Execução de Alimentos pelo rito da coerção pessoal

Laura Affonso da Costa Levy[1]

SUMÁRIO

1. Alimentos e efetividade processual. 2. A efetividade da ordem jurídica. 3. Limites da execução alimentar por coerção pessoal. 4. Meios de execução. 5. Da prisão pernoite. 6. Recurso cabível. 7. Despacho fundamentado. 8. Prazo de prisão. 9. Regime de pena. 10. Suspensão e revogação da pena. 11. Os alimentos no cumprimento da sentença (Lei 11.232/05). 12. Referências Bibliográficas.

1. Alimentos e efetividade processual

No campo de ação do direito de família mostram-se, sobremaneira, sensíveis as reivindicações judiciais por um processo com tramitação eficiente, capaz de responder com rapidez as angústias pessoais, causa freqüente de abalos e desgastes pelo inclemente influxo do tempo, especialmente quando se trata de buscar o alimento necessário à vida.

Portanto, quando a justiça é lenta e tarda a realizar o bem da vida postulado e não se mostra nada eficaz, ela presta um desserviço ao jurisdicionado que precisa do seu crédito alimentar para garantir sua própria sobrevivência. É direito fundamental de sua existência, garantir a vida e vida digna, sem sofrer com morosa e ineficiente execução alimentar, que só retarda ou inviabiliza a realização do sagrado direito aos alimentos.

A exagerada demora de um processo, bem como as indevidas dilações provocadas no claro propósito de manejo do tempo do processo, e desafiando a fome e a paciência do credor dos alimentos com o uso excessivo e abusivo de inconsistentes defesas, são instrumentos que conspiram contra a democrática ordem jurídica e comprometem a confiança e o retorno que o jurisdicionado espera do Judiciário.

A execução de alimentos é, com efeito, uma mostra viva e pungente do que deveria ser um tempo de tramitação processual para a concessão final da prestação jurisdicional. Todavia, muitas vezes essa mesma execução segue atrelada ao triste prenúncio de não conseguir retirar o credor de alimentos do verdadeiro calvário pelo qual transita.

2. A efetividade da ordem jurídica

As ações que buscam alcançar os alimentos deveriam proporcionar ao titular da demanda o resultado prático de seu título de crédito, título que pode ter origem judicial em uma sentença, de um acordo de alimentos ou contratual, quando os alimentos decorrem de contrato ou de legado, como previsto neste último caso pelo art. 1.920 do Código Civil.

Maculado por vícios que dificultam e até impedem o normal desenrolar do processo, estes corriqueiros entraves aliados aos ressentimentos que remanescem nas relações familiares, estimulam a inadimplência, e por seu turno, instigam o pensador jurídico a seguir na busca contínua de novas soluções capazes de conferir efetiva execução.

Mas não existirá efetividade na tutela jurídica alimentar se a preocupação processual continuar direcionada ao devedor de alimentos em detrimento do credor da pensão, pois como bem adverte Araken de Assis[2], a crise pela qual passa o processo executivo tem sua gênese em diversas matizes de ordem sociológica e econômica, já não mais existindo máculas contra o devedor, que não precisa quitar sua dívida, mas ter só o cuidado de pagar em dia suas prestações para ter acesso ao novo crédito. Outra realidade observada por Araken de Assis, são os depósitos anônimos, promovidos em paraísos fiscais, que substituíram o lastro patrimonial, antes constituído por bens de raiz, nada sobrando para garantir as dívidas judiciais. Em prol do devedor e detrimento do credo e em nome da dignidade mínima é protegida a moradia, com exceções do débito alimentar e do depositário infiel. A lei também proíbe qualquer movimento processual que busque restringir a liberdade de locomoção do devedor, criando, a fértil jurisprudência, toda sorte de salvaguardas de manter livre o devedor de alimentos.

Enfim, já não bastassem todas essas variações econômico-finaceiras e sociais, que contribuem negativamente para a efetividade da busca alimentar, a constrição pessoal foi ainda reduzida à cobrança das três últimas prestações, ou seja, as parcelas recentes, como sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça ao editar o enunciado 309[3], sujeitando as prestações posteriores aos três últimos meses ao rito da coerção patrimonial.

