Introdução

Entendemos que é a partir do corpo que realizamos os desejos mais profundos do nosso ser. Ele reflete as nossas emoções, as nossas dores, as expressões de medo, de alegria, ansiedade, dúvidas, angústias e tudo o mais que se refere com a alma do ser humano. É a partir deste corpo e das relações que ele trava com o meio ambiente e com outros seres humanos e animais é que nos desenvolvemos enquanto criaturas humanas.
Nós, seres humanos, estamos constantemente em busca da realização dos nossos desejos, em busca da completa, e se possível fosse, eterna felicidade a todo custo; o que importa é sermos completamente felizes. E nesta busca incessante da felicidade entra a necessidade da seleção daquilo que gostamos ou não. O que gostamos geralmente nos dá alegria, nos traz felicidade, fazemos com prazer. O lúdico, falando de forma simplista, é justamente essa referência de prazer, pois é através dos divertimentos, dos jogos e das brincadeiras obtemos essa sensação ou emoção, esse sentimento de felicidade e de gozo.
E por fazer parte da natureza humana, é possível alcançar este estado de alegria, a esse sentimento através do lúdico como afirma FERREIRA (2007, p.9):

O lúdico que exerce um fascínio muito grande, uma vez que é inerente ao ser humano, e o que é melhor, à sua parte alegre, reporta-se aos momentos em que ele está feliz. Manifesta-se através de ações que podem ser de estratégia, quando falamos em jogos de imaginação, quando falamos em histórias e dramatizações ou construção, quando falamos em artesanato, enfim quando vivemos esse lúdico no cotidiano.
Nesta perspectiva, compartilhamos esse lúdico durante o nosso viver diário, nas diversas manifestações e interações humanas (relacionamento conjugal ou sentimental, nas amizades, vida profissional, intelectual, espiritual atividades culturais etc), buscando sempre ao máximo uma vida prazerosa e cheia de alegria.

O eu, o corpo e o lúdico

Abordamos esta questão do eu e do corpo nos nossos encontros na Faculdade Salesiana Dom Bosco durante o módulo do curso de psicopedagogia (2007) ? Jogos e brincadeiras como forma de intervenção pedagógica ? Professor MSc João Luiz da Costa Barros -, onde ficou nítido para nós que não existe uma predominância das partes do corpo; que o eu não tem um corpo e nem o corpo tem um eu, mas sim que o e eu e o corpo são um, e existem por inteiro em unidade indivisível. Fragmentar esse corpo é um processo "redutivista", na medida em que queremos separar corpo e alma, corpo e mente, cabeça e corpo, e sem levar em consideração a sua totalidade (corpo inteiro); somos um corpo, não temos um corpo, rompemos assim totalmente com as tendências tradicionais do pensamento cartesiano.
Nesta questão FREIRE (1997, p. 13), deixa nítido este pensamento quando afirma que:
Corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e outro (o corpo) para transportar, mas ambos para se emanciparem.
BARROS (2007, p.59) sobre a relevância da corporeidade e o pensamento redutivista sustenta ainda que:
É importante lembrar que o grande desafio neste inicio de século, é assumir a realidade de que o corpo não precisa reduzir-se como objeto, mas identificá-lo como uma realidade humana vivida. Ser corpo em uma totalidade, é afirmar o ser humano por inteiro, em que, o corpo não pode ser comparado a uma máquina, e sim a um corpo que se perceba e expresse sensibilidade, emoção e inteligência. Assim, a afirmação da corporeidade como condição humana, o corpo precisa ser compreendido e vivido de modo diferente.
Percebemos então, que o eu, subjetivo, expressivo, emotivo e inteligente é vivido quando se trata de corporeidade como condição humana, cujo entender completo deste ser se dará através do todo e não do corpo partido, fragmentado, objeto. Não existe essa separação como bem acrescenta BARROS (2007, p. 59), quando insere a questão do sentimento humano, parte subjetiva do ser, como parte integrante deste corpo que se expressa, que ama, que corre, que sente:
(...) em uma criança, cujos movimentos de saltar, correr, pular, sorrir são a síntese de todo um processo corporal (...) essa síntese não determina se é a razão, a emoção, o espírito que comanda os movimentos, simplesmente a criança flui com o movimento.
Quando nos referimos ao eu, falamos da personalidade do eu com todos os seus estigmas e afirmamos com veemência que o eu não é substrato do corpo. E, sobretudo acreditamos que dissociar esse corpo das ações lúdicas é prejudicar todo movimento corporal em sua totalidade não permitindo a emancipação deste ser.

