PRÓLOGO
Parafraseando o oráculo, o espanto, assombro, o paradoxo, é o início da crítica da educação brasileira. Todavia, "quando se está de acordo com os princípios, não há porque discutir sobre as conseqüências e a aplicação prática". (MARX, K. Escritos da juventude / O comunismo e a gazeta de Augsburgo. In MARX, K. e ENGELS, F. Obras Fundamentais em vinte e dois volumes, v. 1. 1ª Edição. México: Cultura Econômica, 1988. p. 246)
O presente trabalho não é um intento prático, mas um desenvolvimento teórico das idéias comunistas nas quais reside o verdadeiro perigo, à medida que as idéias quando se apossam de nossa mente, conquistam nossa convicção e aquelas com as quais o intelecto forja nossa consciência são como grilhões que não se pode quebrar "sem dilacerar nosso coração; são demônios sobre os quais o homem só se pode triunfar entregando-se a eles". (Ibidem, p. 247)
Com sorte não somos portadores da angustia da consciência provocada pela rebelião dos desejos subjetivos contra as convicções objetivas do nosso próprio intelecto, pois somos o contrário daquele tipo de homem que, "pela sensível razão, não tem nem intelecto próprio, nem próprias convicções, nem tampouco uma consciência própria". (Ibidem, p. 247)
Para além do silogismo sofístico e da demagogia pedagógica, a crítica ácida na cidade do capital representa o abandonar disfarces e o desmascarar motivos inconscientes que ligam a existência do intelectual a uma determinada classe social. Suas aspirações culturais, seus argumentos teóricos e sua ideologia são, em última instância, imanentes a classe social da qual é parte orgânica.
Como diz Sartre, produto da sociedade despedaçada,
O intelectual é sua testemunha porque interiorizou seu despedaçamento. Neste sentido, nenhuma sociedade pode se queixar dos seus intelectuais, sem acusar a si mesma, pois ela só tem os que faz. (SARTRE, J. P. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994. p. 30)
Nesta celeuma, procuro caminhar cuidadoso sobre a tênue linha a separar o intelectualismo do anti-intelectualismo. Por isto, elegi este exórdio como arenga afirmativa da minha condição de ser, ou seja, participar do mundo, da vida e das lutas inerentes à construção da história da verdadeira humanidade construída na contramão da pré-história da humanidade, o capitalismo. Contudo, um movimento me leva na direção dessa circunstância multiforme para nela agir e triunfar, ao menos em certa medida.
Entre a política e a ética o meu agir de um intelectual é uma extroversão natural que a minha consciência torna deliberada. Além disso, tenho o poder de suspender o impulso de extroversão, como igualmente posso distanciar-me dos fenômenos sociais dos quais sou sujeito / objeto ou, apenas, distanciar-me do meio social para tornar-me alguém em consideração a mim mesmo. (FOUGEYROLLAS, P. A filosofia em questão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. p. 67)
E mais ainda, posso refletir, compreender e transpor os limites que me cercam, aprisionam e me dizem. Posso utilizar ainda esse mesmo poder para, cada vez mais, aprofundar-me no labirinto do quotidiano do mundo exterior que se opõe, sobremaneira, ao meu mundo interior que não chega a ser um refúgio, mas uma "solidão povoada, suas sombras são as sombras das coisas" e das pessoas. Neste mundo de sombras limito-me a desdobrar suas formas e percorrer suas ambigüidades. Na luta entre o ego e o alterego, entre o interior e o exterior sou "possuído por uma circunstância desdobrada e ambígua". (FOUGEYROLLAS, 1972, p. 68)
Essa ambigüidade não é apenas latente, mas expressa e dinâmica em face da situação na qual como intelectual assumi o compromisso de falar sobre Ética sem ser filósofo. Ao assumir a ambigüidade faço a seguinte ponderação: filosofar não é aprender a morrer, como ensina Platão, mas prática de libertação da circunstância desdobrada e ambígua imposta pela ordem da cidade do capital onde o "ter" é tudo e o "ser" algo minimamente ridículo ou apenas o delírio de um tolo.
