EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER:

O procedimento e as técnicas processuais executivas[1]

 

Ana Vanessa Vieira Fernandes[2]

Christian Barros Pinto[3]

1 DESCRIÇÃO DO CASO

A história perpassa em torno de Astrolábio, pessoa física, residente e domiciliado no Estado de Santa Felicidade do Norte, que ajuizou ação de cumprimento de obrigação de fazer infungível, em desfavor de Estrelino, pessoa física, residente e domiciliado no Estado de Terralândia Azul. Tal ação fora distribuída à Segunda Vara –correspondente ao primeiro juízo –, esta, por sua vez, após regular trâmite, julgou improcedente o pedido.

Descontente com a referida decisão, Astrolábio interpôs recurso, distribuído à Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça – equivalente à segunda instância, órgão colegiado do Poder Judiciário –, o que resultou na condenação da ré para a satisfação da obrigação inadimplida.  Ainda houve a interposição de embargos infringentes; todavia, os mesmos foram desprovidos, dando margem ao manejo de recurso para o Superior Tribunal de Justiça que negou seguimento àquele tendo por base a intempestividade.

Diante desse quadro, não houve mais recursos e, o juízo com a competência executiva, estipulou o prazo de trinta dias para a satisfação voluntária da obrigação de fazer.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

            A priori, Astrolábio perquiriu o cumprimento de obrigação de fazer infungível, esta se configura quando não pode ser satisfeita por terceiro, ou seja, ela pressupõe a execução por pessoa específica, o devedor. Sendo assim, considera não apenas a prestação como a pessoa a adimpli-la[4].  Deve ser ressaltado que tais obrigações infungíveis não são passíveis da técnica da sub-rogação, na qual o magistrado sub-roga-se na posição do devedor[5].

            Faz-se necessária a observância de discernir se se trata de execução com base em título executivo judicial ou extrajudicial, pois os ditames legais a serem seguidos modificam conforme essa classificação. No caso em questão, fica evidente se tratar de execução de cumprimento cujo alicerce é título judicial, já que aborda “sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer” (art. 475-N, I, CPC). Por conseguinte, “tratando-se de execução fundada em título judicial, será ela mero prolongamento do mesmo processo em que a condenação foi proferida”[6].

            Sendo assim, ao se falar em execução de título judicial que comporta uma obrigação específica, a de fazer, como no caso posto em cheque, “a efetivação da sentença é imediatamente feita pelo órgão prolator da decisão, ou seja, não há cisão da competência, e, por isso, o mesmo juízo formula e vincula a norma jurídica concreta”[7]. Logo, a competência é do mesmo foro onde tramitou o processo cognitivo, a Segunda Vara da Comarca competente, como bem predispõe o art. 475-P, II, do Código de Processo Civil Pátrio, “O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição”. Mesmo que esta tenha considerado improcedente o pedido de execução forçada[8].

            O parêntese que se abre é para definir qual o lugar da Segunda Vara, se seria o domicílio de Astrolábio ou Estrelino. Consoante o art. 100, III, alínea “d”, o foro competente é “onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento”. Todavia, pela ausência de dados que explicitam o local onde a obrigação deve ser satisfeita, pode-se dar primazia pelo art. 94, CPC, pelo qual opta, em regra, pelo foro do domicílio do réu, quando a ação tem por base direito pessoal ou real sobre bens móveis. O que vem a casar com o princípio da menor onerosidade consagrado pelo Código vigente, no qual, o magistrado ao cobrar deve optar pela forma menos onerosa, ou seja, qualquer opção que seja escolhida pelo Estado deve ele satisfazer a máxima efetividade e a menor onerosidade. Em harmonia com o mencionado pensamento está Pozza, quando este vem a dizer que “deve ser feita da forma menos gravosa para o devedor, pois a necessidade de deprecar os atos executórios implica retardo injustificável na satisfação do credor, assim como maiores ônus ao devedor”[9].

            No que se refere à competência para fixação do prazo para satisfação voluntária da obrigação nas execuções de fazer, esta é do Tribunal, tendo em vista que o mesmo é quem modifica a sentença, sendo incumbido ao juiz singular fazer a execução.

Quanto à imutabilidade do conteúdo da sentença transitada em julgado nas execuções específicas há discussão se tais execuções geram coisa julgada ou não. Abelha diz não haver, pois,

como o fim da execução é marcado por um provimento que nada julga em relação ao conflito de interesses – apenas certifica a satisfação (ou não) do crédito, pondo fim na relação jurídica processual executiva –, não há razão para se lhe imprimir a autoridade da coisa julgada”[10].