3. Limites da execução alimentar por coerção pessoal

O meio executório da coerção pessoal tem previsão expressa no artigo 733 do CPC, e seu parágrafo primeiro autoriza a pena de prisão pelo prazo de um a três meses, se o devedor de alimentos provisionais, fixados em sentença ou decisão, não pagar a sua dívida alimentar em três dias, ou se nesse espaço de tempo o devedor não provar que já efetuou o pagamento ou justificar a sua impossibilidade de efetua-lo.

A coação física enfatiza a pressão psicológica da ameaça de prisão do devedor, sendo, portanto, meio de coerção e não uma pena civil, equiparável a uma sanção penal. Tanto que, paga a dívida alimentar desaparece o motivo da segregação corporal, haja vista ser dívida para com o credor alimentar e não para com a sociedade.

A prisão comporta apenas os alimentos legais ou legítimos, pertencentes ao Direito de Família, sendo impensável a coerção pessoal por débito alimentar provenientes de alimentos indenizatórios da responsabilidade civil, e também dos alimentos voluntários, do Direito das Obrigações ou legado de alimentos do Direito Sucessório. Do mesmo modo não há que se falar em prisão por débito de alimentos oriundos da entrega de parte da renda líquida dos bens conjugais, quando se tratar de casamento pelo regime da comunhão universal de bens (parágrafo único do art. 4º da Lei n.º 5.478/68).

Constitui-se ilegal a prisão civil de devedor de alimentos que não tenha a sua titulação atrelada ao Direito de Família, e cujo vínculo não decorra do casamento, da união estável ou do parentesco civil (art. 1.694 do CC), não havendo como estender a ordem de prisão por créditos alimentícios escorado nas demais espécies legais de alimentos.

4. Meios de execução

Para garantir o cumprimento da obrigação pelo devedor alimentar, pode o credor optar pela prisão civil do executado, mas convém que o faça apenas se o devedor não vdispuser dos meios considerados menos gravosos (art. 620 do CPC), como o desconto em folha de pagamento, ou a cobrança dos alimentos pela expropriação de aluguéis ou de rendimentos percebidos pelo devedor.

Não dispondo destes meios, teria ainda a opção da execução por quantia certa, com a constrição de bens pessoais do devedor, para só diante da inviabilidade de qualquer dessas modalidades executivas menos gravosas para o devedor, ser requerido ao juiz a citação do devedor para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a sua impossibilidade de efetua-lo, sob pena de prisão.

Em realidade, o credor não está obrigado a experimentar primeiro, os meios executórios menos gravosos, pois em princípio é dele a escolha de uma das trilhas executivas disponibilizadas pela lei processual, muito embora o artigo 17 da Lei n.º 5.478/68 imponha certa gradação na escolha dos ritos, tanto que este dispositivo sugere o recurso da constrição pessoal apenas quando não for possível a efetivação da cobrança por desconto em folha, ou quando não for igualmente viável a cobrança de alugueres de prédio ou de quaisquer outros rendimentos do devedor, e que possam ser recebidos diretamente pelo alimentado.

De fato seria desnecessário coagir o pagamento dos alimentos com a ameaça de cercear a liberdade do alimentante se fosse possível receber de modo direto este crédito alimentar, por desconto em folha ou pela pontual interceptação de eventuais créditos percebidos pelo alimentante.

Todavia, o temor da prisão por débito de alimentos traz ínsito, poderoso poder de persuasão, que não é encontrado com a mesma eficácia na tutela executiva a ser prestada pela execução por quantia certa, cujo caminho se apresenta muito mais complexo e muito menos eficaz, o que justifica a livre escolha do credor, deste meio executivo diferenciado.

