Ética na Administração Pública

 A importância da ética na administração pública e a improbidade administrativa como espécie de má conduta 

Débora Cristina Bouças Bahia Silva* 

                                          SUMÁRIO: Introdução; 1.Ética e a Administração Pública; 2. Princípios do Direito Administrativo; 3. Improbidade Administrativa; 4. Sujeitos ativos e passivos dos atos de improbidade administrativa; 5. As penas previstas para atos improbos; Conclusão.

RESUMO: O presente artigo tem o intuito de abordar uma questão que é destaque nos noticiários e gera constante discussão. A falta de ética com a qual um número expressivo de agentes desenvolve suas atividades demonstra a desobediência aos princípios constitucionais na busca pela satisfação de interesses próprios e ocasionam a degradação do serviço que deveria apontar, unicamente, para a satisfação de interesses coletivos. Um breve apanhado acerca do princípio da moralidade, que deveria nortear a ação dos agentes da Administração Pública e a lei que surge para coibir a ação de servidores que praticam atos que caracterizam improbidade administrativa.

PALAVRAS-CHAVE: ÉTICA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Introdução

     Habituada a ver manifestações de comportamento adversas das que as leis e os princípios ditam, a sociedade tem agido de modo a desconfiar da conduta ética dos agentes públicos. Os meios de comunicação deram maior visibilidade às práticas corruptas ocasionando uma consequente cobrança para que esses agentes atuem de modo a imprimir segurança e clareza em suas ações.

     Contribuindo para tanto, as altas quantias, a influência e o poder que certos cargos trazem consigo ocasionam, muitas vezes, corrupção e a consequente degradação do serviço público. Há a invalidação dos valores morais, os princípios norteadores da administração pública se perdem e colocam em foco a ação que visa interesses contrários aos coletivos.

     Desse modo, se faz necessário que os administradores públicos sejam punidos pela prática de atos ilícitos, sendo necessário o estabelecimento de normas a fim de controlar, fiscalizar e punir ações que confrontem com o ordenamento jurídico vigente.

  1. 1.      Ética e a Administração Pública

     Uma atuação pautada na ética é o que se espera do administrador público, a fim de exercer suas atividades de forma idônea e visando interesses coletivos. A ética, segundo Lopes[1], "representa uma abordagem sobre as constantes morais, aquele conjunto de valores e costumes mais ou menos permanentes no tempo e uniforme no espaço. A moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum", pontua o autor associando à moralidade com a qual o agente público deve atuar.     

     Por conseguinte, agir com base nos princípios éticos não pode ser dissociado das atividades para as quais o administrador foi designado, onde estas estão delimitadas, tendo o agente público que cumpri-las conforme definido e amparado por lei. Não há, portanto, a atuação baseada na ética sem que a mesma esteja dentro do legalmente permitido em suas atividades administrativas.

     Assim, o agir pautado no bem, que segundo Santana[2] "é um modelo de conduta por excelência, a base mais sólida sobre a qual se sustenta a ética e a necessidade de toda a atividade humana", não deixa margem para que interesses particulares sobressaiam frente ao público, visto que o bem comum deve ser o fim de toda a atividade administrativa.

  1. 2.      Princípios do Direito Administrativo

     A atuação do servidor público, que deve ser uma conduta pautada na ética, como ressaltado anteriormente, tem ainda os princípios constitucionais como condutores, aonde estes independem de leis e regulamentos e devem ser aclamados como norteadores de todo o ordenamento jurídico. Na administração pública, os princípios moldam as atividades administrativas do Estado. Para Meirelles[3], "os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público", dentre os quais uma parte, cinco, está expressa na Carta Magna, em seu artigo 37, caput, e os demais decorrem, segundo afirma o autor "do nosso regime político".

