Inicialmente, destaca-se que o retorno da aplicação da execução provisória da pena, nos dias atuais, pelos tribunais superiores, é motivo de acaloradas discussões tanto na esfera doutrinária quanto na esfera jurisprudencial, o que torna premente que se compreenda um pouco mais sobre o conteúdo da execução provisória, em que momento ela ocorre e como tal se dá.

No histórico do ordenamento jurídico brasileiro a antecipação da execução penal já foi prevista em lei. E foi com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que se impôs a impossibilidade de se aplicar a execução da pena, no caso concreto, antes de sentença condenatória transitada em julgada.    

Anteriormente, o Código de Processo Penal ( Decreto - Lei nº 3.689/41 - CPP) na sua versão original trazia a possibilidade da prisão do condenado como efeito imediato da sentença condenatória recorrível ou de pronúncia, ou seja, ocorria a execução provisória da pena, mesmo havendo a possibilidade de impetração de recurso a sentença proferida. Exemplo disso, é o art. 594 do CPP (Art. 594, CPP, apud BRASIL. Código de Processo Penal) revogado: “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime que se livre solto”.

A Lei de Execução Penal no seu art. 2º, parágrafo único: “Esta lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária”. Também é um dispositivo que visa à aplicação da execução provisória da pena.

Deste modo, o réu provisório configura aquele indivíduo que foi condenado em primeira instância por meio de sentença penal e que, insatisfeito com o decisum, buscou o reexame da sentença com o objetivo de absolver ou diminuir a pena aplicada, por meio de recursos impetrados aos Tribunais.

Outro dispositivo que trabalha a temática em questão é a Súmula 267 do STJ (BRASIL. Súmula 267, STJ), que garante: “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandato de prisão”. Tal permite concluir que mesmo que o réu tenha respondido ao processo todo em liberdade, após a análise em segunda instância, impunha-se ao réu a prisão como efeito automático da decisão condenatória proferido em 2ª instância. Posicionamento este que ficou em vigor até o ano de 2009, conforme o seguinte julgado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO EXCEPCIONAL. EFEITO DEVOLUTIVO. I - Contra a r. decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, cabem, tão-somente, em princípio, recursos de natureza extraordinária – apelos especial e extraordinário – sem efeito suspensivo (art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90), razão pela qual se afigura legítima a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da respectiva condenação (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ/Súmula nº 267-STJ). II - "A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a pendência do recurso especial ou extraordinário não impede a execução imediata da pena, considerando que eles não têm efeito suspensivo, são excepcionais, sem que isso implique em ofensa ao princípio da presunção da inocência." (HC 90.645/PE, Primeira Turma, Rel. p/ acórdão Min. Menezes Direito, DJU de 14/11/2007). Writ parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado. Liminar cassada.(STJ - HC: 108362 SP 2008/0127790-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 27/11/2008, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação:  --> DJe 09/02/2009)           

A partir de 2009, o STF mudou o posicionamento da jurisprudência e passou a entender a aplicação da execução provisória da pena como um dispositivo que viola o princípio da presunção da inocência e que deve ser utilizada apenas nos casos previstos em lei, com base no art. 283 do CPP. Conforme os ditames do autor Renato Lima (2014, p.956), a Excelsa corte passou a concluir:

Os preceitos veiculados pela lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, arts. 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (art.5º, LVII), sobrepõem-se, temporal e material, ao disposto no art. 637 do CPP. [...] Enfatizou-se que a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implicaria, também, restrição do direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de se elidir essa pretensão.(LIMA, 2014, p. 956)

Observa-se, então que a partir de 2009 voltou-se a entender que a execução provisória da pena é uma medida jurídica inconstitucional, uma vez que viola o princípio da presunção da inocência, o qual garante que ninguém será privado de liberdade até a sentença condenatória transitada em julgado, que se faz valer pela Constituição Federal, bem como pelo Código de Processo Penal.

2.2 A execução da pena e os princípios constitucionais correlatos

A Constituição Federal de 1988 traz inúmeros princípios concernentes aos direitos fundamentais individuais do cidadão, de modo a garantir que a liberdade, dignidade e segurança dos indivíduos sejam garantidas de maneira plena. Assim, ao se analisar a antecipação da execução penal, percebe-se que existem alguns princípios constitucionais e infraconstitucionais que criam uma barreira quanto à sua funcionalidade dentro do caso concreto.

A análise dos direitos fundamentais envolvidos na questão em análise se faz importante, visto que os princípios constitucionais funcionam como norteadores do Poder Estatal, de forma a garantir fundamentos a serem seguidos, garantindo o bem coletivo bem como os direitos individuais de cada cidadão.