Não aceita a jurisprudência do STJ o expediente da cumulação de execuções sob coação física, quando já proposta a ação executiva que abrange as prestações que se vencerem no curso do tramite processual, por ser inviável cumular um decreto de prisão para cada três prestações impagas, quando a demanda já abarca todas as prestações alimentícias vencidas no decorrer da tramitação, incluindo o prazo de prisão estabelecido no decreto judicial.[4]

Esta é a interpretação sistemática dos artigos 290 e 733 do Código de Processo Civil, ao estabelecer os primeiros destes dispositivos que, prestações periódicas, vencidas no curso do processo estão automaticamente incluídas na cobrança, além das três prestações vencidas antes do ajuizamento da execução, de sorte que o decreto de prisão pela inescusada inadimplência do devedor incluirá todas as obrigações vencidas até o cumprimento do prazo de prisão fixado no decreto prisional.

Portanto, se o desenrolar processual demorar um ano, devido à morosidade, sendo, ao fim, decretada a prisão do devedor alimentar por 60 dias, essa execução cobrará as três prestações vencidas antes do ajuizamento do feito, mais doze prestações vencidas durante a tramitação do processo e outras duas prestações vencidas durante o cumprimento da prisão, totalizando dezessete meses de alimentos impagos e por cujo débito não poderá ser renovada a ordem de prisão. E, se for considerado que não foram localizados bens passíveis para penhora ou recursos financeiros que permitissem o desconto em folha ou sobre alugueres e rendas percebidas pelo devedor, essa execução seguirá sem conclusão.

É incompreensível a proteção que se dá sob o devedor de alimentos em nosso ordenamento jurídico, que garante alarmantes números de inadimplência alimentar, justamente causado pela perda do temor da prisão civil.

Proteção essa, que começa no atual Código Civil que reduziu de cinco para dois anos a prescrição para a cobrança dos alimentos pretéritos e não liquidados[5]. Posteriormente, foi editado o verbete 309 do STJ, a consagrar a prática dos tribunais, de só reconhecer presente a natureza alimentar nas três últimas prestações alimentícias vencidas antes do ajuizamento da execução, forçando a cobrança dos demais alimentos pela coerção patrimonial. Outro exemplo foi o de limitar a prisão por débito alimentar ao máximo de 60 dias, e com o direito ao regime aberto, no qual o devedor relapso apenas pernoita no albergue penal e fica livre durante o dia para o exercício de seu trabalho.

Portanto, a segregação pessoal não mais se mostra tão persuasiva como foi no passado, e o devedor de alimentos se conforma em ficar albergado para não ter de pagar alimentos atrasados, porque não pode ou porque não quer pagá-los.

Acaso se trate de devedor ressentido pela ruptura de seu relacionamento, terá em seu favor um forte componente subjetivo de vingança, por fazer faltar a comida na casa de quem o abandonou por desamor.

5. Da prisão pernoite

Para maior descrédito do credor dos alimentos, no confronto entre a liberdade e o direito alimentar, entendido o direito à digna vida, mais uma vez o alimentante relapso sai privilegiado neste embate de forças e que traz à baila valores jurídicos fundamentais. Isto porque entre a função de alimentar e a liberdade do devedor de alimentos, transparece melhor protegido o executado, que viu reduzido o seu tempo de permanência na prisão, e, invariavelmente favorecido pelo regime aberto, para cumprir sua prisão à noite e nos dias em que não houver trabalho ou outra atividade a ser exercida pelo albergado[6], pois goza do direito de seguir trabalhando para poder pagar a pensão que já não pagava.

Ainda, o cumprimento da prisão o livra de ser preso uma segunda vez pela mesma dívida, dando refúgio ao decreto judicial que o condenou à prisão dos três meses anteriores ao ajuizamento da execução (Súmula 309 do STJ); todas as prestações que se vencerem no curso da execução (art. 290 do CPC) e mais as prestações vencidas no período da prisão (habeas corpus n.º 39.902 – MG do STJ).

Dessa forma, se o executado não possui bens em seu nome, sessenta (60) dias como tempo máximo de prisão, para pernoite e nos finais de semana, aglomerando vários meses de prestações impagas, acumuladas pela lentidão do processo de execução, motivam os devedores a optarem por sua segregação pessoal ao invés de promover o pagamento da dívida alimentar.

Perdeu, o instituto dos alimentos, sua força coativa, tão essencial à subsistência do alimentando, pela valiosa persuasão que convencia ao pagamento pela coação pessoal.