     Desse modo, os princípios estabelecem as diretrizes para que o sistema funcione de modo eficaz, conduzindo ainda a normatização e sua interpretação. Assim, com base nos princípios, o servidor desenvolve suas atividades primando pelo bem comum, dentro do legalmente exigido. Destacamos aqui o princípio da moralidade, aonde agir conforme as normas éticas é o que deve determinar a conduta do agente. Carvalho Filho[4] conceitua este princípio como sendo o que "impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto".

     Entretanto, percebe-se que um número relevante de agentes da administração atua pautado na falta de ética. A má administração pública é um exemplo que está constantemente retratado nos meios de comunicação, destacando condutas que visam interesses próprios e deixam de lado o objetivo mor da administração pública: o interesse comum. É notório, entretanto, que além de atuar com base na moralidade administrativa, é necessário esse agir estar legalmente apontado. Brandão[5] frisa que a atividade dos administradores "além de traduzir a vontade de obter o máximo da eficiência administrativa, terá ainda de corresponder à vontade constante de viver honestamente, de não prejudicar outem e de dar a cada um o que lhe pertence". Meirelles[6] arremata o pensamento do autor luso ao afirmar que "tanto infringe a moralidade administrativa o administrador que, para atuar, foi determinado por fins imorais e desonestos como aquele que desprezou a ordem institucional e, embora movido por zelo profissional, invade a esfera reservada a outras funções, ou procura obter mera vantagem para o patrimônio confiado à sua guarda".

  1. 3.      Improbidade Administrativa

     Um dos princípios fundamentais do Direito Administrativo, o já citado princípio da moralidade, ao ser banido pela atuação do gestor, gera atos que podem ser caracterizados como os de improbidade na administração pública, no qual o agente executa atividades que não coadunam com as que seriam apontadas ao cargo proposto. A conduta ilícita, a má-fé, a desonestidade e tudo o mais que caracterize ilegalidade e imoralidade administrativa ocasionam atos de improbidade que, segundo Pazzaglini Filho[7], ferem o princípio da probidade administrativa: "a improbidade administrativa constitui violação ao princípio constitucional da probidade administrativa, isto é, ao dever do agente público de atuar sempre com probidade (honestidade, decência, honradez) na gestão dos negócios públicos"

     Para tanto, a Lei Nº 8.429/92 surge no intuito de punir as ações tipificadas nas categorias expostas pelo documento, conforme o pensamento de Carvalho Filho[8]

 "Quando a imoralidade consiste em atos de improbidade, que como regra, causam prejuízos ao erário público, o diploma regulador é a Lei nº 8.429, de 2/6/1992, que prevê as hipóteses configuradoras da falta de probidade na administração, bem como estabelece sanções aplicáveis a agentes públicos e a terceiros, quando responsáveis por esse tipo ilegítimo de conduta.".

     A lei, desse modo, disciplinou os atos de improbidade administrativa, elencados nos seus artigos9 a11, em três categorias, quais sejam elas: dos que importam enriquecimento ilícito, dos que causam prejuízo ao erário e dos que atentam contra os princípios da administração pública. Destaquemos cada um deles.

     O primeiro ato citado invoca a vantagem patrimonial da qual o administrador se beneficia, ou a outrem, no exercício de sua função e que lhe ocasione o enriquecimento ilícito. O artigo 10 demonstra o ato que cause lesão ao erário, ensejando perda patrimonial, apropriação e dilapidação, entre outros, dos bens das entidades. Por fim, os que atentam contra os princípios da administração pública, ou seja, os atos que violam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade que o servidor deve às instituições públicas.

     Outrossim, o controle ético da administração é realizado por dispositivos sancionados tais como esta lei, coibindo condutas que ferem os princípios afirmados no artigo 37 da Constituição Federal de1988. Alei supracitada veio, portanto,

"Aperfeiçoar o controle administrativo, na medida em que possibilita ao representante do Ministério Público e à pessoa jurídica lesada a impetração de ação civil referente à improbidade administrativa e à defesa do patrimônio público. Também permite o aperfeiçoamento do controle interno, na medida em que possibilita a qualquer cidadão o requerimento para instauração de procedimento administrativo que apure improbidade (art. 14). Permite também que o MP requisite à autoridade administrativa a instauração do procedimento administrativo"[9].

