1. 1.          EVOLUÇÃO HISTÓRICA  DA PRISÃO

As peculiaridades da aplicabilidade da Pena e da Prisão são nada mais do que a utilização do instrumento constitucional, considerando-se a necessidade de limitação ao arbítrio do poder estatal.

É de fundamental importância mostrar um estudo da contextualização histórica, desde o surgimento das primeiras instituições e dos primeiros institutos voltados a proteger o relacionamento entre as pessoas, destacando-se o jus puniend atributo do Poder Estatal, para ser possível entender a conjuntura político-social conseqüentemente estabelecer a razão com o seu objetivo originário.

O tema a ser abordado é de suma importância, haja vista a compreensão e abordagem do marco histórico, forma de implantação no texto constitucional, no ordenamento jurídico e a força com que é encarado diante da Pena através da Prisão e como é a relação jurídico-social do Sistema das Execuções, sem ferir o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, principio inerente ao Estado Democrático de Direito.

A relevância do tema é fazer um comparativo desde quando a humanidade se organizava em bandos de forma cuja autoridade era                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              natural, inexistia diferença de classes sociais e de instituições ao passo que durante a evolução foram aparecendo tribos e através da qual a humanidade ficou sedentária fazendo então surgir às primeiras instituições: Família, Propriedade e Religião organizada, contudo, ainda se via a inexistência de classes sociais correspondente ao estágio de Barbárie. Ao estudar as ciências históricas, conhecemos o passado para podermos explicar o presente e sermos veículos de cultura como lição para o futuro. Principalmente após o surgimento da escrita, das primeiras classes sociais e de novas instituições como o Estado, Guerra e Escravidão evoluímos politicamente, economicamente, socialmente e religiosamente. Com isso, deixamos de ser uma sociedade voltada para o nomadismo e passamos a integralizar uma sociedade com bases na organização do Estado.

A história da pena coincide com o ponto de partida da historia da humanidade uma vez que a prisão do indivíduo tinha por finalidade o cerceamento da sua liberdade, vislumbrando a ingerência do Poder e da vontade do individuo que ofendeu e porque ofendeu outrem. A pena através do aprisionamento somente era usada para evitar a fuga dos réus. A prisão não passava de uma medida preventiva. Penas, propriamente ditas, eram a morte, os castigos corporais, o exílio e os trabalhos forçados.

O sistema consistia com o desenvolvimento da evolução do Direito, razão pela qual incidiram as diferentes modificações a respeito da vingança penal, capaz de distinguir os seguintes estágios, para atender as necessidades de cada tempo. Esta representação se dá por meio das fases, da vingança divina; vingança privada; e vingança pública.

1.1.            FASE DA VINGANÇA DIVINA

Nesta fase o jus puniend, possuía cunho religioso na formação da aplicação da pena, tendo em vista que a punição era manifestada pela vontade dos Deuses, os delitos eram vistos como pecados, que atingiam a divindade, circunstância esta que “o temor religioso ou mágico, sobretudo em relação com o culto dos antepassados, cumpridores das normas, e com certas instituições de fundo mágico ou religioso”. Aníbal Bruno (1967, p.54).

Devido à forma contraditória do homem e do mundo com relação a pratica de magias nicromante que era nutrida pelos totens e tabus em caráter expiatório, assumindo as mais variadas formas de proibição, aproximação ou contato com algo considerado sagrado ou objeto proibido por temor de castigo divino ou sobrenatural, como um lugar, animal, vegetal ou qualquer símbolo de uma coletividade, em virtude do caráter sagrado, no entanto quem violava as normas divinas era considerado culpado ou o seu grupo era castigado, medida pela qual a repressão era a satisfação dos Deuses.

Para Canto,

A religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos. A repressão ao delinqüente nessa fase tinha por placar a "ira" da divindade ofendida pelo crime, bem como castigar ao infrator. A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas, “vis corpolis” era usada como meio de intimidação (CANTO, 2000, p. 12).