Segundo FERREIRA (2007) "o papel do jogo na vida do homem e como elemento de cultura é indispensável o estudo de Huizinga (1999) em Homo Ludens" do qual ela extrai.
O Jogo é uma atividade ou ocupação voluntária e, exercida dentro de determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente concedidas, mas absolutamente obrigatórias, dotadas de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana.
A cultura lúdica favorece o desenvolvimento completo do ser. As expressões gestuais, as brincadeiras formal ou informal, isto é, brincadeiras com intencionalidade ou não, e os jogos têm contribuído para a emancipação do ser humano. Tem proporcionado crescimento em qualidade de vida, pois facilita a integração deste ser em todas as dimensões sociológicas. Rompe com as barreiras que a intelectualidade propõe quando valoriza o campo da mente como forma de expressão e cultura deste ser ontológico. O lúdico simplesmente completa este ser, complementa a sua natureza, o desenvolvimento pessoal e a cooperação. Desencadeia sentimentos ou sensações imensuráveis que fluem através do corpo pelas atividades lúdicas, pelos jogos.

O que gosto, o que posso, o que faço

Não existem limites de idade para o desenvolvimento do lúdico na vida do homem. Percebemos que as crianças cumprem bem o seu papel de criança quando correm, pulam, dançam, expressam alegria. Elas simplesmente levam a "sério" suas brincadeiras. Nós adultos às vezes queremos separar o que é "sério" das brincadeiras, mas por outro lado carecemos das mesmas necessidades ? de jogar e brincar, ser feliz. Talvez agora dotados de "meios-termos" "limites" "cuidados". Mas, enfim, ainda gostamos de tudo isso e precisamos como ser histórico experimentar, estar aberto para essa ludicidade.
Foi oportunizado durante o curso de Psicopedagogia algumas atividades lúdicas em determinados módulos: dançamos, corremos, disputamos, cooperamos, sonhamos, meditamos, refletimos. E o interessante, com essas experiências, foi ter como resultado uma mudança de postura por parte dos próprios alunos. Observamos através de seus relatos e vivências uma melhoria de vida enquanto ser humano, inclusive na própria vida familiar/conjugal. Vislumbramos que as relações se tornaram mais afetiva dentro do grupo, e enquanto profissionais da educação nas escolas onde trabalhamos nos tornamos mais atentos e sensíveis para as necessidades lúdicas dos nossos alunos. Redescobrimos nosso corpo, nossos gostos, nossa capacidade de realização independentemente de qualquer limitação, habilidade, dom, idade, intelectualidade. Somos altamente capazes de fazer da nossa vida um manancial de alegria e um eterno momento de celebração.

Considerações finais

Acreditamos que nossos olhos foram abertos para o futuro. E o fazer lúdico, o desvendar da corporalização e seus mistérios da subjetividade humana, a corporeidade cujas vivências históricas precisam ser resgatadas e vivenciadas, dependem de nós educadores desta geração.
Como afirma ALMEIDA (2003, p. 13):
A nós, educadores, cabe o compromisso de "garantir" a educação do aluno. Bem ou mal, fazemos parte da história de cada um e de uma realidade coletiva, assim como ele também faz parte de nossa história. É essa consciência que deve nos dar força para romper o preestabelecido, traçando caminhos capazes de transformar a sociedade e, assim, garantir a maior participação possível. Sabemos, contudo, que há muitas formas de transformação e libertação, e uma delas é nossa pequena contribuição ? Educação Lúdica.
Precisamos romper com o sistema político vigente que valoriza o ser enquanto parte do processo de produção capitalista e alienando-o ao seu serviço, desqualificando, desta maneira, todo processo educativo que visa principalmente à preparação de indivíduos capazes de contribuir para a construção de uma sociedade promissora.
Temos este desafio agora. E por que não utilizar a pedagogia do movimento corporal, a ludicidade, para promover ou possibilitar mudanças estruturais nos indivíduos a fim de construir esta sociedade do futuro?

Referencia bibliográfica

COSTA, Lucinete Gadelha (Org.), FERREIRA, Ana Gláucia Claudino, BARROS, João Luis da Costa, BARBOSA, Maurício Cordeiro. Jogos e brincadeiras como forma de intervenção pedagógica. Manaus: F.S.D.B. Editora, 2007.
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica ? Técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Edições Loyola, 2003.