1. 1.     BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO.

Para uma compreensão melhor da união estável se faz necessária uma análise de sua evolução histórica, especialmente para compreender os movimentos sociais, bem como o importante auxílio da jurisprudência através do ativismo judicial, que levaram a seu reconhecimento.    

O reconhecimento da união estável é resultado das mudanças no comportamento da sociedade ao longo dos anos, onde se passou a admitir como família, a união de pessoas tão somente pelo afeto, independente de regulamentação em cartório ou até mesmo diversidade de sexos, sobrevindo o reconhecimento constitucional das diversas formas de famílias, sejam elas, homoafetivas, pluriparentais, monoparentais e paralelas.

Apesar do legislador tentar coibir a união não formalizada em cartório, tais vínculos afetivos existem desde os primórdios da sociedade, sendo tão corriqueiro que a indiferença por parte do legislativa era impossível.

 

Com a evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais acabaram merecendo a aceitação da sociedade, levando a constituição a dar nova dimensão à concepção de família e introduzir um termo generalizante: entidade familiar. Alargou o conceito de família, passando a proteger relacionamentos outros além dos constituídos pelo casamento. Emprestou juridicidade aos enlaces extramatrimoniais até então marginalizados pela lei, Assim, o concubinato foi colocado sob regime de absoluta legalidade.

 

O código cível de 1916, além de se omitir em regular a união estável, estabeleceu normas com caráter punitivo para as pessoas que não contraíssem o casamento, “proibindo, por exemplo, doações ou benefícios testamentários do homem casado à concubina, ou a inclusão desta no contrato de seguro de vida” é o que afirma Carlos Alberto Gonçalves (2009, p.548).

Silvio Rodrigues apud Carlos Alberto Gonçalves (2009, p.548), afirma que,

 

Talvez a única referência à mancebia feita pelo Codigo Civil revogado, sem total hostilidade a tal situação de fato,tenha sido a do art.363,I, que permitia ao investigante de paternidade a vitória na demanda se provasse que ao tempo de sua concepção sua mãe estava concubinada com o pretendido pai. Neste caso, já entendia o legislador que o conceito de concubinato pressupunha a fidelidade da mulher ao seu companheiro e por isso, presumia, juris tantum, que o filho havido por ela tinha sido engendrado pelo concubino.

 

Com o passar do tempo alguns direitos do concubino foram reconhecidos, a começar pela legislação previdenciária e, posteriormente, o direito a meação dos bens adquiridos pelo esforço comum, tendo em vista a preocupação do legislador em tolher o enriquecimento ilícito, por parte de um dos conviventes.

Os registros históricos revelam que a união afetiva livre, sempre existiram, inclusive era muito comum entre os povos da antiguidade, sendo que tal pratica não era reprovada, haja vista homens influentes, também praticarem. Assim indica Rodrigo da Cunha Pereira (2012, p.13 e 15 )que, “a velha história grega está crivada de concubinatos célebres”, destacando ainda importantes relacionamentos que,

 

Tiveram nobre atuação na cultura dos gregos, notadamente Aspásia, que ensinou retórica, em aulas próprias, a um grande número de alunos, inclusive velhos gregos. Antes de viver com Péricles, Aspásia tornara-se concubina de Sócrates, e depois da morte deste, de Alcebías”.

 

Mais adiante com advento do Cristianismo, a união Informal, passou a ser combatida. Lembra Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald (2011, p.29), que o Concílio de Trento, em 1563, condenou o relacionamento extramatrimonial”. Apesar  disso nunca deixou de existir, “sendo admitida sob o ponto de vista jurídico, reconhecidos os seus efeitos primeiramente em sede jurisprudencial e, posteriormente, em sede legislativa”.