A vingança divina consistia numa ofensa aos Deuses, de fato que ao infrator punia-se para tornar puro e livrar das impurezas o seu grupo da macula trazida pelo crime. Uma das manifestações contra quem praticava o ato criminoso era aplicada o desterro como forma de expulsão do grupo e se tornando um inimigo daquela comunidade e principalmente dos Deuses, o sacrifício da vida do delinqüente consistia na pena de perda da paz. Uma vez perdida a paz, privava a pessoa que cometeu o delito do abrigo, do amparo e do auxilio do clã ficando o mesmo exposto a sua própria sorte. (MASSON, 2009).

Nader ressalta que,

As crenças religiosas formulavam as explicações necessárias. Segundo o pensamento da época, Deus não só acompanhava os acontecimentos terrestres, mas neles interferia, por sua vontade e determinações ocorreriam fenômenos que afirmavam os interesses humanos, Diante das tragédias, viam-se os castigos divinos; com a fartura, via-se o prêmio. (NADER 2008, p.23).

1.2.            FASE DA VINGANÇA PRIVADA

Diante do crescimento dos povos, após a vingança divina surge a vingança privada, consistente a uma reação natural e instintiva, decorrendo de um aumento populacional levando a humanidade a distinguir o fato natural em relação ao fato social mantendo laço afetivo com a comunidade a que pertence. O homem se sentia desprotegido quando estava fora da sua comunidade por causa da suposição de que a força dos Deuses e da magia poderiam lhe atingir facilmente, daí a nítida inter-relação entre a vingança divina com a vingança privada, em decorrência de que a lei do mais forte se sobreponha ao do mais fraco (GALVÃO, 2009).

Desse modo o direito do ofendido ou outra pessoa do seu grupo fazer justiça contra o agressor, seria a chamada vingança de sangue ou justiça pelas próprias mãos, culminando na propagação do ódio, conseqüência geradora das guerras entre as comunidades.[1]

Masson anota que: 

Inexistia qualquer proporção entre o delito praticado e a pena imposta, e, nesse sentido, envolvia desde o individuo isoladamente considerado até o seu grupo social, com sangrentas batalhas, causando, muitas vezes, a completa eliminação das tribos”. (MASSON, 2009, p. 45).

Ressalta ainda que a desproporção da vingança ao crime praticado atingisse como retribuição não se poupava crianças, doentes, idosos, animais ou coisas, atingia todos do grupo a qual o infrator pertencia

Nesta fase, face ao crescimento dos grupos e para evitar a destruição desses grupos surge uma regulamentação denominada de Lei do Talião, com o propósito de igualar e dá proporcionalidade ao tratamento entre autor e réu, sendo a primeira tentativa de humanização da sanção penal. Nos ensinamentos de Masson (2009, p. 46), – “O Código de Hamurabi: Artigo 209. Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos[2] pelo feto; artigo 210. Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele”. Segue no mesmo ensinamento com relação ao Êxodo dos Hebreus: “Aquele que ferir, mortalmente, um homem, será morto”. Ainda nos ensina que a Lei das XII Tábuas refere-se da seguinte forma: “Se alguém difama outrem com palavras ou cânticos, que seja fustigado”, como também, “aquele que matar o pai ou a mãe, que se lhe envolva a cabeça e seja colocado em um saco costurado e lançado ao rio” (MASSON, 2009, p. 46).   

Canto assinala que:

A vingança privada, com o evoluir dos tempos, produziu duas grandes regulamentações: o talião e a composição. Apesar de se dizer comumente pena de talião, não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar no delinqüente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção (CANTO, 2000, p. 8).

No passar dos tempos quando nas comunidades se viam populações deformadas devido a um grande número de infratores, a tendência foi implantar um sistema de composição, que era proposto uma forma de conciliação entre o infrator e o ofendido, resultando uma forma de reparação pelo dano causado. Por sua vez o ofensor, comprava sua liberdade, tal instituto foi adotado pelo Código de Hamurabi, de Manu e mais tarde pelo Direito Germânico. (VICENTINO, 2004).