Filosofar, como diria Roland Corbisier, não significa ter e nem mesmo ser, também não é a procura de um saber ou de um poder, mas ao contrário, é um movimento do pensamento à dissolução do saber adquirido e do poder estabelecido, monocráticos, autoritários, anacrônicos.
Não me preocupa ter alguma coisa e nem mesmo ser alguém, daí deriva minha intransigência com o saber hegemônico e o poder dominante. Prefiro buscar no interior das coisas o que realmente as coisas são em sua real essência, pois é por dentro das coisas que as coisas são!
Preocupado em ter me esqueço de ser e perco o significado da vida, profundamente coletiva. E assim perdido em projetos pessoais pouco terei a oferecer senão a mim próprio como espelho opaco sem vida e deletério ao desenvolvimento da personalidade e à formação do caráter daqueles com quem assumi a condição e a função de professor.
Penetrando cada vez mais o corpus da crítica ácida, mais que dantes necessária à compreensão da realidade ambígua em que nos vemos enredados, fui conduzido ao estudo da filosofia e da ética, sem o qual minha caminhada seria esvaziada de essência humana.
O presente estudo é resultado de minha fuga do asilo de ignorância que povoa de ilusões e delírio a consciência dos intelectuais em geral e dos intelectuais da educação em particular, com raríssimas exceções, e do arrostar os perigos postos pelo Estado de exceção em que vivo.

ACERCA DO ESTADO
Passados vinte e cinco anos da transferência transada entre militares e civis do retorno da máquina de Estado para as mãos dos civis, mantendo os militares na retaguarda em eterna prontidão, o Estado brasileiro continua como fora antes, um Estado de exceção. Convém registrar que uma característica elementar e primeira do Estado de direito é a submissão do Estado à lei e que isso surgiu como meio de defesa do cidadão contra aquele que exerce o poder.
A partir do momento em que o Executivo, ele mesmo, traça as regras que ditam a sua conduta, a conduta do Parlamento e a conduta dos cidadãos, já não existe democracia. A mordaça sofisticada e a mistificação das massas pela propaganda política (Brasil, um país de todos!) nos autoriza dizer que o Brasil é uma ditadura de punhos de renda, uma ditadura burguesa.
Diante dos últimos acontecimentos ? controle eletrônico de ponto dos funcionários públicos, alteração unilateral da previdência social, redução dos direitos trabalhistas, alterações unilaterais do Regime Jurídico Único, controle do Parlamento via Medidas Provisórias etc. ? regredimos aos tempos do Estado policial, que antecede ao Estado Democrático de direito.
No Estado policialesco é o soberano que faz as regras que mais lhe interessam, muda as regras do jogo no transcorrer da partida, para tanto dispõe ao seu sabor dos meios repressivos e ideológicos. (MELO, 1999, p. 17)
Ao final dessa inicial resgato um trecho da pedagogia socrática que me vem à mente e que não deveria ter sido esquecida nos dias de hoje, é mais ou menos assim:
Quando meus filhos forem homens, cavalheiros puni-os como eu vos punia, no caso deles cuidarem mais do dinheiro e de coisas semelhantes do que da virtude; e se porventura julgarem valer alguma coisa, sem nada valerem, repreendei-os tal como eu os repreendi, para que não cuidem do que não devem, e não se arroguem valer o que não valem. Se assim fizerdes, tereis sido justos para mim e para meus filhos.

