ÉTICA E REVOLUÇÃO NA CONCEPÇÃO DIALÉTICA DE MARCUSE

 

Universidade Estadual do Ceará – UECE

Wagner Dutra da Costa[1]

5º semestre - Noturno

Resumo: Marcuse, por meio deste texto, propõe um novo conceito de revolução baseado nos princípios éticos de liberdade e felicidade com intuito de chegar a uma ética revolucionaria construída a partir do engajamento no processo histórico-dialético da humanidade.

 

Palavras chaves: revolução, ética, liberdade, felicidade.

 

Introdução

           

Neste breve ensaio iremos discutir a respeito da ética e da revolução numa visão dialética de Marcuse a partir da própria história humana.

            No primeiro momento veremos uma breve fundamentação ética da revolução onde será demonstrada a possível relação entre ética e revolução tendo como base os pressupostos conceitos de liberdade e felicidade. Após esta explanação inicial, entra em cena uma conceituação histórica de revolução abarcando o seu conceito propriamente dito, e logo, em seguida, as historias das revoluções, trazendo à tona os resultados destes eventos históricos para, a partir de então pensar uma nova forma de fazer revolução. E por fim, no terceiro ponto, teremos uma ética da revolução que para atingir os ideais de liberdade e felicidade coletiva, é exigido o calculo histórico e a validação universal das normas éticas e morais, isto é, critérios históricos que sejam orientados tanto por uma moralidade ética quanto por uma racionalidade.           Portanto, é nesta linha de pensamento que se desenvolverá o esquema de nosso trabalho num intuito de esclarecer e propor uma nova ética revolucionaria.

1. Uma breve fundamentação ética da revolução

           

Quando se fala em revolução se pensa de imediato, em quebra-quebra, baderna, confusão, e outros adjetivos mais que se dá à revoltas que ocorrem em nosso dia a dia. Porém, o que Marcuse quer nos mostrar por meio deste texto “Ética e Revolução”, é uma intima relação que pode haver entre os dois, desde que desenvolvido do ponto de vista da dialética histórica. É o que veremos neste primeiro ponto.

1.1 Relação entre ética e revolução

Para começar a discussão, Marcuse toma como ponto de partida o seguinte questionamento: Como justificar uma revolução no sentido político e ético dentro de um processo histórico-dialético? Como entender que tal revolução pode ser considerada boa, oportuna, e necessária nestes aspectos?

À primeira vista é notável o espanto com estas perguntas e até mesmo com as respostas que elas poderão produzir, dependente da visão de cada um. Contudo, a verdade é que isso tudo implica em dizer que conceitos éticos como “justo” e “bom” estão ligados a movimentos sociais e políticos que passam por uma avaliação moral a fim de estabelecer numa coletividade as maiores possibilidades de liberdade e felicidade humanas recuperando a idéia clássica da filosofia política[2] onde o bem individual e o bem geral estão em constante relação dialética.

Desta maneira, adentramos a uma questão muito complexa, pois implica em buscar resposta de como pressupor a liberdade e a felicidade individuais perante o interesse da coletividade. Aliás, “…quem pode determiná-lo, e com que direito?...” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 1)

Antes de tudo, é imprescindível nos questionarmos se: a liberdade e a felicidade são direitos individuais ou se estão sujeitas às limitações e determinações da coletividade? Da liberdade podemos destacar que não é apenas um direito individual, pois há uma sociedade (Estado) que pode determiná-la dentro dos padrões éticos exigidos por esta instituição social. Já com relação à felicidade diríamos que é um direito muito mais determinado pela própria coletividade do que pelo próprio individuo haja vista que ele “…não pode ser nem pode permanecer juiz único da sua felicidade. É preciso admitir um tribunal que (de fato ou moralmente) seja qualificado para “definir” a felicidade individual.” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 2). Portanto, o interesse da coletividade deve sobrepor-se aos interesses individuais, pois do contrário toda esta busca ética por felicidade e liberdade, dentro de um objetivo revolucionário, seriaem vão. Não dá conceber estes conceitos do ponto de vista puramente egoísta, isto é, mergulhados numa subjetividade que não percebe o que está a sua volta.

