Éverton Fernandes Cordeiro*

Marcela Fernanda de Souza*

Maria Aparecida Fernandes*

Eutanásia: Do grego: eu, “boa”, thanatos, “morte” – Boa morte, sem sofrimento, sem dores e angústias, em paz. Esse termo passa por uma evolução semântica no decorrer da História. Por isso, a história da eutanásia se divide em três épocas: Eutanásia ritualizada (período Greco-romano): ritualização da morte como um dos grandes acontecimentos da existência humana. Eutanásia medicalizada: a partir de Francis Bacon (1561-1626), o termo ganha um novo sentido de prestar atenção em como o enfermo pode deixar a vida de maneira mais fácil, um tratamento adequado às doenças incuráveis. Eutanásia autônoma: a partir pós-Guerra, é a atual situação do debate sobre eutanásia, onde as discussões se centram no direito dos enfermos de decidirem sobre o seu morrer e ao não prolongamento de seu sofrimento. Diferente dos dois anteriores, onde o desejo do paciente ficava sempre em segundo plano, submetido à decisão de terceiros – motivos sociais, políticos, médicos, eugênicos, etc. –, esse último período está baseado no princípio da autonomia, o respeito aos direitos dos enfermos à sua própria morte, na consciência de sua iminência (PESSINI E BARCHIFONTAINE, 1997).

Tecnicamente, eutanásia se refere ao ato de um médico por fim à vida de um paciente terminal a pedido do mesmo, nesse caso uma eutanásia ativa, positiva, direta, também chamada de morte piedosa ou suicídio assistido. Eutanásia passiva, negativa, indireta, consiste na omissão ou não-aplicação de uma terapia médica que possibilitaria prolongar a vida do enfermo, sem esperanças de vida. Diferentemente, a distanásia (do grego dis, “má”, morte sofrida e penosa) é a situação em que a ação médica, pautando-se unilateralmente no prolongamento da vida, consiste numa obstinação terapêutica, retardando de maneira irracional o processo de morte, num tratamento fútil, onde somente acarretaria um processo doloroso e penoso do morrer (MOSER E SOARES, 2006; PESSINI E BARCHIFONTAINE, 1997).

A eutanásia está ligada ao momento da morte. Por isso, o seu debate no campo da Bioética. A morte é inerente a todo organismo vivo capaz de se desenvolver, produzir, ou se regular, significando nesse caso um falecimento, fato atestável, de natureza biológica, ocorrente na ordem das coisas naturais. Porém, no ser humano ela se torna complexa, pois somente ele tem consciência de sua própria morte (ARRUDA E ARANHA, 1993). Destarte, a morte está ligada a uma condição existencial do homem, entendida, neste caso como: 1) início de um ciclo de vida por muitas doutrinas que acreditam na imortalidade da alma; 2) fim do ciclo de vida, descanso, extinção do sofrimento; e 3) possibilidade existencial, em que ela não é um acontecimento particular, no sentido cronológico, mas uma possibilidade sempre presente na vida humana capaz de determinar as características fundamentais da mesma (ABBAGNANO, 2007). O conceito de morte é objeto de estudo de filósofos desde o período clássico até os dias atuais. A própria filosofia é, no sentido de Platão (apud ARRUDA E ARANHA, 1993, p. 347) uma meditação sobre a morte, é um aprender a morrer, no dizer de Montaigne (Ibid.).

Segundo Freud ([1915] 1996), a morte é um resultado necessário à vida, inegável, e inevitável, porém, devido ao seu aspecto angustiante de finitude, o ser humano, no fundo não acredita em sua própria morte, “no inconsciente cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade” (p. 299). Por isso, diante da ocorrência da morte, ficamos profundamente atingidos e abalados em nossas expectativas.

Portanto, o fato de existir uma fluidez no conceito de morte, dificulta aplicá-lo em questões como a eutanásia. Para refletir sobre esse traspasse, pensa-se imediatamente em morte clínica ou biológica, porém, existem diferentes perspectivas para conceituação de morte, presente nos debates sobre eutanásia: morte clínica, biológica, óbvia, encefálica, cerebral, jurídica e psíquica (SIQUEIRA-BATISTA E SCHRAMM, 2004).

