Análise das excludentes da Reponsabilidade do Estado.

Introdução

No campo das excludentes da responsabilidade do Estado, é importante analisar se a Administração Pública se responsabiliza por determinado ato de maneira objetiva ou subjetiva, pois na caracterização da responsabilidade objetiva basta a existência do nexo causal entre o dano e a atuação do poder público. Todavia, quando o ente público responde de maneira subjetiva, v.g., omissão, é analisada a razoabilidade do ato administrativo. 

1. Excludentes da Responsabilidade do Estado

Há circunstâncias em que inexiste a responsabilidade do Estado, quais sejam: força maior, caso fortuito e culpa exclusiva da vítima ou de terceiro; pois nessas ocasiões não há relação de causalidade entre o dano ao particular e a conduta comissiva ou omissiva do poder público. Ainda, vê-se a exclusão da responsabilidade estatal quando o agente público ocasiona o dano fora de suas atividades funcionais.

Verifica-se, também, que quando o Estado não der causa ao dano ou não for o único responsável pelo evento danoso inexistirá sua responsabilidade ou poderá ser atenuada. Entretanto, cabe ao Estado provar as causas de exclusão da responsabilidade. Portanto, o ônus da prova é invertido.

1.1  Culpa exclusiva ou concorrente da vítima

Para se responsabilizar o Estado é preciso analisar o comportamento do particular no evento danoso, isto é, o particular pode ser o único responsável pelo prejuízo (autolesão), como também o dano pode ter causa na participação conjunta entre particular e Administração Pública. "É a aplicação do sistema de compensação das culpas no direito privado".

Quando o prejuízo é causado pela própria vítima, não há responsabilidade do poder público, salvo em algumas situações como em danos a bens tombados. Desse modo, quando o único causador do dano for o particular, inexistirá fato administrativo e nexo de causalidade para ensejar responsabilidade do estado.

Para Renan Miguel Saad:

 "A ação ou omissão, voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, a vítima por ato exclusivo seu der causa ao ato lesivo, pelo que não haverá responsabilidade de indenizar do autor do dano".

No entanto, a responsabilidade da Administração Pública pode ser atenuada de maneira proporcional quando houver culpa concorrente da vítima.

Nesse sentido, Renan Miguel Saad afirma que:

 "[...] haverá uma concorrência de responsabilidade, partilhando-se a obrigação de indenizar até a proporção que corresponde à parcela de culpa da vítima, sendo o restante imputado ao agente do ato danoso".

Com relação à culpa recíproca, eis o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA

RECURSO ESPECIAL - ALÍNEAS "A" E "C" - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - NEGLIGÊNCIA NA SEGURANÇA DE BALNEÁRIO PÚBLICO - MERGULHO EM LOCAL PERIGOSO - CONSEQÜENTE TETRAPLEGIA - IMPRUDÊNCIA DA VÍTIMA - CULPA RECÍPROCA - INDENIZAÇÃO DEVIDA PROPORCIONALMENTE.

O infortúnio ocorreu quando o recorrente, aos 14 anos, após penetrar, por meio de pagamento de ingresso, em balneário público, mergulhou de cabeça em ribeirão de águas rasas, o que lhe causou lesão medular cervical irreversível. Para a responsabilização subjetiva do Estado por ato omissivo, "é necessário, que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível" (Celso Antônio Bandeira de Mello, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855). Ao mesmo tempo em que se exige da vítima, em tais circunstâncias, prudência  e  discernimento  -  já que pelo senso  comum não se deve mergulhar em local desconhecido -, imperioso reconhecer, também, que, ao franquear a entrada de visitantes em balneário público, sejam eles menores ou não, deve o Estado proporcionar satisfatórias condições de segurança, mormente nos finais de semana, quando, certamente, a freqüência ao local é mais intensa e aumenta a possibilidade de acidentes. "Não há resposta a priori quanto ao que seria o padrão normal tipificador da obrigação a que estaria legalmente adstrito. Cabe indicar, no entanto, que a normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estágio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época, isto é, das possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso" (Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., loc. cit.). Há, na hipótese dos autos, cuidados que, se observados por parte da Administração Pública Estadual, em atuação diligente, poderiam ter evitado a lesão. A simples presença de salva-vidas em locais de banho e lazer movimentados é exigência indispensável e, no particular, poderia ter coibido a conduta da vítima. Nem se diga quanto à necessidade de isolamento das zonas de maior risco, por exemplo, por meio de grades de madeira, cordas, corrimãos etc. Em passeios dessa natureza, amplamente difundidos nos dias atuais sob a denominação de "turismo ecológico", não somente para as crianças, como para jovens e adultos, é de se esperar, conforme as circunstâncias peculiares do local, a presença de cabos de isolamento e a orientação permanente de guias turísticos e funcionários que conheçam o ambiente visitado. Segundo a lição do notável Aguiar Dias, doutrinador de escol no campo da responsabilidade civil, "a culpa da vítima, quando concorre para a produção do dano, influi na indenização, contribuindo para a repartição proporcional dos prejuízos" (in "Da responsabilidade civil", Forense, Rio de Janeiro, 1960, Tomo II, p. 727). Recurso especial provido em parte para reconhecer a culpa recíproca e, como tal, o rateio das verbas condenatórias e das despesas e custas processuais meio a meio, arcando cada parte com a verba honorária advocatícia do respectivo patrono. (REsp 418713 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2002/0027129-0Relator(a) Ministro FRANCIULLI NETTO (1117) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 20/05/2003Data da Publicação/Fonte DJ 08.09.2003 p. 280 RDR vol. 27 p. 346.)

