. Relatório 2009-2010. Disponível em: <http://www.suporteadf.com/centro/>. Acesso em: 18 de ago. 2012.

DANNI-OLIVEIRA, Inês Moresco. Poluição do ar como causa de morbidade e mortalidade da população urbana. Ra'ega (UFPR), v. 15, p. 111-124, 2009.

IORIS, Antônio A. R. O que é justiça ambiental. Ambient. soc.,  Campinas,  v. 12,  n. 2, Dec.  2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2009000200012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 nov.  2012.  p. 389-392. Doi: 10.1590/S1414-753X2009000200012.

LODDER, Celsius A. O processo de crescimento urbano no Brasil. Revista Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro. 1977. P. 459 a 476.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano. Estocolmo, 5 de junho de 1972. Disponível em: <https://www.onu.org.br>. Acesso em: 18 de ago. 2012.

SEGUIN, Elida. Direito Ambiental: nossa casa planetária. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

WENDHAUSEN, Águeda L. P.; BARBOSA, Tatiane M.; BORBA, Maria Clara de. Empoderamento e recursos para a participação em conselhos gestores. Saude soc.,  São Paulo,  v. 15,  n. 3, Dec.  2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902006000300011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 25 out. 2012. Doi: 10.1590/S0104-12902006000300011.


[1] O caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.