1 Conceito de indignidade

Nos ensinamento de Orlando Gomes (Sucessões. 14.ed. Rio de Janeiro. 2008. p. 31), “Considera-se indigno o herdeiro que cometeu atos ofensivos à pessoa ou à honra do de cujus, ou atentou contra sua liberdade de testar, reconhecida a indignidade em sentença judicial”. 

Estabelece Aluísio Santiago Júnior (Direito das Sucessões: Aspectos Didáticos Doutrina e Jurisprudência, Belo Horizonte, 1997, p. 82) que o fundamento da indignidade, “repousa, inicialmente, em fatores de ordem moral, porque o direito sucessório tem como base principal a afeição, real ou presumida”. 

Segundo Ana Cláudia S. Scalquette (Família & Sucessões: Para Aprender Direito. 9. ed. São Paulo. 2009. p. 135), indignidade é “uma pena civil criada pelo legislador para que pessoas que cometem certos atos, previstos em lei, possam ser afastadas da herança por não serem dignas de recebê-la”.

 

Salomão de Araujo Cateb (Direito das Sucessões. 2. ed. Belo Horizonte. 2000. p. 63) diz que indignidade é

 

 

a privação do direito hereditário cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou aos interesses do hereditando. A indignidade é uma forma de exclusão de herdeiros legítimos e testamentários, abrangendo, portanto, a sucessão legítima e a testamentária; embora tendo a capacidade para suceder, o excluído perde-a, como pena civil pela prática de determinados atos considerados pela lei, como danosos à vida, à honra ou à liberdade de testar do autor da herança.

Conceitua Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 25. ed. São Paulo. 2011. p. 65)

 

 

Instituto bem próximo da incapacidade sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra o autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo hereditário, dado que se tornou indigno.

 

 

 

Ensina Theodor Kipp (Derecho de Sucesiones. 2. ed. Buenos Aires: Astrea, 1976, p. 153, tradução nossa) que

 

A indignidade de herdar significa que a lei priva com efeitos retroativos determinadas pessoas de um direito sucessório que lhes haviam sido deferido em virtude da lei e de uma disposição por causa da morte com respeito a um determinado causador, e o faz porque essas pessoas cometeram certos delitos graves[1].

 

 

 

Em suma, a indignidade é instituto de sucessão legítima, exclusão da capacidade sucessória, definida pela lei, para quem cometeu atos ofensivos à pessoa ou à honra do de cujus, ou atentou contra sua liberdade de testar.  Atinge todos os herdeiros: os herdeiros necessários, os não necessários, os legítimos e os testamentários. É a vontade presumida do de cujus.

 

 

2 Causas da exclusão do indigno

 

 

A indignidade é decorrente da lei, sendo, portanto, taxativas as hipóteses que levam o herdeiro ou legatário a ser excluído da sucessão. As hipóteses de indignidade estão previstas no artigo 1814 do Código Civil:

 

“São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

           II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.”

No primeiro caso, não se exige a condenação em ação penal. A independência da ação civil não comporta, entre nós, dúvida, mas, se a sentença no juízo criminal conclui pela inexistência do crime ou declara não ter sido cometido pelo herdeiro, faz coisa julgada em relação aos efeitos civis[2].

Não é exigida, no homicídio, a intenção de cometê-lo para pegar a herança. Nos dizeres de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6. São Paulo, 2005, pp. 53-4)

 

Pelo que se pode perceber, não é caso de indignidade o homicídio culposo, pois a lei somente traz a previsão de doloso. Diante da gravidade que representa a prática de tal ato- tirar ou pelo menos tentar tirar a vida de alguém-, é dispensada a prévia condenação, mas será imprescindível prova irrefutável do fato.