A eutanásia se situa nos debates em relação à vida humana em seu último ato. Por isso sua aprovação ou refutação divide opiniões diversas, chamando a atenção para pensarmos sobre: que direito temos de prolongar a vida de um paciente que não deseja continuar a viver e pede que ponha um fim à sua vida? Até quando se pode permitir sedar uma dor, mesmo que isso seja um abreviamento da vida? O emprego de aparelhos médicos para prolongar poucas semanas ou horas à uma vida em fase terminal é necessário ou deve ser suspenso? O paciente tem direito de recusar a submeter-se a determinados tratamentos considerados extraordinários? No caso de um paciente incapaz, quem tem o direito de responder por ele? Em caso de desacordo entre médicos e familiares, prevalecem os direitos de quem? É aconselhável reforçar juridicamente o direito dos familiares? (PESSINI E BARCHIFONTAINE, 1997). Qual é o papel do psicólogo na discussão sobre a eutanásia?

O código de ética médica dispõe em seu capítulo V, Art.66, que ao médico, na relação com pacientes e familiares, é vedado utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal (PESSINI E BARCHIFONTAINE, 1997). Contudo, é preciso ressaltar que o código de ética médica sofreu uma reformulação recentemente. De acordo com uma reportagem da revista Veja, de 28 de abril de 2010, após essa reformulação, confere mais autonomia ao paciente e a seu representante legal, sendo o direito destes decidir sobre a execução de práticas terapêuticas de acordo com o que convier ao paciente, respeitando sua liberdade de decidir o que lhe confere bem-estar. Para Cruz (2005), apesar de existirem projetos de leis no Senado que versam sobre a legalização da Eutanásia, no Brasil ela ainda é considerada homicídio. Porém, no Brasil não se sabe de caso algum onde um médico tenha sido condenado por ter praticado a Eutanásia, uma vez que quando se opta por esta prática, o faz em consonância com o paciente e/ou com seus familiares (VEJA, 28/04/2010).

A Igreja Católica, em sua doutrina, condena e denuncia a prática da Eutanásia, usando como argumento a defesa do valor à vida, comparando por vezes o sofrimento humano com o sofrimento de Cristo. De acordo com a Declaração Sobre a Eutanásia de 1980, da Congregação para a Doutrina da Fé, o sofrimento, por vezes, engrandece o homem uma vez que ele pode ser uma forma de se aproximar de Deus a semelhança de Jesus Cristo. Logo, o catolicismo se apresenta contra a prática da Eutanásia, alegando que ao homem não é dado o direito de tirar a vida de outro homem, por esta ser uma condição divina, dada por Deus, podendo ser tirada apenas por ele. O pedido de eutanásia, segundo o documento da Santa Sé, é manifestação de um desejo angustiado de assistência e de afeto do enfermo, e por isso, não deve ser tomado como expressão de sua verdadeira vontade (MOSER E SOARES, 2006; PESSINI E BARCHIFONTAINE, 1997).

As discussões éticas em torno da prática da Eutanásia são as mais variadas possíveis. É uma questão humana, e por isso está intrinsecamente relacionada com a práxis do psicólogo, principalmente daquele que trabalha em área hospitalar. O primeiro princípio fundamental do Código de Ética Profissional do Psicólogo pontua que “o psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano” (p. 7). Em relação à prática da eutanásia, e considerando a situação irreversível em que se encontra o paciente, muito além de se posicionar contra ou a favor, o psicólogo deve manter sempre o respeito à integridade e liberdade daquele que está decidindo, seja o próprio enfermo ou a família diante da impossibilidade dele, respeitando incondicionalmente o ser que se apresenta frente uma escolha por vezes difícil, que é justamente a escolha de quando se deve morrer (CRUZ, 2005).

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ARRUDA L.; ARANHA, M. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993.

CÓDIGO de Ética Profissional do Psicólogo. Disponível em: http://www.pol.org.br.

CRUZ, Taisa Ferraz da Silva. Psicologia hospitalar e eutanásia. Rev. SBPH. [online]. Dec. 2005, vol.8, no.2. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script="sci_arttext&pid=S1516-08582005000200003&lng=en&nrm=iso. ISSN 1516-0858.

FREUD, S. (1915). Nossa atitude para com a morte. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.XIV, p. 299-309).

MOSER, A.; SOARES, A. M. M. Bioética: do consenso ao bom senso. Petrópolis: Vozes, 2006.

PESSINI, L.;BARCHIFONTAINE,C. P. Problemas atuais de Bioética. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1997.

REVISTA VEJA. 28 de abril de 2010. Abril, 2010.

SIQUEIRA-BATISTA, R.; SCHRAMM, F. R. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. Ciência e Saúde Coletiva, 9 (1): 31-41, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n1/19821.pdf.

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* Graduandos em Psicologia pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE/MG. Coronel Fabriciano, 11 de junho de 2010.