SOBRE A ÉTICA
Ouso dizer que nenhuma teoria social é comparável ao marxismo em sua análise rigorosa e crítica da economia política, por desvendar sua dinâmica, suas contradições e suas crises cíclicas ou recorrentes. (BOITO JÚNIOR, A. e outros Manifesto. Revista Crítica Marxista, volume 1, nº I. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. VII)
Seguindo esta tradição a política de princípios é a política mais justa, posto que pautada em princípios, deles nunca se afasta. Assim quando falo sobre princípios dizendo que eles não são jamais abandonados quando são seriamente arraigados em nosso caráter, não estou me referir aos "princípios" ou "fundamentos" estabelecidos pelos doutos notáveis da educação física para aplicar em âmbito nacional sua concepção de mundo apoucada e conservadora.
Ao falar sobre princípios e fundamentos, devo reportar ter sido o verbete princípio tem sido confundido com fundamento ou causa. Esse verbete designa o começo, o ponto de partida do movimento, a linha ou o caminho a ser adotado. Princípio significa "o elemento primeiro da geração, o casco de um navio ou o alicerce de uma casa e, nos animais, o coração segundo uns ou a cabeça, segundo outros". (CORBISIER, R. Enciclopédia filosófica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 113)
Princípio é ainda "o ser consciente cuja vontade move o que se move e muda o que muda", e "ponto de partida do conhecimento". É pertinente utilizar a máxima latina que afirma ser o fundamento o "princípio da razão suficiente (principium rationis sufficentis)".
Nesta quadra, cabe à razão encontrar, definir e explicitar o fundamento das coisas e dos fatos históricos estribada no fato de que nada é ou existe sem razão. Com outras palavras "nada existe de quem uma razão suficiente de existência não possa ser apresentada". (CORBISIER, 1978, p. 114)
Segundo esse filósofo,
A razão postulada ou exigida pelo princípio deve ser suficiente, quer dizer, deve explicar satisfatoriamente a essência e a cognoscibilidade das coisas. (...) Conhecida a totalidade das condições em que se acham implicitamente contidas, as coisas poderiam se conhecidas em sua essência (CORBISIER, 1978, p. 115).
Na análise crítica de qualquer grande tema posto à sociedade é preciso considerar a inexistência do desvinculo absoluto. No universo, nada existe solto, desligado gratuito, fortuito, ao contrário, tudo se relaciona, tudo se interpenetra. Em outras palavras, tudo se integra em conjuntos ou totalidades parciais que, por sua vez, se incluem em totalidades mais amplas, ainda parciais, que, por seu turno, se inserem em outras, em um processo que se prolonga ao infinito. Como se disse nada existe que não possa ser conhecido e cuja razão suficiente de existência não possa ser apresentada.
Em linguagem hegeliana, o homem é aquilo que faz de si mesmo, em virtude de seus atos historicamente construídos. Noutro flanco, para a tradição marxista o fundamento do homem, ou seja, a raiz do homem é o próprio homem. Neste caso, se o homem é a raiz do homem, e se a história é a história do homem, logo, o fundamento do ser do homem, sua totalidade, é a história.
Mais a fundo, o fundamento da história humana é o trabalho, o exercício ou a intencionalidade operante sobre a natureza, logo é a intencionalidade a marca indelével e fundamental do agir humano. Dessarte, o comportamento consciente, livre e intencional é, por excelência, o que define a liberdade e a responsabilidade histórica e social da conduta humana.
Encimados em princípios que não abandonam por considerá-los atuais e verdadeiros, os comunistas consideram indigno ocultar ou dissimular suas opiniões e seus propósitos.
Proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados derrubando pela violência toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam ante a Revolução Comunista. Os proletários nada têm a perder nela mais que seus grilhões. Em troca têm um mundo a ganhar. (MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. In Obras Escolhidas em três tomos, t. 1. Moscou: Progresso, 1981. p. 140)
Mas por que procurar na ética a fundamentação das nossas ilações, o que vem a ser a ética e por que o interesse em seu concurso?
A relação entre ética e educação é configurada como insólita, exatamente por intelectuais e filósofos que não vêm essa incontornável relação de forma clara, mesmo porque não vêm relação alguma entre filosofia e educação. Esta dicotomia transformada em aporia me faz lembrar um enunciado sobre o tempo, que parafraseada fica mais ou menos assim: se ninguém me pergunta o que é educação eu sei o que é; mas se me perguntam, não sei. Seguramente, quer dizer que compreendemos a expressão educação, nas não conseguimos defini-la ou, simplesmente, explicá-la.
