EUTANÁSIA: PELAS VEREDAS DA VIDA E DA MORTE

 

Pablo de Jesus Pereira[1] 

 

RESUMO

O presente estudo visa a verificar se os direitos da personalidade possibilitam a fundamentação técnico-jurídica da prática da eutanásia à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Para esta análise serão considerados os postulados do Direito Positivo – Constituição Federal, Códigos Civil e Penal Brasileiros - que tutelam os direitos da personalidade jurídica, estes, aqui, contrapostos à inquietação social que se divide entre favoráveis e contrários ao contexto geral da prática da eutanásia, e ainda o entendimento de estudiosos do assunto, de doutrinadores do Direito acerca da questão em destaque. Discuti-se a prática da eutanásia sob a ótica dos direitos da personalidade resguardados pela Lei brasileira, no entanto, não se descarta, nesta analise, a opinião da sociedade, principal interessada no assunto, ao se tratar de um bem fundamental, propriedade indiscutível do cidadão: a vida. Intenta-se, por fim, à luz do Direito e visando à justiça observar se a eutanásia seria aceitável como método clínico a pacientes em estado de saúde terminal ou vegetativo. Para isso, serão elencados conceitos técnicos da eutanásia, a fim de melhores esclarecimentos sobre seus efeitos, já que é subdividida em três as modalidades de morte terapêutica: eutanásia, distanásia e ortotanásia.

 

A EUTANÁSIA

Comumente conhecida como morte boa, piedosa ou morte necessária para enfermos portadores de doenças degenerativas em estados terminal ou vegetativo, essa prática ainda causa assombro e dúvidas quando se discuti sua aplicação em um parente, em uma pessoa próxima ou conhecida. Tal dúvida e assombro se dão por se tratar da técnica médica que culmina com a morte, fato indesejado por esta sociedade.

Nota-se que os questionamentos, favoráveis e contrários, nascem no campo da dúvida e das incertezas; a sociedade questiona a viabilidade de uma prática que resulta naquilo que tanto teme: o fim da vida. Contudo, há também um vazio que não se pode descartar: o conceito e resultado da eutanásia. É necessário que se esclareça a eutanásia considerando-se seus conceitos técnico-práticos e, primordialmente, seus resultados. E

Todo esse dilema traz a baila uma primeira consequência inexaurível: a vigência de um paradigma de morte é discutível o bastante para se duvidar da possibilidade de adotá-lo como fiel da balança, em assunto tão delicado e com implicações tão vastas. Mas por outro lado, a não referência a um paradigma pode originar consequências inaceitáveis para prática clínica. (BATISTA & SCHRAMM, 2004, p. 37)     

            Encontra-se aqui um viés que bifurca as opiniões, pois não se determina precisamente a morte; seu mistério. Por assim o ser, embora pensem em tê-la como terapia, escandaliza porque não se sabe sobre o pós-morte. Esta sociedade que questiona sobre a prática da eutanásia é ortodoxa e presa a valores antropológicos enraizados em seu si. Vale lembrar que há tempos a morte era um rito, o iminente morto se preparava para morrer e organizava a cerimônia de sua morte, a comunidade periférica participava do seu processo de morte.

Durante a idade média e meados do século XVIII, havia uma relação de proximidade entre vivos e mortos na Europa. A morte era pública e o morrer em casa, próximo a familiares e amigos, era o essencial. No Brasil colonial acontecia da mesma forma, a morte era vista. As pessoas eram veladas em casa e enterradas nas cercanias das igrejas em solo sagrado pertencente as suas irmandades, estando assim mais próximo de Deus e da salvação eterna. Os cortejos fúnebres cortavam a cidade, quanto mais influente e rico o defunto, maior a pompa e o número de pessoas nos seu funeral. [...] as formas de “bem morrer” estão ligadas a todas as vontades, os desejos do moribundo (recebimento da extrema-unção, realização de rituais de passagem para o “Além”, escolha do local de seu sepultamento) e também a seus medos (durante muito tempo a boa morte significava em não morrer de maneira súbita). Veremos que inicialmente não se temia a morte e ela era tida como algo muito simples, (TAVARES, p. 2-3)

Hoje, diferentemente de outrora, não se fala em morte por temê-la e preparar-se para morrer é algo que causaria estranhamento nesta sociedade.

            A eutanásia, mesmo quando analisada dentro dos preceitos médicos, encontra-se dissenso, pois é dos médicos o ofício de cuidar para talvez curar. A prática da eutanásia distancia longamente dessa filosofia de trabalho. Logo, para conceber-se um entendimento sobre a possibilidade de aplicação da eutanásia médica, é necessário entendê-la e suas variáveis.

A eutanásia deriva de “eu = bom, thanatos = morte” (OLIVEIRA, 1997, p. 22), portanto, morte boa. Também chamada de homicídio piedoso. “É qualquer abreviação da vida comissiva ou omissiva por fim de compaixão. Não se exige situação de terminalidade.” (PEREIRA e SANTOS JUNIOR, 2012).

A ortotanásia

é a morte certa. É quando o médico para de tentar curar (A conduta e o juramento do médico são em relação ao cuidado e não à cura). É a renúncia a tratamentos inúteis e dolorosos em prol de cuidados paliativos aos portadores de doenças graves e irreversíveis em processo terminal (PEREIRA e SANTOS JUNIOR, 2012).

            Já a distanásia

é a morte errada. Tembém chamada de obstinação terapêutica. É a imposição de tratamentos inúteis e que provocam sofrimento aos pacientes; tentativas de adiar o movimento da morte. Encara a morte apenas no seu aspecto biológico, a custa de toda e qualquer qualidade de vida. (PEREIRA e SANTOS JUNIOR, 2012).