Desta forma, a fundamentação ética da revolução proposta por Marcuse gira em torno destes dois princípios necessários para a vida humana em sociedade. 

2. Conceituação histórica de revolução

           

            Esta conceituação será construída a partir da própria história analisada do ponto de vista dialético-filosófico de Marcuse, desde a antiguidade até os tempos atuais.

2.1 Conceito de revolução

 

            Para Marcuse a revolução significa “…a queda de um governo e de uma constituição legalmente estabelecidos por uma classe social ou um movimento com o objetivo de transformar tanto a estrutura social quanto a política.” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 2). Esta definição nos leva a pensar num evento histórico diferente de todos os golpes militares, e de outras revoluções e contra-revoluções preventivas como o fascismo e o nacional-socialismo, e outros mais. Ela exige uma atitude mais radical capaz de uma transformação mais qualitativa. Mas que tipo de atitude seria essa? A violência revolucionaria.

            Desta maneira, o significado de revolução trazido por Marcuse nos impulsiona a formular uma outra pergunta, extremamente, difícil de ser respondida, pois como afirmar que a violência revolucionária pode estabelecer ou promover a felicidade e a liberdade humanas? Aí voltamos à questão inicial que discutíamos no primeiro capítulo quando falávamos a respeito da fundamentação ética da revolução que é baseada nestes princípios.

Com intuito de responder a tais questionamentos e enriquecer o conceito de revolução, passemos para um histórico das revoluções ocorridas na historia da humanidade.

2.2 A história das revoluções

 

            Voltando a um tempo longínquo, iremos perceber que na filosofia política antiga as revoluções não eram concebidas como rupturas de um sistema de governo, mas de continuação do mesmo, pois

“…tanto Platão quanto Aristóteles acreditavam que as revoluções faziam parte da dinâmica interna da política, que pertenciam ciclo histórico e ao mesmo tempo natural do crescimento e declínio das formas políticas.” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 3).

Na idade média e no inicio da moderna a idéia de revolução se guiava por um pensamento de ordem natural e divina, e por isso que tanto a resistência contra o regime existente ou resistência contra a tirania se tornavam um obrigação, como nos lembra os séculos XVI e XVII com as reformas protestantes e contra-reformas católicas cada um com direito de resistir ou derrubar o governo da situação.

Entre os filósofos (como Hobbes, Descartes, e Kant) era aceita a possibilidade de uma revolução desde que esta fosse vitoriosa, pois nenhum dos três concordavam com certos tipos de resistência ao governo estabelecido ou até mesmo com proposta de mudança da situação atual que poderia conduzir á algo pior do que já está posto. Apesar de tudo, por outro lado a prática política admitia que em certas situações históricas era necessário o uso da violência não somente no sentido político, mas também moral, com intuito de progresso da democracia totalitária, como podemos citar o exemplo da revolução proposta por Robespierre[3] a qual exigia o despotismo da liberdade contra o despotismo da tirania. Aí a aplicabilidade da “…violência revolucionaria seria a defesa violência contra revolucionaria...”  (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 4). Desta forma, instaura-se uma ditadura transitória na mesma conceituação da ditadura proletária marxista, as quais comungam da idéia paradoxal de que o homem precisa ser forçado a ser livre, dependendo da situação histórica do momento. Sendo assim, somos forçados a colocar em pauta os seguintes questionamentos: “…quem educa os educadores? Com que direito aqueles que exercem atualmente a ditadura falam em nome da liberdade e da felicidade como condições universais?” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 4)

Como nos lembra Marcuse, as revoluções históricas sempre começaram com o objetivo de conduzir as classes mais amplas da população para um ideal de liberdade, que inserido num processo histórico busca uma transformação radical com relação aos modos de vida estabelecidos. Esta liberdade “…pressupõe sempre a emancipação ou a passagem de um estado de liberdade e de não liberdade para um estagio possível.”  (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 5). O significado desta afirmação gira em torno de um tipo de emancipação que entra em conflito com as instituições sociais e religiosas que tem seus interesses estabelecidos no status quo. Desta maneira, justifica-se o fato da aplicabilidade da violência revolucionaria perante certas situações históricas. Sua justificação advém das condições de contradição histórica do estabelecido.