 

Do mesmo modo que o Código exclui da sucessão o autor do crime contra o próprio hereditando, como o homicídio doloso, ou a tentativa de homicídio, excluía também por indignidade, caso incorra nessas práticas contra o cônjuge, companheiro, ou familiares mais próximos do de cujus. Fundamento este exporto nos estudos de Orlando Gomes (Sucessões. 14. ed. Rio de Janeiro, 2008, p. 34)

 

O novo texto do Código Civil estendeu a pena da exclusão por indignidade às hipóteses de homicídio doloso, consumado ou tentado, não só contra o autor da herança, mas, também, contra o

cônjuge, companheiro, descendente ou ascendente do autor da herança.

 

 

Na segunda hipótese legislativa, ocorre quando é feita acusação caluniosa, em juízo criminal, contra o autor da herança de ter praticado crime de denunciação caluniosa, crime contra a administração da justiça, a saber: “Dar causa a instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente” (art. 339, CP).

 

Nos estudos de Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil, v. 6, São Paulo, 2003, p. 65), “Para que se configure o caso de indignidade, a acusação deve, nesse caso, processar-se em juízo criminal e se revelar falsa e dolosa”.

 

Na parte final do inciso II, que diz respeito a honra do de cujus, de seu cônjuge ou companheiro, Silvio Rodrigues (Direito Civil: Direito das Sucessões, v. 6, 26. ed. São Paulo, p. 69) disserta que

 

A segunda parte do dispositivo contempla a prática de crimes contra a honra do hereditando, ou de seu cônjuge ou companheiro. O Código Penal, nos arts. 138 a 140, regula os crimes contra a honra: calúnia, a difamação e a injúria. É óbvio que o crime só ficará apurado se houver prévia condenação do indigno no juízo criminal.

 

 

 

O último inciso tem como objetivo a proteção da liberdade de testar. Orlando Gomes (Sucessões. 14. ed. Rio de Janeiro. 2008. p. 34) ensina que

 

A terceira causa de exclusão por indignidade é, nas expressões de Degni, o atentado à liberdade de testar do de cujus. Ocorre quando o herdeiro sucessível o induz, por meio de dolo ou coação, a fazer, alterar, ou revogar testamento. Verifica-se, também, quando o inibe de testar.

A liberdade de testar referida nesse inciso diz respeito a última vontade do testador, que deve ser protegida. “Assim, se alguém se utiliza de algum meio violento ou fraudulento qualquer que venha coibir a celebração ou execução de cédula testamentária formalmente válida, ver se há excluído da sucessão” (HIRONAKA, Giselda M. F. N. Parte Especial do Direito das Sucessões, v. 20. São Paulo, 2003, pp. 151-2).

 

Com tal previsão a liberdade de testar está protegida por lei e caso o testador for coagido a manifestar vontade diversa da sua, a pessoa que induziu será excluído da sucessão.

 

 

3 Efeitos da indignidade

 

 

O reconhecimento judicial da indignidade produz os seguintes efeitos jurídicos:

 

a)    Efeitos pessoais: Dispõe o art. 1.816 do Código Civil que “os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão”. Tal dispositivo legal tem como fundamento o princípio da personalidade da pena, ou seja, a pena não pode passar da pessoa tida como indigna.

 

             Neste mesmo sentido, preleciona Flávio Tartuce e José Fernando Simão (Direito Civil: Direito das Sucessões, v. 6. 5. ed. São Paulo, 2012, p. 62), que

 

Pelo que consta desse comento legal, em se tratando de indignidade, a pena não atinge os sucessores do indigno que não serão punidos pelos atos reprováveis deste, o que é aplicação do princípio da intranscendência ou da personalidade da pena. Portanto, se o indigno é excluído da sucessão de seu pai, seus filhos herdam por representação.

            Complementa Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, v. 7. 6. ed. São Paulo, 2012, p. 128) que

 

A situação do excluído equipara-se à do herdeiro premorto: embora vivo, será representado por seus descendentes, como se tivesse morrido. Os bens que deixa de herdar são devolvidos às pessoas que os herdariam, caso ele já fosse falecido na data da abertura da sucessão. Se o de cujus, por exemplo, tinha dois filhos e um deles for excluído por indignidade, tendo prole, a herança será dividida entre as duas estripes: metade ficará com o outro filho, e metade será entregue aos descendentes do excluído, que herdarão representando o indigno.