  1. 4.      Sujeitos ativos e passivos dos atos de improbidade administrativa

Conforme destacado por Crivellaro, ao citar os capazes para representar à autoridade administrativa a fim de instaurar investigação e apurar atos de improbidade (art.14), a lei traz expressa em seu artigo 1º os sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa, quais sejam: as entidades da Federação; os órgãos da Administração Direta do Poder Executivo dos entes federativos, as entidades da Administração Indireta do Poder Executivo dos entes do Estado; as corporações legislativas nos âmbitos federal, estadual, municipal e distrital; os órgãos do Poder Judiciário nas três esferas; os órgãos do Ministérios Públicos Federais, Estaduais e Distritais; Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios e seus órgãos auxiliares; as empresas incorporadas ao patrimônio público; as empresas privadas dependentes de controle direto ou indireto o Poder Público; e as entidades privadas de interesse público, tais como as de serviços sociais autônomos, organizações sociais sem fins lucrativos e as organizações da sociedade civil de interesse público[10].

Por outro lado, figuram os sujeitos ativos: o agente público e terceiros. Os primeiros são aqueles que exercem atividades nas categorias agentes políticos, agentes autônomos, servidores públicos e os particulares em colaboração com o Poder Público[11]. No tocante aos terceiros envolvidos, destacam-se, nas palavras de Santos, os sujeitos impróprios, ou seja, "aqueles que induzem ou concorrem para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficiam sob qualquer forma direta ou indireta"[12]. Cabe aqui salientar, contudo, que há discussão a respeito do envolvimento desse terceiro no que diz respeito à responsabilização e consequente penalização: se ela é cabível apenas aos que agem com dolo ou a culpa também qualifica o indivíduo no crime de improbidade. Tem-se aqui uma ampla discussão doutrinária na qual uns apontam que bastaria o simples beneficiamento para caracterizar sua responsabilização, independendo de dolo, mas que Santos confronta ao apontar como não se devendo "admitir a culpabilidade presumida por ofender ao due processo of law, assegurado aos acusados em geral, por força do disposto no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, independentemente da natureza do processo (...) não teria qualquer lógica a responsabilização de terceiro sem o equivalente nexo ou liame subjetivo previsto para cada modalidade de ato de improbidade administrativa"[13]

  1. 5.      As penas previstas para atos improbos

     A lei de improbidade administrativa em seu artigo 12 regulamentou as penas as quais os responsáveis pelos atos discriminados estão vinculados, mesmo que antes já tenham sido relacionadas no artigo 37 § 4º da Constituição Federal de1988. Anorma impõe desde então as sanções de acordo com a gravidade do ato cometido.

     De natureza política, político-administrativa, administrativa e civil, as sanções são divididas, segundo Pazzaglini Filho[14], em graduadas e fixas. As primeiras importam a suspensão dos direitos políticos, a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, sempre diferenciando sua intensidade, com sanção maior nos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito, média nos atos que causam lesão ao erário e menor nos que atentam contra os princípios da Administração Pública, com graduação dependente da interpretação do juiz quanto ao dano causado e sua repercussão.

     Entretanto, as sanções fixas são estabelecidas sem haver essa graduação, são elas a perda da função pública, o ressarcimento integral do dano ou a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.