No tocante a ética, vivendo a confusão dos matizes própria a cidade do capital enquanto sociedade que por definição é política e não ética, procura pelo discurso reafirmar a misantropia em nome de certa ética. Assim, se não me perguntam o que é ética, sei o que significa, mas se me perguntam, não saberei defini-la. Buscar a relação entre educação e ética pode se configurar como equívoco à medida que a ética ou o discurso ético estaria, segundo os filósofos, distante da relação profana com a educação e com a política.

A CORUJA DE MINERVA VÔA AO CAIR DA NOITE
Um alemão tenso, de barba profusa e fumando um charuto fedorento, Karl Marx, escreveu que os filósofos (intelectuais) não podiam mais se contentar em fazer interpretações refinadas do mundo, deveriam tentar mudá-lo.
A Marx estava a repetir por outro caminho o velho oráculo, Hegel, em sua metáfora sobre a "coruja de Minerva" (a deusa grega da sabedoria), sem citá-lo de forma clara Marx "reivindicava um vôo conseqüente e um aproveitamento prático da sua sabedoria". (VERÍSSIMO, L. F. A coruja de Hegel. Jornal A Gazeta, 28 de maio de 2009)
A ética é a ciência quer tem por objeto de estudo, a moral. Sobre esta afirmação, Vásquez tem a seguinte definição:
A ética é a teoria ou a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é a ciência de uma forma específica de comportamento humano. (...) Seu objeto de estudo é constituído por um tipo de atos humanos: os atos conscientes e voluntários dos indivíduos que afetam outros indivíduos, determinados grupos sociais ou a sociedade em seu conjunto. (VÁSQUEZ, A. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 12)
Moral descende do latim mos, mores ? costumes / conjunto de normas e regras de comportamento adquirido segundo o hábito de determinada sociedade, isto é, de dada classe social, grosso modo, a classe dominante; ou modo de "ser" dos homens e mulheres transformando socialmente a Natureza e sendo por ela transformados. Do grego éthos, a ética introduzida no latim vira moralis. Mores e ethos confluem, originariamente, para um mesmo tipo de comportamento que não é dado naturalmente, mas que aos poucos vai sendo construído e incorporado pelo hábito dos indivíduos que compõem essa determinada sociedade.
Os estudos destes dois vocábulos revelam terem eles o mesmo significado: costume, hábito, de modo que, no dealbar da história da humanidade, a moral prática, diversa das ideologias e das teorias filosóficas, "existe sob a forma de caracteres, hábitos, costumes, juízos, conselhos e apreciações que as pessoas utilizam na sua vida quotidiana". (LABRIOLA, A. Ensaios sobre a concepção materialista da história. Moscou: Gozpolitizdat, 1960. p. 162)
É importante anotar que nas sociedades de classes as formas ideológicas ? religião, direito, doutrinas filosóficas etc. ? impõem regras, prescrições e ensinamentos que, grosso modo, não coincidem com a moral prática - eis que representam / exprimem os interesses e os objetivos da classe dominante ? "mas vivem em estado de boa harmonia". (SHISKHIN, A. F. Teoria da moral. México: Grijalbo, 1972, p. 13)
A ética tem sua gênese logo após o surgimento do seu objeto de estudo, a moral. Antes mesmo do surgimento das teorias éticas os homens e mulheres regiam-se por determinadas normas de comportamento, opiniões e sentimentos morais mais rígidos do que os comportamentos morais modernos grafados nos mais diversos códigos. Por isto, a ética não pode, de mote próprio, criar a moral de uma determinada classe social.