6. Recurso cabível

É interlocutória a decisão que decreta a prisão do devedor de alimentos e, portanto, desafia o agravo de instrumento, por se tratar de decisão suscetível de causar à parte, lesão grave e de difícil reparação, conforme artigo 558 do CPC, (Lei n.º 11.182/05) combinado com o § 2º do artigo 19, da Lei n.º 5.478/68.

De acordo, ainda, com o artigo 19, § 3º da lei alimentar, o agravo de instrumento não suspende a execução da ordem de prisão, contudo, o artigo 558 do CPC se contrapõe ao § 3º da referida lei, ao conferir ao relator do recurso a faculdade de, a requerimento do agravante na hipótese de prisão civil, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

Esse dispositivo é claro ao mostrar que a liminar de suspensão do cumprimento da ordem de prisão decretada não se opera de ofício, mas sim pelo expresso requerimento do agravante.

O decreto de prisão por dívida alimentar também desafia o habeas corpus, cujo remédio constitucional tem assento no art. 5º, LXVIII, e só examina questões de Direito e não de fato, sendo menos amplo que o agravo de instrumento, justamente porque o agravo admite matéria de fato e também de Direito.

O habeas corpus é, em realidade, instrumento contra qualquer prisão ilegal ou abusiva, cível ou criminal, não importando a origem da coação, constituindo-se em recurso eficaz para garantir a liberdade, tanto que, se pelo artigo 19, § 3º, da Lei de Alimentos inexiste efeito suspensivo ao agravo interposto contra o decreto de segregação física, só o recurso do habeas resta como eficiente instrumento para assegurar a liberdade do devedor de alimentos.

No entanto, como já visto, o artigo 558 do CPC confere ao agravo de instrumento a faculdade de o juiz suspender a ordem de prisão e demonstrar a maior abrangência do agravo, que permite sustar o liminar decreto de prisão por dívida alimentar. Em contrapartida, a demora na tramitação do agravo de instrumento, quando negada a liminar, justifica o uso eventual do recurso do habeas corpus, sob pena de a demora na tramitação do agravo absorver o tempo ordenado de prisão. Ante tal possibilidade, por denegada a liminar no agravo de instrumento, teria trânsito o remédio heróico do habeas, embora como atuação jurisdicional restrita ao aspecto formal da ilegalidade ou abuso da prisão, como, por exemplo, quando inclui verbas estranhas ao débito de alimentos, ou quando acrescenta na conta custas e honorários advocatícios ou se ordenada a prisão por dívida superior aos três meses anteriores ao ajuizamento da execução, contrariando a Súmula 309 do STJ.

O remédio maior do habeas não se presta ao exame de questões de mérito que demandem dilação probatória, como pesquisa da capacidade financeira do alimentante, entre outras razões de mérito, como a discussão sobre a revisão dos alimentos[7] ou o excesso na fixação dos alimentos ou a transmissão sucessória da obrigação.

Também comporta o habeas corpus o exame da ilegalidade da prisão decretada por dívida alimentar proveniente de legado de alimentos, de obrigação contratual, os alimentos indenizatórios e da antecipação das renas líquidas dos bens comuns, nos casamentos do regime da comunhão universal de bens (parágrafo único do art. 4º da Lei n.º 5.478/68).

Obtida liminar de suspensão da prisão no agravo de instrumento, a decisão sobre o mérito certamente tramitará mais lentamente do que o habeas corpus, atrasando a eventual quitação da dívida alimentar.

Por fim, a Lei de Alimentos não informa qual seria o recurso cabível contra o despacho que nega a prisão, que é o agravo de instrumento, conforme preceitua o artigo 27 da Lei n.º 5.478/68, quando manda aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil.

7. Despacho Fundamentado

A prisão civil por dívida de alimentos está textualmente autorizada pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXVII, sempre que houver inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. A prisão, todavia, dever ser fundamentada, como de regra devem ser fundamentadas todas as decisões judiciais, ainda que de modo conciso (art. 165 do CPC), sob pena de nulidade de decreto de prisão, pois o juiz deverá afastar a impugnação apresentada pelo executado na execução sob coação pessoal, considerando que a segregação corporal só poderá ser ordenada se o devedor, ao deixar de pagar os alimentos, não se escusou justificada e adequadamente, sendo tarefa indeclinável do julgador fundamentar a ordem de prisão.