     Nos pontos citados acima, de graduação mediante dano causado, surge a discussão acerca das penas fixadas. Assim como notícias de episódios de improbidade administrativas surgem, em igual proporção vem a público o descaso quanto a responsabilização dos agentes que corroem o sistema público. Santos[15] destaca a importância da aplicação das sanções previstas a fim de "coibir o câncer da improbidade":

"É importante, portanto, que haja uma espécie de tolerância zero em relação à improbidade administrativa, até mesmo para reeducar a população que, ao que parece, em largo percentual tanto já se acostumou com esse tipo de enfermidade (...) Hoje, diante dos inúmeros acórdãos dos diversos tribunais do país, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, podemos afirmar com segurança que se firmou a jurisprudência no sentido da possibilidade de mitigação das sanções do art.12, I, II e III, da lei nº8.429/92 aplicáveis ao agente ímprobo, excluindo-se as mais graves para aqueles casos cujo potencial ofensivo da conduta não recomenda a aplicação cumulativa de todo aparato sancionário ali previsto".

     Observa-se, portanto, que é relevante a adequação das penas ao caso concreto, não agindo de modo a atenuar nem a sobrepesar quando desnecessário. A aplicação do princípio da proporcionalidade aqui se faz presente, havendo assim a possibilidade de medir o dano causado pelo ato improbo do servidor público de qualquer esfera.

Conclusão

     Conforme tratamos nesse artigo, importantes instrumentos legais foram normatizados a fim de evitar práticas antiéticas cometidas por servidores públicos das três esferas. Ferindo princípios que deveriam nortear a conduta dos agentes, do mesmo modo que orientam a boa administração, a busca pela satisfação de interesses pessoais dá margem para que aqueles que cometem atos ímprobos, e lesam a administração pública como um todo, sejam punidos.

     A moralidade, bem como todos os outros princípios expressos na Constituição Federal de 1988, deveria ser a base de qualquer ato praticado pelos agentes destinados a promover o bem comum. Salutar seria a observação dos ditames legais ao exercerem suas atividades a fim de evitar maus tratos à coisa pública e prejuízo à sociedade.

     Assim, é dever do agente público pautar-se pela ética na prestação de suas funções, excetuando interesses que não os públicos e agindo com retidão de conduta. Atos que contrariam interesses coletivos devem ser denunciados e apurados a fim de moralizar a administração dos bens públicos, punindo atos lesivos e, o quanto possível, ressarcindo o Estado dos prejuízos causados.

           

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ªed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007.

CRIVELLARO, Gustavo. Improbidade Administrativa. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 27 mar. 2008. Acesso em 15 de maio de 2009.

LOPES, Paulo Roberto Martinez. A conduta ética na administração. Disponível em: http://www.dnit.gov.br/noticias/artigopaulomartinez. 20 de setembro de 2008. Acesso em 15 de maio de 2009.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2ªed. São Paulo: Malheiros. 2000.

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2007.

SANTANA, Edílson. As grandes indagações filosóficas e os enigmas da humanidade. São Paulo: Golden Books, 2007.

SANTOS, Carlos Frederico dos. Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei Nº 8.429/92. 2ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.


* Discente do 6º período do turno noturno da UNDB – Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[1] LOPES, Paulo Roberto Martinez. A conduta ética na administração. Disponível em: http://www.dnit.gov.br/noticias/artigopaulomartinez. 20 de setembro de 2008.

[2] SANTANA, Edílson. As grandes indagações filosóficas e os enigmas da humanidade. São Paulo: Golden Books, 2007, p. 88.

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2ªed. São Paulo: Malheiros. 2000, p.81

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ªed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007, p.18.

[5] Apud Meirelles, ob cit. p.84

[6] Ob. Cit p.84

[7] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.18

[8] Ob. Cit. p19.

[9] CRIVELLARO, Gustavo. Improbidade Administrativa. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 27 mar. 2008.

[10] PAZZAGLINI FILHO, ob cit. p 21-23

[11] PAZZAGLINI FILHO, ob cit. p 25

[12] SANTOS, Carlos Frederico dos. Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei Nº 8.429/92. 2ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.35

[13] SANTOS, ob cit, p20-21.

[14] PAZZAGLINI FILHO, ob cit. p 146-147

[15]  SANTOS, ob cit, p143-144.