Em contrapartida, Didier afirma haver a produção de coisa julgada, já que há “decisão de mérito fundada em cognição exauriente, apta, (...), a, após o trânsito em julgado, ficar imune com coisa julgada material”[11]. O autor, dentre os variados exemplos, traz a tona o caso da execução extinta por pagamento, o que impede de o exequente demandar de novo, demonstrando que seria o caso de produção de coisa julgada. Vale ressaltar que, a multa, cuja finalidade é o constrangimento do obrigado a satisfazer a obrigação espontaneamente, não transita em julgado, tendo em vista que está presente no capítulo final da sentença, logo, parte dispositiva. Sendo assim, pode haver mudança de acordo com a periodicidade da mesma, podendo ser aumentada, minorada etc.

Concernente à posição do juiz dentro do processo executivo, o art. 461, § 5

º, CPC, é o marco entre a concepção originária do Código e o modelo sincrético. No hodierno, “suprimiu-se a autonomia formal do processo cautelar incidental e dos processos de execução dos títulos judiciais, permitindo que tais tutelas sejam prestadas, (...) dentro do processo principal e em uma fase subsequente à revelação da norma concreta”[12]. O artigo supracitado permite ao juiz agir de ofício, para além de proferir a sentença, impor medidas sem provocação, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva.

A situação atual, (...) revela uma tendência de ampliação dos poderes executivos do magistrado, criando-se uma espécie de poder geral de efetivação, que permitiria ao magistrado valer-se dos meios executivos que reputar mais adequados ao caso concreto.[13]

É o que trata o princípio da tipicidade dos meios executivos, pelo qual o juiz tem a liberdade de escolher entre as diversas formas que lhe são apresentadas, bem como pode variar técnica, aplicando a que melhor cabe ao caso concreto. Ainda que tenha a previsão legal, ela não é exauriente, apenas dá margem de escolha para tomar melhor caminho.

Por último, têm-se três soluções possíveis: o cumprimento da obrigação específica, a conversão da obrigação de fazer em obrigação de pagar quantia certa e obtenção de resultado prático correspondente. Na primeira situação, Estrelino cumpre a obrigação voluntariamente dentro do prazo de trinta dias, extinguindo o processo.

O segundo desfecho possível, conversão em perdas e danos, se dá somente se o autor requerer ou caso seja impossível a tutela específica, como predispõe o artigo 461, § 1º, CPC. O que demonstra o caráter subsidiário ou opcional da tutela genérica em face da específica. É importante frisar que, Astrolábio ajuizou ação de cumprimento de obrigação de fazer infungível, portanto, “toda vez que um específico fazer repousar nas qualidades que reúne determinada pessoa, é impossível a obtenção forçada da obrigação, pelo que ela deverá ser convertida em perdas e danos”[14].

A terceira saída é o resultado prático equivalente que vem a mitigar o princípio da congruência, ou seja, agir de modo diverso, mas tendo o mesmo resultado prático. Como supracitado anteriormente, versou-se sobre obrigação de fazer infungível, mas, mesmo nessa situação, há a possibilidade do resultado equivalente, mecanismos que possam substituir a conduta, que deveria ser voluntária, do devedor[15]. 

Referências

 

ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 4 ed., ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 226.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. 14 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Esboço de uma teoria da execução civil. Disponível em: < http://www.didiersodrerosa.com.br/artigos/Fredie%20Didier%20Jr.%20-%20Esbo%E7o%20de%20uma%20teoria%20da%20execu%E7%E3o%20civil.pdf>. Acesso em: 11 abril 2012

_________. Curso de Direito Processual Civil – Execução. Vol. 5. 4 ed. Atual. Salvador: Juspodivm, 2012.

POZZA, Pedro. A nova execução: comentários à lei no 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Forense, 2006.



[1] Case apresentado à disciplina de Processo de Execução, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 7° período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor Mestre, orientador.

[4] ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 4 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, p. 226.

[5] DIDIER JUNIOR, Fredie. Esboço de uma teoria da execução civil. Disponível em: < http://www.didiersodrerosa.com.br/artigos/Fredie%20Didier%20Jr.%20-%20Esbo%E7o%20de%20uma%20teoria%20da%20execu%E7%E3o%20civil.pdf>. Acesso em: 11 abril 2012. p. 10.

[6]  CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. II. 14 ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 264-265.

[7] ABELHA, Op. Cit. p. 159.

[8] DIDIER, et. al. Curso de Direito Processual Civil – Execução. Vol. 5. 4 ed. atual. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 224

[9] POZZA, Pedro. A nova execução: comentários à lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005. Rio de Janeiro: Foresente, 2006. p. 219.

[10] ABELHA, Op. Cit. p. 215.

[11] DIDIER JUNIOR, Fredie. Esboço de uma teoria da execução civil. p. 9

[12] ABELHA, Op. Cit. p. 21

[13] DIDIER JUNIOR, Fredie. Esboço de uma teoria da execução civil. p. 17-18

[14] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. 4 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 478

[15] CÂMARA, op. cit. p. 267