"Cada vez que respiramos, afastamos a morte que nos ameaça... No final ela vence, pois desde o nascimento esse é o nosso destino... mas ela brinca um pouco com sua presa antes de comê-la" [1].

O fabuloso psiquiatra e escritor Irvin D. Yalom, em uma de suas obras (O Carrasco do Amor), afirma em outras palavras que, embora a concretude da consciência real de nossa morte e daqueles que amamos nos destrua, ela constitui a única forma de salvarmos a nossa existência da mediocridade e da infelicidade.

Todos sabem que a "angústia da morte" é algo que nos atormenta e por isso mesmo, desde pequenos somos condicionados ou induzidos a negar o fato inegável de que, dia após dia, caminhamos mais rápido do que gostaríamos, para o fim de nossas vidas, e assim nos vamos iludindo, como se pudéssemos sempre "esticar a vida mais um pouquinho"... Sabemos que vamos morrer, mas um dia... Um dia muito, mas muito distante mesmo! Isto é, se não houver um "milagre" que nos poupe de tal "sina".

Vemos pessoas de todas as idades morrendo a nossa volta, mas não acreditamos de verdade que tal poderia ocorrer conosco, pois no fundo, achamos que somos "especiais", temos sempre muito a fazer ... Logo, não haveríamos de morrer antes de realizarmos nossos projetos...

Inobstante, assistimos pelo noticiário, vamos aos funerais, constatamos que pessoas morrem sem concretizar seus sonhos; homens morrem sem conseguir abandonar seus casamentos infelizes; mulheres morrem ser declarar seu amor às pessoas desejadas; jovens morrem antes de mostrarem ao mundo a que vieram; adultos morrem no auge de suas paixões; velhos morrem quando estavam perfeitamente saudáveis; crianças morrem ao saírem uniformizadas das escolas, num dia que deveria ser igual a todos os outros... Bebês morrem deixando pais inconsoláveis com a dor terrível de arrumar seus quartos vazios...

Contudo, os outros são os outros e conosco será diferente. Será? É óbvio que não. É claro que não temos o controle de absolutamente nada, por isso a total consciência da morte desenvolve a sabedoria e enriquece a vida dos poucos dispostos a se colocar frente a frente com a realidade.

Ou imaginamos que pessoas verdadeiramente conscientes de suas finitudes haveriam de perder um só dia de suas efêmeras existências pensando ou fazendo algo que não fosse bom, de verdade, para si, para os outros e para a sociedade?

Não dá para entender porque algumas pessoas conseguem ser sugadas pelos próprios delírios de sentirem-se talvez "poderosos" ou importantes demais, porque sabemos perfeitamente que o poder é solitário e aqueles que se sentem acima das pessoas puramente humanas não alcançarão a verdadeira felicidade, porque a felicidade é tão SIMPLES que os poderosos não a percebem e ao permanecerem encastelados nas grandes gaiolas em que se aprisionaram, perdem o que há de mais prazeroso em nossa passageira vivência, como uma reunião de amigos, uma conversa descontraída, uma viagem, uma prece, um filme, uma música, a alegria de compartilhar histórias, comidas, bebidas e experiências, um simples jogo de cartas, num ambiente em que se possa ser realmente o que se é, uma música e uma dança, tudo isso, tão simples, tão perto e as pessoas se despedaçando em busca de objetivos que não as farão felizes, sem se darem conta de que este precioso instante do presente é a única coisa que de fato possuímos. Só o hoje, o agora, este único momento.

O grande escritor português José Saramago definiu a espécie humana com sabedoria incomum dizendo que: "SOMOS TODOS UNS POBRES DIABOS". É verdade! Somos almas de crianças carentes em busca de amor, atenção e reconhecimento, pois de tudo que fica e bem lá no fundo, aquilo que realmente desejamos é tão somente sermos amados, simples assim, bem amados, apesar de tudo.

Ajudaria muito, se aprendêssemos a enxergar além da superfície, sob a máscara dura e fria, que às vezes por defesa, desilusão ou desalento criamos para nós mesmos, numa atitude de inexplicável incoerência, onde acabamos por repelir aqueles que na verdade desejaríamos atrair. Sabe-se lá porque ficamos aprisionados em tais armadilhas...

Cada pessoa traz dentro de si uma montanha de grandes pequenas tragédias e seguramente têm crescidos motivos para justificar suas fraquezas e somos TODOS vitoriosos por continuarmos tentando avançar com bravura, quando tantos sucumbiram pelo caminho.

Se eu pudesse algum dia ensinar algo a alguém a fim de que não precisasse sofrer o que eu sofri para chegar a tais descobertas eu diria: Não se deixem dominar por sentimentos inferiores, façam tudo com amor e sem esperar qualquer reconhecimento, viva ao lado de sua família, amigos e das pessoas que te amam de verdade e não se consumam em batalhas por sentimentos egoísticos, pois a vida é muito breve para ficarmos presos a bobagens. Afinal, com a face da morte sempre a nossa espreita, qual é a importância de se ser "importante"?Aliás, o que é ser "importante"? Alguém é poderoso? Quem? Por quanto tempo? Será que não há ninguém mais "poderoso" que o "poderoso"?

Sinceramente não acredito que estejamos aqui para tais divagações superficiais, pois seria amesquinhar demais a existência humana já que a felicidade é tão simples que o poderoso não a vê e o poder tão solitário que o amor não o alcança.

Ao descobrir que o único e verdadeiro sucesso que poderíamos almejar em nossa breve existência é a FELICIDADE, posto que, sem ela, pouco importa onde nosso velho e gasto corpo consiga chegar, pois seríamos todos fracassados, creio que devemos usar nossas energias para construí-la, porque a vida clama pelo que temos de melhor e é para servir e sermos verdadeiramente felizes que existimos.

Lindinalva Rodrigues Corrêa


[1] Irvin D. Yalom. A Cura de Shopenhauer. Ediouro.