Fundamentar o afastamento da justificativa é obrigação indeclinável e direito fundamental inerente ao devido processo legal, porque a decisão sem fundamento é causa de prisão ilegal e desafia o recurso do habeas, haja vista que a motivação da decisão afasta o risco do arbítrio e da parcialidade do decisor, cometendo também ao julgador decidir sobre os pressupostos de legitimidade dos artigos 295 e 301 do CPC, mesmo que o devedor seja rival na execução.

Justificada a prisão, não há nova intimação do executado para pagar, nem prevê a lei que deva o juiz mandar conceder novo prazo ao devedor, pois o único prazo que a lei prevê é aquele previsto no caput do artigo 733 do CPC, devendo ser expedido, de imediato, o mandado de prisão do devedor que só se livra se pagar a dívida alimentar (§ 3º do art. 733, do CPC), muito embora o credor possa desistir de toda a ação de execução ou de parte dela, ou se quiser também poderá conceder mais prazo para o pagamento (art. 569 do CPC).

No entanto, se não decretada a prisão ou mesmo se o devedor preferir cumprir a ordem de segregação pessoal, ainda assim não está livre e tampouco escusado de quitar a dívida alimentícia que resultou na sua prisão, apenas que não poderá ser novamente preso pela mesma dívida e pelo mesmo período, sendo ônus do credor pesquisar bens do executado, capazes de autorizar a conversão do rito da coerção pessoal pelo da execução por quantia certa, com coerção patrimonial.

8. Prazo de prisão

Não é tranqüila a doutrina no tocante ao prazo máximo de prisão por dívida alimentar, havendo dois colidentes dispositivos que, embora contraditórios, parecem expressar a pacífica coexistência de dois diferentes prazos de prisão.

Pelo caput do artigo 19 da Lei de Alimentos, a prisão do devedor de alimentos na execução de sentença ou de acordo pode ser decretada por até 60 dias, ao passo que, pelo § 1º do art. 733 do CPC, o prazo máximo da pena de prisão também na execução de sentença ou de decisão que fixa os alimentos provisionais é de três meses.

Apenas como ponto de referência, aparentemente, a execução por via da coerção patrimonial só teria efeito e trânsito jurídico quando cobrasse alimentos arbitrados em sentença condenatória, quer exarada em separação judicial, em demanda de divórcio, ou se arbitrados em ação direta de alimentos.

Toda essa confusa movimentação legislativa vem dividindo a doutrina brasileira, ponderando, entre outros, Adroaldo Furtado Fabrício[8], Araken de Assis, Sérgio Gischkow Pereira e Yussef Said Cahali, que o limite máximo de prisão do devedor inadimplente de alimentos é de 60 dias, porque lei posterior fixou este prazo, contendo regra mais benéfica ao paciente. Referem-se à Lei n.º 6.014/73, cujo artigo 4º deu nova redação ao artigo 19 da lei de Alimentos (Lei n.º 5.478/68), limitando a custódia a 60 dias para alimentos definitivos.

Para Athos Gusmão Carneiro, a norma codificada dos três meses respeita aos alimentos provisionais (art. 733, § 1º do CPC), enquanto que o cumprimento de julgado ou de acordo autorizaria o decreto prisional pelo tempo não superior a 60 dias (art. 19, caput, da Lei de Alimentos), havendo, ao que ostenta, um maior rigor para os alimentos provisionais em comparação aos regulares.[9]

Para Marcelo Lima Guerra[10] prevalece o entendimento de que os dois prazos seriam válidos, aplicando-se o do art. 733 do CPC para os alimentos provisionais e nos demais casos o prazo de 60 dias do art. 19 da Lei de Alimentos.