3. Ética da Revolução

 

            Com base nesta relação entre ética e revolução definida por Marcuse, é formado seu conceito de ética da revolução que, além de ser uma necessidade da própria ética, é também uma necessidade histórica tendo em vista que esta consiste no

 “… choque do conflito entre dois direitos históricos: de um lado o direito do que é, da coletividade estabelecida, da qual dependem a vida e talvez, também, a felicidade dos indivíduos; e do outro lado o direito daquilo que pode e talvez devesse ser, porque a dor, a miséria e a injustiça podem assim diminuir, supondo sempre que essa chance possa ser justificada como uma possibilidade real.” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 5 e 6)

 

3.1 Exigências de critérios históricos: racionais, morais e éticos.

            Esta realidade do choque, do conflito, resulta numa exigência de critérios históricos que direcione a revolução para uma racionalidade (bem fundamentada) através de um cálculo histórico. Aqui temos o primeiro critério histórico: o racional. De que forma aplicar este cálculo na realidade em que estamos inseridos? E para que serve esta aplicação na história em forma de cálculo?

Em primeiro lugar devemos fazer uma avaliação rigorosa no que diz respeito às chances de progresso técnico e material do ser humano, tanto nas sociedades futuras quanto na atual em vista de um aumento da liberdade e da felicidade individuais. Com isso surge à necessidade de uma base racional deste cálculo que deve levar em conta a importância de recursos materiais e intelectuais disponíveis em nossa sociedade, mas ao mesmo tempo ver a possibilidade de mudança para uma situação melhor do que a da estabelecida, por meio do movimento revolucionário.

Mesmo reconhecendo o caráter desumano e quantificador deste cálculo  o qual pressupõe uma redução no número de vítimas que sofrem com as atrocidades praticadas pelo status quo, Marcuse observa que esta realidade emana da própria historia em sua base racional e empírica. Não há como negar este fato, uma vez que não se trata de uma vazia abstração intelectual, mas sim de um experimento calculado.

A ética da revolução também exige um segundo critério histórico, o da moralidade. Para Marcuse, o critério da moral não invalida uma regra universal, portanto não é absoluto, haja vista que

“…existem formas de violência e de repressão que não pode ser justificadas por nenhuma situação revolucionaria, porque negam precisamente o fim para o qual a revolução é um meio. A violência arbitraria, a crueldade e o terror indiscriminado pertencem a esta categoria.” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 6).

De fato, estas formas de violência (citada acima) nao podem ser justificadas racionalmente, mesmo que seja para atingir as possíveis chances de felicidade e liberdade.

Isto nos aponta a um questionamento: se o fim desta revolução é alcançar a maior felicidade e liberdade possível, por que não buscá-las a todo custo? Bem, a própria história em processo dialético de acontecimentos nos revela que “…as revoluções estabelecem seu próprio código moral e ético, tornando-se assim a origem e a fonte de novas normas e valores universais.” (MARCUSE, Ética e Revolução, p. 6 e 7). É o que se pode observar no que chamamos de valor da tolerância nas guerras civis inglesas e os dos direitos inalienáveis do homem tanto nas revoluções americana quanto na francesa. E aí, podemos destacar que estas idéias eram ligadas a movimentos políticos revolucionários que no inicio aplicavam uma violência para estabelecer suas ideologias, mas, posteriormente, adquiriram uma validade ética universal contra a própria violência.