            Entendendo-se as três principais modalidades de morte terapêutica e suas reais finalidades: acabar com o sofrimento de um moribundo sem expectativas de sobrevida, com a morte, salvo a distanásia, atenta-se para uma importante questão de ordem psicológica que se dissolve cogitar-se a eutanásia como posologia clínica. Muito antes de querer-se a morte, quer-se a vida, sobretudo gozando de boa saúde física e psicológica, o pensar em morte é reflexo de uma mente atormentada pelo sofrimento físico e pela pressão psicológica da possível proximidade da morte causada pela fragilidade física. Pensar em morte para um doente é desviar o foco da questão e excluir alternativas. A morte é certa. Há de se pensar no prolongamento da vida, pois ainda que paliativos, os métodos clínicos para esses casos com o processo evolutivo da ciência médica tendem a melhorar e, com isso, diminuir o sofrimento daqueles que lutam pela vida e não por uma morte.

A TUTELA DA VIDA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

            A vida, dentre outro bens, é resguardada pelo ordenamento jurídico no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifos deste autor).

            Nos termos supra destacados atentem-se para os dois bens tutelados que, nesta análise se fundem. A propriedade; bem verdadeiramente reconhecido pela norma jurídica abarca em seu bojo a vida como principal elemento que a pessoa humana pode possuir. Dessa forma, a vida e a propriedade, à luz da Lei Máxima brasileira, são bens fundamentais e invioláveis.

Observando-se os direitos da pessoa humana, destaca-se, para este estudo, a necessidade de esclarecimento do postulado do Direito Positivo sobre conceito de vida jurídica. Para o Código Civil Brasileiro 2002 A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.(grifo deste autor). Tão logo, ressalta-se que não se observa o processo pré-natal, de gestação. Observa-se aqui o início da vida jurídica predita no Código Civil Brasileiro e o reconhecimento à pessoa humana os direitos invioláveis e intransferíveis. Não se encaixa neste contexto quem está para nascer: os nascituros, e sim todos os nascidos tutelados pelo Direito Positivo. Logo, “a sociedade é composta de pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objeto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa.” (VENOSA, 2010, p.125), neste caso quem veio à vida.

A síntese extraída da CRFB/88 e do Código Civil Brasileiro que vigem e orientam os cidadãos sobre o direito ao curso social, moral e natural da vida, contrapõe-se, novamente, ao título desta análise que busca no próprio ordenamento jurídico legitimidade para a prática da eutanásia e, neste sentido, perante o conceito natural e técnico de vida e de morte, suas conclusões ignorariam suas premissas.

Como relatado, pela eutanásia dá-se a morte. Mesmo que entendida como uma morte necessária e terapêutica, aponta-se para o fato: morte, fim da vida, violação do direito à vida; direito constitucionalmente resguardado que, por um viés social, encontram-se em questionamento.

Considera-se, ainda, para este rol de discussões, o ilícito jurídico caracterizado pelo descumprimento da Constituição Federal e demais diplomas do Direito Brasileiro. Coerente, neste caso, a análise da penalização daqueles que executarem a eutanásia e, em consequência disso, praticar o que tipifica o Art. 121 do Código Penal Brasileiro: Matar alguém. Ainda o Art. 122 CP Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça e o Art. 123 CP: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após todos fazem referência direta a atentados contra a vida, são considerados crimes e passíveis de implicações penais a quem lhes inobservar.

Diante dos atos legais acima expressos, constata-se que não há no ordenamento jurídico brasileiro lei que endossa a prática de uma atividade que culmine com a morte, pelo contrário, o Direito brasileiro, em sua concretude, protege a vida em todos os sentidos, resguarda a integridade física e moral dos cidadãos, o que se conduz, sumariamente, ao entendimento de que o cuidado necessário e possível é ainda o método a se utilizar nos extremos casos de doenças que incitam a instituição médica a tomar providência técnicas que colidem com o propósito do tratamento.

Desconsiderar, de toda forma, a prática da eutanásia é ignorar o clamor social e se firmar no Direito posto, velando o objetivo primeiro do Direito que é fazer justiça para uma sociedade politicamente organizada. A sanção pela prática da eutanásia seria, portanto, vã. A pena não teria caráter regulador, coercitivo e/ou de expiação, pois não haveria, nesse caso, atento ao desejo social, desvio de conduta e sim a adoção de uma nova conduta perante a nova visão social. Contudo, a aceitação da eutanásia como prática médica, além de, aparentemente, se configurar como inconstitucional, abre precedentes para tratamentos que, de certa maneira, manuseiam a vida, provendo a morte.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. São Paulo: Rideel, 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997, p.17 – 24.

PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Problemas atuais de Bioética. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1997, p. 295 – 307.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Parte Geral. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

SIQUEIRA-BATISTA; SCHARAMM, Fermin Roland. Conversações sobre a “boa morte”: o debate bioético acerca da eutanásia, Rio de Janeiro, 2005.

TAVARES, Thiago Rodrigues. Um ritual de passagem: o processo histórico do “bem morrer” Disponível em: http://www.ufjf.br/graduacaocienciassociais/files/2010/11/Um-ritual-de-passagem-o-processo-hist%C3%B3rico-do-bem-morrer-Thiago-Tavares.pdf. Acessado dia 14 de maio de 2014.

 

 



[1] Pablo de Jesus Pereira - [email protected] - Acadêmico de Direito das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros – MG.