Como doutrina da moral, a ética permanece como o ramo do conhecimento filosófico mais intimamente ligado à prática social ou às tarefas da vida diária de homens e mulheres vivendo em sociedade e sob um mesmo códex. A tese leninista sobre a luta de partidos na filosofia exprime, em última instância, as ideologias das classes sociais hostis em luta, por isto encontra sua confirmação especialmente, e significativa, no campo da ética.
Tal como na Grécia clássica, especialmente com Platão e Aristóteles, a ética da sociedade capitalista, onde a idéia do bem é o seu fundamento teórico inicial, não se revela outra coisa senão a idealização do Estado burguês e do domínio da burguesia industrial, fundiária e financeira sobre o restante da população.
A ética burguesa, como suas antecessores ? escrava e feudal ? justifica a subjugação, exploração e a extorsão eterna dos operários e trabalhadores assalariados, considerados "matéria" sobre à qual deve reinar o "espírito". Por isto, Marx e Engels escrevem: "o proletário não pode se libertar (como o barão de Münchausen saindo da areia movediça por sua própria força e puxando seus próprios cabelos) a si mesmo sem abolir todas as desumanas condições de vida da sociedade atual". (MARX, K. y ENGELS, F. La sagrada familia. México: Grijalbo, 1960. p. 102)
Essa fala de Marx e Engels apenas chama atenção para um simples fato, embora complexa em sua dimensão histórica-política: a alteração da base material sobre a qual está assentada a ética burguesa, ou seja, a transformação radical das estruturas carcomidas do capitalismo por outras mais saudáveis, humanas e socialistas.
Se o fulcro do estudo sobre a ética em determinada sociedade é a prática social traduzida em comportamentos e condutas morais de uma minoria indivíduos que afeta a maioria, então na cidade do capital, não esqueçam cidade de classes, impera a vontade de uma classe sobre a outra, ou seja, a opinião pública é a opinião da classe dominante. A ética nessa sociedade afirma, confirma como normal / aceitável e imitável não qualquer conduta moral, mas tão somente a conduta moral da classe dominante. O discurso ético no Brasil corresponde às demandas do homem burguês e não do homem em geral. Acresce que, a ética refere-se, ainda, para os gregos clássicos, "a busca de uma boa maneira de ser, ou à sabedoria da ação". (BADIOU, 1995, p. 15)
Embora para Badiou, "foram sem dúvida os estóicos que com mais constância fizeram da ética não apenas uma parte, mas o próprio cerne da sabedoria filosófica". (Idem, ibidem)
Por sua vez Tugendhat reporta que:
Na ética aristotélica não apenas ocorre o termo éthos (com e longo), que significa propriedade do caráter, mas também o termo éthos (com e curto) que significa costume, é para este segundo termo que serve a tradução latina. (TUGENDHAT, E. Lições sobre ética - 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 36)
Em suma, ética enquanto costume é o modo de ser ou o caráter ou uma forma de vida, seus usos e costumes, construída socialmente por homens e mulheres de dada classe social em determinada sociedade.
Se partir do humano como o resultado da ação dos homens e mulheres de carne e osso, sobre o que há nele de natureza, então o comportamento moral somente lhe pertence à medida que sobre sua própria natureza cria a segunda natureza, da qual faz parte sua atividade moral. A particularidade mais importante da ética consiste, exatamente,
Em estar intimamente ligada à vida social, à pratica da transformação revolucionária do mundo e à luta pela organização social justa e pela formação do indivíduo harmoniosamente desenvolvido, moral e humanista. (TITARENKO, A. I. Fundamentos da ética marxista-leninista. Moscou: Progresso, 1982. p. 4)
A ambigüidade conceitual me permite compreender a "ética" como reflexão filosófica sobre a moral, neste caso, ela não pode ser confundida ou aceita como sinônimo de moral. Na acepção corrente da palavra, ela abarca de modo privilegiado os direitos do homem ? ou, subsidiariamente, os direitos do ser vivo. O retorno à velha doutrina dos direitos humanos ou "dos direitos naturais do homem está evidentemente ligado ao esboroamento do marxismo revolucionário e de todas as formas de engajamento progressista que dele dependiam". (BADIOU, 1999, p. 19)
A ética na cidade do capital enquanto ciência da moral e discurso sobre a vacuidade dos direitos humanos, é apenas a ética dos exploradores e não a verdadeira ética somente possível numa sociedade sem exploração do homem pelo homem, uma sociedade sem oprimidos. A ética em questão é o comportamento dos que vivem na abundância e não dos que vivem na miséria abundante; é a ética dos que vivem da extorsão da mais-valia e da jornada de trabalho excedente e não dos que produzem o trabalho excedente, os extorquidos.