 

            A substituição do excluído da sucessão ocorre somente na linha reta descendente, assim, não poderá ser sucedido pelos ascendentes ou colaterais.

Por fim, determina o art. 1.816, parágrafo único, do CC, que “O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens”.

           

            Dissertam Flávio Tartuce e José Fernando Simão (Direito Civil: Direito das Sucessões, v. 6. 5. ed. São Paulo, 2012, p. 62) que

 

Para efetividade da punição prevista para o indigno, caso seus descendentes (que herdam por representação) sejam menores, não pode o excluído, na qualidade de genitor, administrar os bens herdados. Também, não seria completa a pena se, em caso de morte de seus filhos, o indigno recebesse em sucessão os bens em questão.

b)    Os efeitos da sentença retroagem à data da abertura da sucessão. Embora se reconheça a aquisição da herança pelo indigno, no momento da abertura da sucessão, o legislador, por fição legal, determina a retroação dos efeitos da sentença, para considerar o indigno como premorto ao hereditando. Como consequência, o excluído da sucessão “é obrigado a restituir os frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser indenizado das benfeitorias com a conservação deles” (CC, art. 1.817, parágrafo único), para que não ocorra enriquecimento sem causa dos seus sucessores.  “As despesas  reembolsáveis são todas as que teve o indigno com a conservação dos bens hereditários”[3].

 

            Equipara-se o indigno ao possuidor de má-fé, pois nunca foi dono dos bens da herança, e fica assim, obrigado a restituir os frutos e rendimentos do que desfrutou, mas que não lhe pertencia.

 

            Todavia, no seu efeito retroativo, a sentença não poderá causar prejuízo aos direitos de terceiros de boa-fé, daí respeitarem-se os atos de disposição a titulo oneroso e de administração praticados pelo indigno antes da sentença; mas aos coerdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito a demandar-lhe perdas e danos (CC, art. 1.817).

 

c)    O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto e à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, ou à sucessão eventual desses bens (CC, art. 1.816, parágrafo único). Uma vez que é equiparado ao morto civil, nada mais natural que se lhe retirem a administração e o usufruto dos bens dos filhos menores sob o pátrio poder, que o substituíram no titulo de herdeiro ou inventário do de cujus. E se um de seus filhos, que o substituiu, vier a falecer, sem descendentes, não poderá o excluído receber esses bens[4].

 

d)    O excluído da sucessão por indignidade, uma vez apurada a obstação, ocultação ou destruição do testamento por culpa ou dolo, deverá responder ainda por perdas e danos, na forma do direito comum[5].

 

 

4 Reabilitações do indigno

O art. 1.818 do Código Civil prevê a reabilitação ou perdão do indigno, pelo ofendido: “Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico”.

 

Como o reconhecimento da indignidade decorrerá de um procedimento judicial proposto pelos interessados na sucessão, o indigno tem a possibilidade de ser perdoado ou reabilitado pela pessoa contra quem praticou atos que conduziram à indignidade.

 

Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, v. 7. 6. ed. São Paulo, 2012, p. 126) diz que ato autêntico “é qualquer declaração, por instrumento público ou particular, autenticada pelo escrivão”. Não têm valor, para esse fim, escritura particular; declarações verbis ou do próprio punho, embora corroboradas por testemunhas; cartas, ou quaisquer outros atos que revelem reconciliação ou propósitos de clemência. Não é necessário que o ato seja lavrado exclusivamente para reabilitar o indigno. Mesmo que o ato autêntico tenha objetivo diverso, como doação ou pacto antenupcial, pode o herdeiro inserir o seu perdão.