Quanto à culpa exclusiva da vítima, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em julgamento da Apelação Cível nº 2005.001.21578:

EMENTA

Responsabilidade Civil do Estado. A teoria do risco administrativo não se confunde com a do risco integral. Atropelamento, seguido de morte, de companheira e filhos menores, na Av. Brasil, por viatura policial durante a noite. Culpa exclusiva das vítimas, a afastar a incidência do art.37, 6° da CF, ao não se utilizarem de passarela, preferindo a travessia da referida artéria, de grande movimento de veículos e que permite alta velocidade. Confirmação, em apelação, da sentença que julgou o pedido improcedente. (2005.001.21578 - APELAÇÃO CÍVEL DES. HUMBERTO DE MENDONÇA MANES - Julgamento: 23/08/2005 - QUINTA CÂMARA CÍVEL.)

1.2 Caso Fortuito

Nos casos de exclusão da responsabilidade do Estado por caso fortuito ou força maior, verificam-se divergências doutrinárias, pois para a corrente majoritária força maior representa fatos da natureza; já caso fortuito representa fatos originários da vontade humana. O entendimento minoritário sustenta que a melhor definição é a inversa.

Vê-se, também, que o artigo 393 do Código Civil de 2002 não pacifica as divergências doutrinárias sobre o significado de caso fortuito e força maior, porquanto o preceito legal em seu parágrafo único prevê os dois institutos como fatos imprevisíveis: "O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir". Entretanto, as divergências na utilização dos institutos não podem ser majoradas a ponto de sufragar as duas importantes causas de exclusão da responsabilidade do Estado.

Sobre o assunto, José dos Santos Carvalho Filho expõe seu entendimento: "pensamos que o melhor é agrupar a força maior e o caso fortuito como fatos imprevisíveis, também chamados de acaso, porque são idênticos os seus efeitos".

Todavia, Yussef Said Cahali entende que apesar das semelhanças entre caso fortuito e força maior no campo privado no que tange à exclusão da responsabilidade, diverso deve ser o entendimento na responsabilidade do Estado, porquanto nesse instituto, nos casos de força maior, admite-se a exclusão da responsabilidade da Administração Pública, por se tratar de fato externo, estranho ao serviço. Já no caso fortuito, a vontade aparece na organização e no funcionamento do serviço.

No mesmo entendimento de Yussef Said Cahali, Themístocles Brandão Cavalcanti acredita que inexiste responsabilidade do Estado na força maior, porque inexiste vontade humana, enquanto no caso fortuito há responsabilidade, pois existe vontade humana na organização e funcionamento do serviço.

A exclusão da responsabilidade da Administração Pública no caso fortuito é caracterizada pela interioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade. Já nos casos por força maior, verificam-se os seguintes elementos essenciais: exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade.

Conclusão

Vê-se, portanto, que os institutos são diferenciados no elemento interno e externo, pois na força maior o dano é determinado por circunstâncias externas. Ao contrário, do caso fortuito, a causa é interna, ou seja, inerente ao serviço da Administração Pública.

Nesse diapasão, José Cretella Júnior entende:

"[...] que trata de institutos de características semelhantes, quanto aos efeitos, mas de fontes geradoras diversas, porque se o caso fortuito se baseia em evento anterior ao objeto que produziu o dano, a força maior busca fundamento em fato que tem origem em acontecimento exterior ao objeto, fonte próxima do dano".

Nos casos de exclusão por força maior, aplica-se a teoria da culpa administrativa, isto é, verifica-se a falta ou falha no serviço. Já nos danos causados por terceiros, por exemplo, multidão ou por delinqüentes, é analisada a omissão do poder público.

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.45.

Ibidem, p. 49.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 317-318.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 554.

GASPARINI. Diógenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 876.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p.456-457.

GASPARINI. Diógenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 877.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 422.

SAAD, Miguel Renan. O Ato ilícito e a responsabilidade civil do estado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1994, p. 41.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 318.

"Em hipótese na qual particular edificou casa residencial numa encosta de colina, sem as indispensáveis cautelas e comprometendo a estabilidade das elevações, tendo sido o imóvel destruído por fortes chuvas e comprovada culpa concorrente do Município". CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 423.

SAAD, Miguel Renan. op. cit. p. 41.

  MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 319.

LEI Nº. 10.406, de 10.01.02. Institui o Código Civil. DOU de 11.01.02.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 320.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 424.

CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 55.

CAVALCANTI, Temístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. vol. I. 3. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1955, p. 415. 

"Imprevisibilidade (força maior) – É verificada no fato inesperado pela ocorrência repentina, antes que qualquer providencia eficaz possa ser tomada contra as suas conseqüências. Imprevisibilidade (caso fortuito) – É preciso analisar o mau funcionamento do serviço, p. ex, um cabo da rede elétrica que se parte repentinamente". CAVALCANTI, Themístocles Brandão. op. cit.  p. 418-419.  

"Irresistibilidade ocorre quando o dano ocorre apesar de todas as medidas terem sido adotadas para ser evitado. No caso fortuito há a particularidade se foram adotadas as precauções pelo poder público". CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. 3. ed. vol I. São Paulo: Freitas Bastos, 1955, p. 419.

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. op. cit.  p. 417.

Ibidem, p. 417.

CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.135.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 555.