Esse quadro começou a se inverter a partir da Idade contemporânea, quanto os tribunais franceses passaram a apreciar as pretensões das concubinas sob o aspecto econômico e, posteriormente, em 16 de novembro de 1912 editam a primeira lei francesa sobre o concubinato, nesse sentido, afirma Rodrigo da Cunha Pereira (2011, p.13):

 

O marco importante da idade Contemporânea no aspecto jurídico, e que é diferenciador de outros tempos, é que os fundamentos de proteção à concubina eram vinculados somente a uma relação comercial entre homem e mulher, mas sempre à margem do Direito de família. A partir desses julgados franceses, instalou-se uma nova concepção jurídica para o concubinato.

 

No Brasil, o relacionamento não formalizado nunca foi tido como crime ou contravenção penal, mas não era reconhecido como modalidade de família, e regulavam-se apenas seus efeitos no âmbito das obrigações. Nesse sentido afirma Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, que:

 

O Código Civil de 1916 somente reconheceu o casamento como entidade familiar, sequer admitindo a existência de união extramatrimonializada. naquela ambientação, o casamento era a única forma de constituição da chamada ”família legítima”, sendo, portanto, “ilegítima” toda e qualquer outra forma familiar, ainda que marcada pelo afeto. Comprovando essa ideia, os filhos nascidos de pessoas não casadas entre si eram chamados de “filhos ilegítimos” e não possuíam os mesmos direitos dos que eram reconhecidos aos “legítimos.

 

Considerando-se que nessa época o casamento era indissolúvel, muitas pessoas que não conviviam mais matrimonialmente de fato, uniam-se com outra pessoa afetivamente, sendo que esta não era permitida formalizar, tal instituto foi intitulado de concubinato. Que por sua vez segundo Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald (2011, p.448), era a “união entre homem e mulher sem casamento, seja porque eles não poderiam casar, seja porque não pretendiam casar.”

De tais relações surgiram obrigações, e as pessoas passaram a recorrer ao judiciário, obrigando uma manifestação judicial. Nesse senário o STF editou a Sumula 380 que dispõe: ”comprovada à existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

Os concubinos não tinham direitos aos alimentos, haja vista não ser reconhecida sua natureza familiar, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald (2011, p. 450), afirma que:

 

A jurisprudência brasileira, inspirada no entendimento acolhido pelos tribunais franceses, passou a reconhecer-lhes o direto a uma indenização por serviços domésticos (caseiros, tais como lavar, passar, cozinhar etc.) e sexuais prestados. Travava-se de uma maneira efetiva e concreta de conceder algum tipo de direito às pessoas que, por lei. Não teriam direito a nada.

 

Após a edição da sumula 380 do STJ, outros direitos foram sendo reconhecidos gradativamente na jurisprudência como o direito a participação no inventário. As reiteradas decisões dos tribunais forçaram a edição de normas pelo legislador.

A Constituição Federal/88 seguindo de forma dinâmica o fato, valor e norma, adequando-se ao interesse social reconheceu a união estável como entidade familiar, dotada inclusive de proteção estatal, onde sua conversão deve ser facilitada, por força do art. 226, §3°9, posteriormente, foram editadas as leis de n°8.971/94, que veio a disciplinar o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão, e a lei n°9.278/96 também visando regular o art.226, §3° da Constituição, de acordo com Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald:

 

Finalmente, com o advento da constituição da república, propiciamente apelidada de “constituição-cidadã”, o velho concubinato foi elevado à altitude de entidade familiar, passando a se submeter à normatividade do direito das famílias e, principalmente, ganhando especial proteção do Estado- a mesma dispensada ao casamento. Por óbvio, o concubinato que foi alçado à caracterização de família foi o “concubinato puro”, passando a ser chamado de união estável, exatamente com a intenção de evitar estigmas ou preconceitos.

 

Contudo, o enlace entre o homem e a mulher com intenção de constituir família, entretanto não formalizada em cartório deixou de ser chamado de concubinato para chamar-se de união estável. Entende Cristiano Chaves de Farias; Nelson Rosenvald (2011, p.450), que, “o instituto foi mudado visando retirar o estigma da dupla conotação trazida pela palavra concubinato”, bem como evitar o preconceito por parte da sociedade.