1.3.            FASE DA VINGANÇA PÚBLICA

Com o surgimento das antigas civilizações no Crescente Fértil[3] onde a economia era a base agrícola, as Monarquias eram absolutas e teocráticas inexistindo a propriedade privada e as terras eram do Estado, o que nos motiva é conhecer o passado que a autoridade do soberano era muito arbitrária e a vontade do povo era tolhida simplesmente em aceitá-las. Nesse sentido, Marimelia Martins, registra que: “O Estado avoca o jus puniendi, o poder-dever de manter a ordem, a segurança social, a divisão social do trabalho, responsável pela estrutura socioeconômica e administrativa” (MARTINS, 2008, p. 16).

Esta fase teve como atributo garantir a autoridade do Soberano no que diz respeito à aplicação da sanção penal, arbitrária, cruéis e desumanas, muitas das vezes, eram aplicados o esquartejamento, a roda, a fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e amputações, entre outras, estas eram as características do direito penal daquela época (MASSON, 2009).

No Egito, a organização das atividades era atribuição do Estado detentor das terras, devido ao seu quadro natural e das primeiras aldeias à margem do rio Nilo constituindo os Nomo, comunidades autônomas que se desenvolveram através do aprimoramento de técnicas agrícolas, que resultaram na formação do Estado com a reunião de territórios formados por dois reinos, o reino do Alto Império e o do Baixo Império, mais tarde sofreu uma unificação se tornando o primeiro Estado unificado da historia, subordinando os diversos Nomos. Os Monarcas se tornaram os representantes do poder central com diversas atribuições, administrativas, políticas e jurisdicionais (GALVÃO, 2009).

O exercício da justiça consistia na aplicação de regulamentos e regras desenvolvidas pelo Faraó com auxilio de um conselho chamado de Kembet a at, com finalidade jurídica social e filosófica, no sentido de alcançar a justiça, a verdade e a ordem, para aplicabilidade das penas aos infratores que nesta época não se dissociava dos demais povos como, por exemplo, a pena de morte, fogueira, amputação, decapitação, entre outras.

Nesta fase a pena assume caráter público, onde os ofendidos não necessitavam mais de recorrer às suas próprias forças, o Estado de forma impessoal decidia as questões posta a análise, mesmo ainda que de maneira arbitrária.

A Evolução política dos povos da Mesopotâmia, onde a estrutura governamental aristocrática era exercida pelos Sacerdotes e Funcionários Públicos. Ao longo do tempo, seus habitantes se desenvolveram, às margens dos rios Tigres e Eufrates, inserida na área do Crescente Fértil onde surgiram grandes núcleos urbanos, através dos mais antigos povos da humanidade como os Sumérios, Acádios, Amoritas que se unificaram nas Cidades-Estados a exemplo de Ur, Uruk, Nipur e Lagash, que idealizaram um dos primeiros Códigos do Ordenamento Jurídico e através do rei da Babilônia Hamurabi, quando realizou a unificação de todos os povos transformando a capital Babilônica em um dos principais centros da Antiguidade e apresenta-se um completo Código de Leis e procedimentos jurídicos e determinações de penas para uma vasta gama de crimes, denominado de Código de Hamurabi, parte do princípio de que as penas tinham o caráter de punições idênticas ao crime cometido, levando em conta o princípio da Lei de Talião “olho por olho, dente por dente”, previa também penas para as práticas de crimes contra a honra, falso testemunho, patrimônio, lesões entre outros. Para Vicentino (2002, p. 34), “A esposa que odeia seu marido e diz: Tu não és meu marido, deve ser lançada ao rio com pés e mãos amarrados ou ser jogada do alto da torre do recinto”.  Os povos da antiguidade nos dão uma visão clara de que o foco central do poder estava nas mãos dos governantes que recebiam dos Deuses.

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[1] MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 3.

[2] Siclos é uma antiga moeda dos hebreus, de prata, cujo peso equivalia a seis gramas.

[3] Terras entre os rios Tigre e Eufrates, Mesopotâmia estendia-se desde os montes Zagros no Irã, a leste, até os desertos da Arabia, a oeste, contando com os rios que desciam das montanhas em direção ao golfo Pérsico.