Acrescenta Marcelo Lima Guerra ser inviável "pretender que tenha havido substituição de uma por outra mais recente (a do Código de Processo Civil), porque a Lei 6.014/73, posterior ao CPC, ao dar nova redação ao art. 18 da Lei 5.478/68, fazendo remissão expressa ao art. 733 do Código de Processo Civil, deixou claro que este se aplica às dívidas de alimentos, mas, ao mesmo tempo, mantendo a redação do caput do art. 19 da citada lei, deixou igualmente claro que este último dispositivo permaneceria também em vigor".[11]

Em realidade nenhuma efetiva diferença pode ser vislumbrada entre os alimentos provisionais ou definitivos, quando ambos emprestam ao credor os meios próprios de sobrevivência.

Por conta disso conclui Yussef Said Cahali[12], estar certo Adroaldo Furtado Fabrício quando não admite, em nenhuma hipótese, que a prisão do devedor de alimentos demore mais do que 60 dias, pois lei posterior (Lei n.º 6.014, de 31/12/1973) contém regra mais benéfica ao devedor e o código de Processo Civil data de 11 de janeiro de 1973. Não diferenciando, assim, os alimentos provisionais dos definitivos.

Conforme o § 2º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior, de sorte que também sob este prisma prevaleceria a disposição contida no art. 19 da Lei especial dos alimentos, sem descartar o argumento colacionado por Araken de Assis[13], que o art. 620 do CPC favorece toda a exegese desenvolvida no sentido de limitar a prisão por débito alimentar a 60 dias, devendo ser observado o procedimento executório menos gravoso para o devedor.

Deve o juiz sempre dosar a pena de prisão entre o mínimo de 30 dias, não previsto na lei especial, mas prescrito no art. 733, § 1º do CPC, com o máximo de 60 dias, caracterizando-se como ilegal a estipulação superior a este limite, e assim, desafiando o recurso do hábeas corpus ou do agravo de instrumento, sendo ineficaz o despacho que se omite de referir a duração da reprimenda corporal, afirmando Cahali[14], que essa omissão afronta o princípio da tipicidade, inerente a toda sanção restritiva da liberdade do ser humano.

9. Regime de pena

A prisão civil por débito alimentar não é pena, mas sim um meio de coerção para compelir ao pagamento da prestação de alimentos.

Para Pontes de Miranda[15], a prisão civil não é medida penal, nem ato de execução pessoal, mas meio de coerção. Ou seja, a serviço do cumprimento de uma obrigação de natureza privada.

Para Araken de Assis a prisão civil por débito alimentar é efetivamente vis compulsiva, usada para coagir o devedor a satisfazer o julgado, não tendo por escopo reparar um mal causado, nem a recuperação do devedor, antes, ostenta natureza civil e, portanto, não se lhe aplicam os benefícios da processualística criminal.[16]

Já não bastasse o descrédito da prisão civil por dívida alimentar, a possibilidade de o confinamento ser cumprido em regime aberto, em casas de albergados, como acontece no Estado do Rio Grande do Sul, onde o Tribunal de Justiça recomendou pelo Ofício-Circular n.º 21/93 da Corregedoria-Geral da Justiça, datado de 12 de maio de 1993, a prisão albergada do devedor de alimentos, para que tão-somente seja recolhido no final do expediente de trabalho, para pernoitar, e em finais de semana, quando não está trabalhando. Mostram as evidências e o crescimento da inadimplência alimentar, que aos devedores renitentes, a prisão civil em regime aberto tirou a eficácia coativa que existia pelo temos de ficar realmente confinado.

A prisão albergue se tornou direito fundamental do devedor de alimentos, independentemente de o mesmo estar ou não trabalhando, não obstante o enfoque da prisão albergue fosse de assegurar que seu trabalho não sofresse nenhum abalo de continuidade.

Entrementes, o temor pelo esfriamento dos meios de coerção ao pagamento do débito alimentar, faz todo sentido quando claramente reduzidos os meios coercitivos, como o tempo de prisão, o local de confinamento, a diminuição do período de cobranças sob coerção pessoal e, ainda, surgindo vozes pela extinção da prisão civil por dívida alimentar, porque seria meio de constrangimento que fere a dignidade do homem.[17] Todavia, fere mais ainda a dignidade humana a falta de compromisso alimentar entre alimentante e alimentando.