O discurso ético levado a termo na cidade do capital, especialmente aquele direcionado à defesa dos direitos naturais do homem, articulado pelos intelectuais da ordem e nada éticos porque políticos, que buscam a realização de uma "política de emancipação coletiva", enquanto "adotam as máximas da ordem ocidental estabelecida". (BADIOU, 1995, p. 20)
O discurso melífluo da intelectualidade burguesa ratifica a hegemonia da hipócrita moral capitalista. Hipócrita porque desde 1848, a burguesia abandonou os ideais republicanos do Iluminismo e esqueceu, de uma vez por todas, que "não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de conciliar o antagonismo de classes, mas de abolir as classes, e não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova". (MARX, K. y ENGELS, F. Mensaje del comité central a la liga de los comunistas. Obras Escolhidas em três tomos, t. I. Moscou: Progresso, 1981. p. 183)
Se vivemos sob um gouvernement qui suspend ce malentendu terrible qui existe entre les différents classes, então quem se deixou levar com deleite por essa generosa embriaguez de fraternidade? (MARX, K. As lutas de classes na França de 1848 a 1950. In MARX, K. e ENGELS, F. In MARX, K. e ENGELS, F. Obras Escolhidas em três tomos, t. I. Moscou: Progreso, 1981. p. 219)
Por suposto, o proletariado, à medida que, veja:
As concessões que lhes foram conferidas, as promessas feitas a ele, entre tantos outros grilhões que era necessário romper. A emancipação dos operários ? inclusive como frase ? se converteu para a nova república num perigo insuportável, pois era um protesto constante contra o restabelecimento nítido e indiscutível das relações econômicas de classes existentes. Não havia mais remédio [para a burguesia] senão acabar com os operários. (MARX in MARX e ENGELS , t. 1, 1981, p. 224)
Os filósofos iluministas ? D?Alembert, Diderot, Helvétius dentre outros ? elaboraram um sistema ético com seus fundamentos não pairando no céu, mas fincados na terra; não nas idealizações ou ideações, mas na prática social e nos interesses reais dos indivíduos. Para eles, a ética e as normas morais correspondem às condições materiais em que vivem e atuam homens e mulheres de determinada sociedade.
Mas o que é que determina o conteúdo da moral ou em que consiste o significado da obrigatoriedade e do imperativo de suas exigências?
Não irei me deter na dicotomia dos imperativos kantianos, apenas ressaltamos que o imperativo categórico é uma regra da razão sem ponto de referência, radicando sua racionalidade não no objetivo ou no bem-comum, mas em si mesmo. Contudo, se nenhuma teoria tem um fim em si, então ela não pode se furtar em discutir questões fundamentais, pois da sua solução depende sua posição filosófica. Seu encaminhamento revelará qual a concepção de mundo e qual o verdadeiro compromisso político do intelectual.