 

O herdeiro que incorreu em indignidade pode ser perdoado pelo ofendido, porque ninguém melhor do que este para avaliar o grau da ofensa. O direito de perdoar é privativo e formal; tem o condão de revogar os efeitos da indignidade e de admitir o ofensor à herança, reabilitando-o. Para tanto, a lei impõe ao ofendido a declaração expressa em testamento ou ato autêntico, como a escritura pública, de que, apesar da ofensa recebida, o ofensor deve ser chamado a gozar os benefícios da sucessão[6].

 

 

 

Carlos Lasarte (Derecho de Sucesiones: Principios de Derecho Civil VII. 5. ed. Madrid: Marcial Pons, 2008, p. 38) ensina que

 

Pese la gravedad de las causas de indignidade, la ley permite que el ofendido las perdone o remita. Por tanto, la incapacidade sucesória del indigno es disponible por el causante, cosa que no ocorre respecto los supuestos de incapacidade relativa.

Uma vez concedido o perdão, torna-se irretratável, sob pena de tolerar-se arrependimento no perdão, o que não seria moral e impossibilita os coerdeiros legitimação para reabrir o debate. Deste modo, mesmo o que o testamento que contenha o perdão do indigno seja revogado, permanecerá válida a cláusula que reabilita o indigno.

 

Nos estudos de Flávio Tartuce e José Fernando Simão (Direito Civil: Direito das sucessões, v. 6. 5. ed. São Paulo, 2012, p. 82-3), “Não se admite no sistema brasileiro, como regra, o perdão tácito, mas apenas sua modalidade expressa, razão pela qual deve constar de testamento ou de outro ato autêntico”. A exceção está presente no parágrafo único do art. 1.818 do Código Civil: “não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária”.

 

Sobre o testamento que reabilita o indigno, a lei não exige forma e, portanto, pode o testador se valer de uma das formas ordinárias de testar (testamento público, cerrado ou particular) ou mesmo das formas extraordinárias (testamento militar, marítimo ou aeronáutico). “É importante ressaltar que também o codicilo é instrumento hábil para conceder o perdão ao indigno”, segundo ensinam Débora Gozzo e Sílvio de Salvo Venosa (Comentários ao Código Civil Brasileiro. v. XVI. Rio de Janeiro, 2004, p. 351).

 

Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, v. 7. 6. ed. São Paulo, 2012, p. 127)

 

Nulo o testamento que contém o perdão, este não terá efeito, salvo se tiver sido adotada a forma pública, quando poderá ser utilizado como ato autêntico. O testamento cerrado ou particular não comporta tal aproveitamento.

 

Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil: Direito das Sucessões, v.7. 3. ed. São Paulo, 2003, p. 80) complementa, ao explicar que, mesmo

se o testamento caducar, tal não tira a eficácia do perdão, pois que o testamento continua válido, como ato autêntico, para as disposições não patrimoniais (...). Como a reabilitação do indigno pode ser feita tanto por testamento como por ato autêntico, qualquer escrito público do ofendido contra o qual não se suspeita de sua autenticidade, o perdão do indigno, mesmo em um testamento inválido deve ser visto por esse prisma. Só que, nesse caso, o testamento deve ser público.



[1] Indignidade de heredar significa que la ley priva com efectos retroactivos a determinadas personas de um derecho sucessório que les había sido deferido em virtude de la ley o de uma disposición por causa de muerte com respecto a um determinado causante, y lo hace porque dichas personas han cometido ciertos delitos graves.

[2] Cf. GOMES, Orlando, Sucessões, ed. Rio de Janeiro 14, 208, p. 34.

[3] Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v. 7. 6. ed. São Paulo, 2012, p. 129.

[4]Cf. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 17. ed. São Paulo, 1981, p. 75.

[5]Cf. VITALI, Vittore. Delle successioni legittime e testamentarie. v. 1. p. 259.

[6]Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 25. ed. Saraiva. São Paulo, 2011, p. 74.