10. Suspensão e revogação da pena

Conforme o art. 733, § 3º do CPC o pagamento da dívida importa na imediata suspensão da pena, que também pode ser revogada a pedido do credor (art. 569 do CPC). O oficial de justiça também pode sustar o cumprimento da diligência prisional do devedor e deixar de recolhe-lo à prisão se o devedor procede ao pronto pagamento ou ao depósito da dívida, razão pela qual o mandado de prisão expedido deve conter o valor atualizado e integral da dívida.

Uma vez preso, mas pago o débito pendente, o paciente deverá ser liberado por alvará de soltura, podendo, inclusive, sua dívida ser paga por qualquer pessoa, e, tornando-se ilegal a permanência na prisão, que adquire ilícito caráter coercitivo e desafia o recurso do agravo de instrumento ou a via do hábeas corpus do art. 5º, inciso LXVIII da CF, isto se o juiz da causa não se retratar.

11. Os alimentos no cumprimento da sentença (Lei 11.232/05)

Com o advento da Lei 11.232/05 foi abolido o processo de execução dos títulos executivos judiciais. Assim, o cumprimento da sentença não mais depende de processo autônomo e transformou-se em um incidente processual. Trata-se de mera fase do processo de conhecimento, e não mais de nova demanda a angularizar-se pelo ato citatório.

A nova execução de sentença, agora denominada de cumprimento de sentença, tem por pressuposto a necessidade de uma sentença proferida, a ser simplesmente cumprida, não dependendo de um meio autônomo. Contudo a reforma operada pela referida lei não alterou nenhum dos dispositivos referentes à execução da prestação alimentícia.[18]

Começa que os alimentos provenientes do Direito de Família não estão disciplinados pelo art. 475 do CPC, cujo dispositivo foi alterado pela Lei 11.232/05, primeiro, porque existem alimentos liminares, denominado de provisórios ou provisionais, que são fixados em sede de antecipação de tutela ou em medida cautelar, no início do processo, enquanto que o art. 475 do CPC exige o cumprimento de uma sentença, na qual já tenha arbitrado os alimentos definitivos.

Também não se pode ser esquecido que existem alimentos sem origem no Direito de Família, oriundos do Direito Obrigacional ou de legado do Direito Sucessório, ajustados por iniciativa do obrigado, por contrato ou legado em testamento, que não há qualquer sentença para cumprir.

Desse modo, em relação aos alimentos do art. 1.694 do Código Civil a sua execução continua pela coerção pessoal ou patrimonial e pela sub-rogação dos artigos 732,733 e 734 do CPC, desafiando os embargos do executado e a justificativa do artigo 733, não estando contemplados pelo cumprimento da sentença condenatória. Diz Cássio Scarpinella Bueno que, "a ação de alimentos assume foros, em sua efetivação prática, de executividade e mandamentalidade".[19]

Entendimento esse, que se vislumbra no caput do art. 732 do CPC, no qual faz clara remissão ao Capítulo IV do mesmo Título - execução por quantia certa contra devedor solvente - para fins de se resolver a execução que condena ao pagamento de prestação alimentícia.

Ainda, conforme preceitua o CPC, em seu art. 733, poderá se utilizar o meio executivo especial, da constrição pessoal, para se ver solucionada a execução de sentença alimentícia e, também, de decisões que fixam os alimentos provisionais.

Assim, é de se concluir que as alterações legislativas não chegaram a alcançar as execuções alimentícias e, que essas, permanecem no anseio do olhar do legislador, que ainda permanece em defesa do devedor de alimentos.


12. Referências Bibliográficas

ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e a prisão do devedor, São Paulo: RT, 2ª e., 1993.

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida, São Paulo: RT, 1993.

BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença, Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2ª e., 2006.

CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, São Paulo: RT, 3ª e., 1998.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Apud CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, São Paulo: RT, 3ª e., 1998.

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, São Paulo: RT, 1988.

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A legislação para o sistema extravagante em face do novo Código de Processo Civil, Ajuris, Porto Alegre, n.º 54, 1992.