 

 

1.2         Direito Francês:

A França foi um dos países, que mais contribui para uma grande conquista normativa do reconhecimento da união estável. Completamente envolvidos com pensamentos iluministas, romperam com os pensamentos canônicos, e aos poucos permitirão o reconhecimento das uniões afetivas não reconhecidas em cartório ou com a benção da igreja.

Foi a partir da primeira metade do século XIX, que começaram a surgir às mudanças, quando os tribunais da França recebiam e analisavam as pretensões dos concubinos, porem em caráter estritamente econômico, não familiar, Rodrigo da Cunha Pereira (2012).

Segundo Moura Bittencot apud Rodrigo da cunha pereira (2012, p.34), o julgado de 1883, do tribunal de Rennes, é o marco inicial da atual doutrina.

Vejamos o que afirma, Rodrigo da cunha pereira (2012, p.34):

 

A partir daí, as decisões dos tribunais franceses passaram a ter a mesma orientação, tornando a jurisprudência o referencial dos princípios da sociedade em participação, sociedade universal de ganhos ou sociedade de fato e do enriquecimento sem causa.

 

Porem até este momento, o direito que vinha sendo reconhecido ao concubino, ainda ere em face dos tribunais, somente em 16 de novembro de 1912, foi editada a primeira lei que versava sobre a presunção de paternidade dos filhos havidos na constância do casamento, encorajando diversos outros doutrinadores e legisladores a reconhecerem os direitos dos concubinos.

Rodrigo da Cunha Pereira (2012, p.35), afirma que “a França é a pátria do direito concubinário. Sua importância histórica influenciou todo o direito ocidental, especialmente o brasil”.

Alega ainda que:

 

O código Napoleônico adotou uma posição abstencionista em relação ao concubinato, influenciando com isso vários países europeus e americanos no século XIX. Apesar disso, é mesmo a França, por intermédio de seus julgados a partir do final do século XIX e da lei de 16 de novembro de 1912, que modifica o art. 340 do Código Civil, a prataria do concubinato e polo irradiador dessas concepções para diversos países.

 

Em 2 de janeiro de 1978, uma nova lei francesa foi aprovada, essa equiparando o cônjuge ou companheiro em matéria de seguridade social por enfermidade e maternidade, Rodrigo da cunha pereira (2012).

Em 5 de novembro de 1999, a França deu mais um grade salto revolucionário, ao editar a Lei de n° 99.944, instituindo o Pacto Civil de Solidariedade (PACS), que era agregado ao Código Civil.

O PACS, para ter validade tinha que obedecer a condições formais e materiais. A formal dizia respeito à maioridade cível, não ser casado, não ter nenhum parentesco, ou seja, não poderia haver os impedimentos para o casamento, à segunda dizia respeito à apresentação pessoal no tribunal e outras formalidades.

Também havia a previsão para a contratação entre pessoas de mesmo sexo, com afirma Rodrigo da cunha pereira (2012, p.41):

 

À primeira vista, ele contém uma definição expressa sobre o concubinageme estabeleceu que a convivência more uxório também pode ocorrer  entre pessoas do mesmo sexo. Também instituiu o pacto de convivência, no art.515-1, como um “contrato concluído entre duas pessoas físicas, maiores, de sexos diverso ou do mesmo sexo, para organizar a sua vida em comum.

 

Estabeleceu também, quanto a divisam patrimonial dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, possibilitando também clausulas que excluíssem a presunção dos bens adquiridos após o contrato, desse modo esclarece Rodrigo da Cunha Pereira (2012, p.41):

 

Estabeleceu, também, que os bens adquiridos a título oneroso, após a elaboração do pacto, presumem-se de ambos os parceiros, salvo se a convenção tenha excluído as aquisições patrimoniais dessa presunção ou tenha disposto diversamente.

 

Com tudo, a França foi a grande propulsora, do reconhecimento da união estável, nos demais países, sendo pioneira inclusive na regulamentação das uniões homoafetivas, estimulando muitos outros países.

 

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