Conforme posicionamento do autor Ronald Dworkin, os princípios são ferramentas do ordenamento jurídico tanto quanto as leis que o compõem, que servem como norteadores dos direitos a serem discutidos dentro de um caso concreto. Os princípios são utilizados para garantir que dentro do litígio, seja realizado o sopesamento dos direitos fundamentais envolvidos. Para que ambos os lados possam ter seus direitos básicos preservados e que o próprio judiciário possa exercer de maneira justa a análise de conflitos de direitos/princípios. Destaca-se posicionamento do autor Felipe Sousa (2011, p. 97):

A tese que Dworkin propõe para refutar essa situação é que um sistema jurídico é constituído não somente por regras, como defende o positivismo de Hart , mas também por princípios. Dessa forma, um juiz, quando se depara com a situação de não haver regra aplicável ao caso concreto ou de a regra aplicável estar indeterminada (casos difíceis), não deve tomar uma decisão são completamente discricionária, pois tem o dever de tomar tal decisão a partir da aplicação rigorosa dos princípios jurídicos. (SOUZA, 2011, p.97)

É através do método da interpretação e sopesamento, que Dworkin, acredita que seja possível, no caso concreto, verificar qual direito fundamental deve prevalecer na colisão e qual deve receber restrição. O que permite assim que o juiz ao analisar o caso concreto verifique quais dos princípios tem maior peso, dentro da compreensão daquele caso em discussão. E assim traçar uma ponderação entre os mesmos.

Ainda sobre a teoria de Dworkin (Dworkin apud SOUZA, 2011) conforme entendimento do autor Felipe Amaral, um mesmo princípio a depender do caso concreto, pode em determinada situação ter um peso maior e em outra situação o seu peso seja inferior. Diferentemente das regras, uma regra só poderá deixar de aplicada se for considerada inválida. Como expõem (Felipe Amaral ano [?], p. 5 apud Humberto Ávila, 2005, p. 28)

(...) A finalidade do estudo de Dworkin foi fazer um ataque geral ao Positivismo (general attack on Positivism), sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitido pela aplicação do que ele viria a definir como princípios (principles). Para ele as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios.21 Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (dimension of weight), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade. Nessa direção, a distinção elaborada por Dworkin não consiste numa distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em critérios classificatórios, em vez de comparativos, como afirma Robert Alexy. A distinção por ele proposta difere das anteriores porque se baseia, mais intensamente, no modo de aplicação e no relacionamento normativo, estremando as duas espécies normativas. (AMARAL, Felipe ano [?], p. 5 apud Humberto Ávila, 2005, p. 28)

Conforme obra do autor Luã Jung (2014), Dworkin ao se deparar com conflitos de direitos/princípios, defende a ideia da interpretação construtiva, bem como a implantação do método da adequação dentro do caso concreto. A interpretação construtiva, no posicionamento de Dworkin, o interpréte deve trazer o objeto de estudo para sua realidade e a partir daí, tentar extrair o melhor significado daquela análise. Entretanto, essa interpretação não pode ser discricionária, sendo importante que se verifique o contexto, os elementos em que aquele caso se desenvolve e a partir disso, pode-se extrair uma ponderação de qual melhor princípio/direito deve prevalecer dentro do caso concreto. Como dispõem (JUNG, 2014, p. 10):

[...] Também existem propriedades que constituem uma dimensão rígida, por assim dizer, que limita o intérprete na atribuição de sentido. Como se verá adiante, a isso Dworkin chama de dimensões de “ajuste” ou “adequação” e “substância” ou “justificação”. Em síntese, elas conduzem o intérprete a estabelecer uma interpretação que se adapte aos traços fundamentais do objeto ao mesmo tempo em que o mostre de acordo com os melhores padrões de análise que pertençam ao contexto em que se interpreta. (JUNG, 2014, p. 10)

Ainda sobre princípios de Dworkin, destaca-se a análise exposta pela autora Isabela Maia (2013, p.203):

Para Dworkin (2005), as regras seriam aplicadas segundo um modelo de “tudo ou nada” (All or nothing). Os princípios, de forma distinta das regras, possuiriam uma “dimensão de peso” (dimension of weight), que seria plenamente perceptível quando ficássemos diante de uma colisão entre princípios, em que um princípio que tivesse um peso maior seria sobreposto a outro princípio, sem que o de menor peso perdesse a sua validade. (MAIA, 2013, p.203)

Dessa maneira, dentro da aplicação da execução provisória da pena, pode-se verificar que existem vários conflitos entre direitos fundamentais dos indivíduos x sociedade, garantidos pela Constituição Federal. O que faz necessário assim, compreender um pouco mais sobre eles e qual sua força dentro dos conflitos existentes.

Um dos principais princípios que norteiam todo o ordenamento jurídico é o princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo este a base para todos os outros princípios fundamentais que fomentam a Constituição Federal, tendo previsão  no art. 1º, inciso III CF. Este princípio visa preservar totalmente a integridade do indivíduo, demonstrando que primordialmente deve-se prevalecer a condição mínima de dignidade do cidadão que envolve as condições básicas de liberdade, igualdade, cidadania, saúde, educação e lazer. E após discute-se os demais direitos fundamentais. Conforme salienta Bernardo Fernandes (2012, p. 298):

[...]