GERAIGE NETO, Zaiden. O processo de execução no Brasil e alguns tópicos polêmicos. In: SHIMURA, Sérgio; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.) Processo de execução, São Paulo: RT, v. 2, 2001.

GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, São Paulo: RT, 1998.

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao CPC, Rio de Janeiro: Forense, Tomo X, 1979.



[1] Advogada em Porto Alegre (RS).

[email protected]

[2] ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e a prisão do devedor, São Paulo: RT, 2ª e., 1993, p.18.

[3] Súmula n.º 309 do STJ: "O débitoalimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo".

[4] "Habeas Corpus. Diversas execuções de alimentos. Decretada prisão do devedor. Cumulação de prazo de prisão. Impossibilidade. Renovação do decreto prisional. Cabimento. Em execução de alimentos proposta pelo procedimento descrito no art. 733 do CPC, o decreto prisional expedido contra o devedor abrange todas as prestações alimentícias que se vencerem, no curso do processo, até o cumprimento do prazo de prisão estabelecido no decreto. Propostas sucessivas execuções de alimentos, todas pelo procedimento do art. 733 do CPC, mostra-se inviável o cumprimento cumulativo dos decretos prisionais expedidos em cada um dos processos, pois nessa hipótese, estaria configurado bis in idem , considerando que as prestações que se vencerem no curso da primeira execução e, portanto, abrangidas pelo primeiro decreto prisional serão, justamente, o objeto das execuções posteriores. O cumprimento cumulativo dos decretos prisionais expedidos em processos distintos frustra a finalidade da prisão que deve ser decretada, excepcionalmente, apenas como meio de coagir o devedor a adimplir o débito alimentar e não como mecanismo de punição pelo não pagamento. No entanto, nosso ordenamento jurídico não veda a possibilidade de o juiz, renovar, no mesmo processo de execução de alimentos, o decreto prisional, após analisar a conveniência e oportunidade e, principalmente, após levar em conta a finalidade coercitiva da prisão civil do alimentante". (Habeas Corpus n.º 39.902 – MG. Terceira Turma do STJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, j. em 18/04/2006).

[5] Art. 206, §2º do CC.

[6] DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, São Paulo: RT, 1988, p. 427.

[7] "HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. 1. ALIMENTOS. A obrigação alimentar, sua redução ou desoneração não podem ser discutidas no âmbito do habeas corpus; só no juízo cível, mediante ação própria, é possível de faze-lo. 2. PRESTAÇÕES PRETÉRITAS. As prestações alimentícias cuja falta de pagamento autoriza a prisão civil são aquelas devidas nos três meses anteriores ao ajuizamento e aquelas que vencem após o início da execução, porque – a não ser assim – a duração do processo beneficiaria o devedor e ela seria maior ou menor conforme os obstáculos e incidentes provocados. Recurso ordinário não provido". (RHC 17717/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, 3ª Turma, j. em 15/12/2005 – DJ 20/03/2006).

[8] FABRICIO, Adroaldo Furtado. A legislação processual extravagante em face do novo Código de Processo Civil, Ajuris, Porto Alegre, n.º 54, 1992, p. 95.

[9] CARNEIRO, Athos Gusmão. Apud CAHALI, Yussef Said, Dos alimentos, São Paulo: RT, 3ªe, 1998, p. 1.078.

[10] GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta, São Paulo: RT, 1998, p. 234.

[11] Idem, ob.cit., p.235.

[12] CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos, São Paulo: RT, 3ªe., 1998, p. 1.080.

[13] ASSIS, Araken de.Ob. cit., p.144.

[14] CAHALI, Yussef Said. Ob. cit., p. 1.081.

[15] MIRANDA, Pontes de. Comentários ao CPC, Rio de Janeiro: Forense, Tomo X, 1979, p. 483.

[16] ASSIS, Araken de. Ob. cit., p. 145.

[17] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Prisão civil por dívida, São Paulo: RT, 1993, p. 48.

[18] CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença, Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2ª e., 2006, p.151.

[19] BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, São Paulo: Saraiva, vol. 1, 2006, p. 298.