A preocupação de Marcuse é mostrar que esta aplicabilidade da violência (reconhecida como valor revolucionário) tem um fim[4], isto é, um objetivo ético[5]. Trata-se de uma repressão racional (violência racional) com fins revolucionários elevados como valores políticos, morais e éticos dos quais “….a própria revolução exigem validade universal, ficando submetidos a critérios e avaliação morais.”(MARCUSE, Ética e Revolução, p.7)

Aqui nos deparamos com o terceiro critério histórico que é o ético. Esta necessidade de validação universal exigidos pela revolução nos impulsiona a um problema ético muito serio com relação a sansão ultima dos valores morais. Diante disto, cabe-nos fazer uma pergunta: o que ou quem determina a validade das normas éticas? Marcuse remonta a Idade Media ao dizer que havia uma sansão transcendente baseada numa ética transcendental em que toda violência anti-revolucionaria era cometida em nome da “justiça”. Mas, e hoje, como provar a validade dos valores morais e éticos perante um mundo que vive constantemente em situação de emergência? Diante de tal questionamento de visível complexidade, resta-nos dizer que “…A sansão e a validade das normas éticas ficam….restritas ao estado normal de uma situação social e política.”( MARCUSE, Ética e Revolução, p.8)

Marcuse admite que a revolução seja imoral por definição uma vez que permite enganos, repressões, destruição da vida, etc. Porém, ele nos chama atenção que o apego a este conceito é inadequado quando pensamos numa ética de exigência imperativa que transcende o estado de coisas dado no interior, do que ele chama de continuum histórico, e, é aqui que a ética da revolução recorre paraum cálculo histórico[6] onde se pretende, como já vimos, oferecer as melhores chances de um progresso na liberdade ao avaliar de forma racional de todos os recursos técnicos, intelectuais, materiais e científicos disponibilizados na sociedade existente.

Em suma, toda e qualquer revolução que, por necessidade histórica se utiliza da violência (como um meio) para atingir os objetivos revolucionários deve ter seu fundamento em critérios históricos que seja racional, ético e moral, pois tanto o cálculo histórico como a validação de normas éticas e morais são necessárias para uma ética da revolução capaz de promover um progresso na liberdade e felicidade do ser humano.

Conclusão

 

            Como conceber conceitos éticos dentro de uma revolução que se utiliza da violência como meio para fins revolucionários? A proposta de Marcuse de uma ética revolucionaria traz uma novidade[7] ao âmbito do agir humano ao revelar seu pensamento dialético de relação entre ética e revolução. Para este, toda revolução, nos dias de hoje, deve levar em consideração uma ética como fundamento orientador de todo agir revolucionário perante certa ocasião histórica no intuito de atingir a maior felicidade e liberdade possível.

A partir do conceito de revolução e de sua relação com a ética, Marcuse constrói a possibilidade de uma ética da revolução que para realizar-se como progresso na liberdade necessita de critérios históricos (racional, moral e ético) pelos quais se avalia e define todos os recursos possíveis (intelectuais, científicos, materiais e técnicos) da ética revolucionária.

Bibliografia

 

MARCUSE, Hebert. Texto “ Ethics e revolution”. Conferencia pronunciada em 1964 na Universidade de Kansas. Tradução de Isabel Maria Loureiro.



[1] Graduando do curso de Filosofia (licenciatura) da Universidade Estadual do Ceará – UECE.

[2] Ver o que Aristóteles diz em sua filosofia política.

[3] Robespierre era um advogado e político, o principal líder jacobino. Nasceu em 6 de maio de 1758. Filho de uma família pobre de pequenos burgueses. Era sempre a favor das minorias e contra a aristocracia. Para ter seus objetivos levados á cabo, lançou mão da ditadura.

[4] Marcuse chega à conclusão de que, de certa forma, “…os fins justificam os meios…quando estes promovem claramente o progresso humano na liberdade.”(Ética e Revolução, p. 11). E define esta relação entre e fins como dialética.

[5] Em contraposição, as lutas de classes traziam à tona a idéia de libertar a violência de uma consideração ética racional. E por isso a relação entre meios e fins é puramente técnica, onde violência era o meio e a derrota total do inimigo era o fim.

[6] No fundo este cálculo histórico ocorre no continnum histórico como uma possibilidade de negação racional dos recursos que não servem para projetar uma sociedade de acordo com a revolução proposta por Marcuse.

[7] No sentido de ser diferente de todas as outras propostas de revolução, como comprovamos historicamente, que foram fadadas ao fracasso.