Evangelho segundo S. João

– Parte 1 – Reflexão sobre o Prólogo –

Porque amiúde se lê ou fala do prólogo do evangelho de João sem que verdadeiramente compreendamos o que se diz e pretende dizer, porque é um dos mais citados excertos bíblicos, que a maioria das pessoas conhece ou já ouviu, embora não sabendo o significado e porque me foi lançado este desafio, apresento uma breve análise aos primeiros dezoito versículos do Evangelho de São João, contudo, primeiro, enquadremos João, a águia do Senhor[1].

João era o mais novo dos 12 discípulos, era o discípulo que Deus amava, pescador como seu irmão Tiago Maior[2], em provável sociedade com André e Pedro e foi ele, juntamente com Tiago, o Justo (Menor) e Pedro, quem recebeu a Gnose de Jesus após a sua ressurreição.

O facto de João ser o discípulo amado do Senhor[3], de também ser um dos três que alegadamente receberam a Gnose do Cristo, após a sua ressurreição, e a circunstância da nossa amada Ordem[4] o citar em rituais e fazer dele um personagem de referência, tornam-no um sólido pilar do cristianismo.

A ideia central do prólogo de São João, bem como de todo o seu evangelho, é assegurar a divindade de Jesus e que Ele, por esse mesmo motivo, era ou representava a Palavra de Deus, e é assim, à luz desta tese, que olhamos para os primeiros 18 versículos que passo a citar, por partes:

No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus Jo 1:1.

O que daqui retiramos é que no princípio, entenda-se antes da criação, o que existia era o Verbo. Ora se já existia o Verbo, sempre existiu alguma coisa, neste caso o Verbo, incriado e eterno, logo se incriado e eterno, Ele, o Verbo, só poderá ser o próprio Deus – e o Verbo era Deus

O Verbo! Conhecemos a palavra – tempo de verbo – verbo deriva de verbum e verbum significa palavra e daqui subentende-se que a palavra estaria ou faria parte da eternidade o que, à primeira impressão, é pouco esclarecedor. Contudo, a palavra, ou a linguagem que é o seu conjunto, é o resultado do pensamento e por outro lado a Criação e o Mundo foram feitos pela palavra, e disse Deus: Haja luz; e houve luz, E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus a separação entre a luz e as trevas (Gn 1:3-5). Portanto este verbo-palavra é uma palavra criadora resultante de um logos, de um pensamento, donde resulta que o Eterno será, ou antes, já era, pensamento e logos.

Leiamos, atentamente, os versículos 1 e 2 para entendermos melhor:

No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus Jo 1:1.     

Ele estava no princípio com Deus Jo 1:2.

Neste ponto o excerto não fala em Jesus nem tampouco afirma que Jesus é Deus, pelo menos no tempo presente, ou seja, no tempo de hoje, àquela época, quanto muito afirma que o Cristo era Deus uma vez que conjuga o verbo “ser” no pretérito; portanto, se Jesus, em algum momento foi, ou é Deus, Ele já o era no passado e não só ou apenas, no tempo presente, hoje, ou à época. Temos de nos adiantar na reflexão para melhor perceber esta interpretação.

Note-se que o versículo 2 parece repetir parte do 1º, mas na verdade o texto não está repetido. João apresenta um conceito mais profundo que podemos perceber pela análise da palavra princípio que aparece nos dois versículos.

No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

          

Ele estava no princípio com Deus.

A palavra “princípio” do 2º versículo não expressa o mesmo tempo da palavra “princípio” do 1º versículo, isto é, o versículo 2 remete-nos para outro tempo, diferente. Para melhor entender esse conceito precisamos ter em consideração que nas Bíblias mais antigas, a palavra “com” está traduzida pela palavra “em”, i.e, em vez de estar traduzida “com Deus”, está traduzido “o Verbo estava em Deus”. Sendo assim, o 1º versículo dirá que algo estava no princípio com Deus, enquanto o outro versículo estabelece que ele estava com Deus em outro princípio, neste caso, provavelmente o da Criação.

Mas continuemos. O 3º versículo diz que Todas as coisas foram feitas por intermédio Dele (do Verbo), e, sem Ele (Verbo), nada do que foi feito se fez, o que nos coloca o Verbo como princípio criador, em adição à palavra ou verbum criador que vimos antes.

Continuemos com os versículos seguintes: Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens, E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. O que nos diz ´que o Ele criador continha a Vida e a Luz, que a Luz no Fiat Lux primordial resplandeceu das trevas (…a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas [Gn 1:2]) mas que a Luz não foi compreendida pelas trevas e aqui porque Deus viu que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas (Gn 1:4) atrevo-me a dizer que estas trevas não são as da Criação e sim as mesmas trevas que toldam as mentes e espíritos dos não iluminados nem iniciados, que neste caso terão de ser aqueles que rejeitaram Nosso Senhor Jesus Cristo, uma vez que o versículo 11 diz Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.

Mas são precisamente os versículos anteriores ao 11º que, ao abordarem João Baptista, esclarecem e cito: Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João (Baptista). Este veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele. 8 Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz. 9 Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo. 10 Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu(Jo 6-10) …E o Verbo se fez carne e habitou entre nós... (Jo 14)

E ao concluir desta forma faz a ligação entre Jesus, o Cristo[5] e o Verbo, afirmando a sua inequívoca divindade, já que afirma Jesus Cristo como sendo: 1) enviado de deus, 2) a Luz … verdadeira, 3) que fez o Mundo e 4) como Verbo (o tal do princípio) se fez carne. Ainda mais adiante reitera categoricamente: E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. 15 João testificou dele, e clamou, dizendo: Este era aquele de quem eu dizia: O que vem após mim é antes de mim, porque foi primeiro do que eu (Jo 14-15), presume-se eterno e para que não haja dúvidas esclarece-se que 1) é filho do Pai, porém 2) é o Verbo do princípio, que neste (naquele) momento se tinha feito carne, i.e. aparecido como Homem e voltando ao início estava contido no Pai e dele fazia parte intrínseca não sendo assim outra entidade mas sim a mesma e parte dela.

Em conclusão o prólogo estabelece a Divindade de Cristo e a divindade da sua pregação como sendo a palavra de Deus.

(continua)

 

Pedro M. Santos Pereira

Cascais 5/02/2014

Evangelho segundo São João


1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

2 Ele estava no princípio com Deus.

3 Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

4 Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

5 E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.

6 Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era João.

7 Este veio para testemunho, para que testificasse da luz, para que todos cressem por ele.

8 Não era ele a luz, mas para que testificasse da luz.

9 Ali estava a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem ao mundo.

10 Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o conheceu.

11 Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.

12 Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome

13 Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.

14 E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.

15 João testificou dele, e clamou, dizendo: Este era aquele de quem eu dizia: O que vem após mim é antes de mim, porque foi primeiro do que eu.

16 E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça.

17 Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.

18 Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou.



[1] Águia porque S. João representa a faceta mais espiritual do cristianismo e portanto eleva-se nos céus  e a aproxima-se da luz do Sol como o faz a águia.

[2] Sendo este Tiago filho de Maria irmã da outra Maria mãe do Senhor, e por isso primo-irmão, também chamado de irmão de Jesus Cristo

[3] É ele que no quadro da última ceia repousa a cabeça no peito de Jesus

[4] Entre outras de pendor crístico.

[5] O Cristo era o Messias