O termo imperativo da lavra de Kant é utilizado para indicar uma fórmula que expressa a norma da razão ou proposição que tem a forma de uma ordem que deve ser cumprida sem condição, ou seja, é o que ordena ou exprime uma ordem. Se por acaso o homem só pode escolher, segundo sua sensibilidade, aquilo que está de acordo com a razão, não podendo escolher senão aquilo que é racional, então a lei da razão assume a forma de uma ordem tendo sua expressão no imperativo. O imperativo se divide em (1) hipotético, aquele que comanda uma ação relativamente boa que deve está subordinada à consecução de uma finalidade possível ou real; (2) e o categórico, aquele que corresponde ao comando de uma ação que é por si mesma necessária. (ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982)
E mais, o imperativo é uma espécie de gênero normativo, neste caso, "um imperativo é hipotético se a ordem que enuncia estiver subordinada a algum fim que se pretenda atingir, ou pelo menos que se poderia atingir: por exemplo, come sobriamente se quiseres conservar a saúde". Diz-se ser ele categórico quando "se ordena sem condição: sê justo". (LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 531)

AS LENTES DA MORAL
Na cidade do capital, contraditória em si mesma, emergem formas de pensar a moral, não de forma parenética, eloqüente ou exortativa, mas de forma a caracterizar as concepções de mundo dos indivíduos, concomitantes com as concepções sobre a justiça e a injustiça, o bem e o mal, a honra e a desonra, a covardia e a coragem etc. Enfim, especialmente, sobre as quais as classes sociais dominantes ao longo da história assentaram seus interesses como interesses de toda a sociedade.
Para alguns intelectuais a base da moralidade está exclusivamente no indivíduo. O homem abstrato é o seu único criador, de maneira que, a fonte da moralidade é a inteligência esclarecida, sendo o dever sublime de um indivíduo exercitar a compaixão, a vontade firme e a dignidade nobre (dignidade que ao longo da história foi apenas a dignidade da nobreza!). Essa concepção peca por subjetivismo, ou seja, por não ser capaz de expressar o conteúdo objetivo da moral ao interpretá-la como fruto da arbitrariedade pessoal, do egoísmo, do capricho ou do ímpeto individual.
Outros procurando as bases supra-subjetivas da moral acabam conferindo-lhe sentido e significado emanados de uma vontade divina. A religião é o legado da moral assentada no bem fazer cheio de sofrimento e tentação contida. Ao conferir um atributo divino à moral, terminam por deturpar e subestimar (quiçá, intencionalmente) o sujeito da moralidade, envenenando-o com um opiáceo religioso, carnavalesco, esportivo ou espetacular, sempre com a prédica conservadora da tolerância com a qual procura adormecer a vontade de lutar pela felicidade terrenal real.
Há os que consideram a moral como mera ressonância da necessidade de instauração da ordem, em vez de linha de ação na construção doutra ordem. Ser moral é adotar a resignação diante do inelutável, indelével e inexorável. Ao contrário, lutar pela quebra da ordem capitalista apontando a necessidade de edificação doutra ordem, igualitária e socialista é ser imoral.
A moralidade é, portanto, nessa ótica, produto da sociedade (categoria abstrata) que reprime os desejos e interesses egoístas dos indivíduos. Assim, dado que não conseguem deambular para além da especulação e da abstração perdulária, esses intelectuais não chegam a abordar a determinação histórica e social da moral.
Se permanecer a tese segundo a qual as idéias dominantes de cada época são as idéias da classe dominante, então podemos claramente postular ser a moral dominante, enquanto um conjunto de idéias balizadoras de condutas e comportamentos na cidade do capital, utilizada para manter os dominados sem sobressalto aferrados à classe dominante. Não roubarás, não matarás, aponta o código bíblico como (imperativo categórico). Matarás e roubarás, mas serás punido, assegura o código penal brasileiro (imperativo hipotético). Essa estúpida dicotomia retrata a confusão estabelecida na consciência social, talvez como suposto contraponto entre a fantasia e o real.
Não existe fundamento minimamente razoável à existência de uma moral puramente filosófica, por ser especulativa ou dedutiva divorciada da realidade humana. Todavia, o comportamento moral é próprio do humano enquanto ser histórico e social que pela prática transforma o mundo que o rodeia e que faz da natureza externa um mundo à sua medida, necessariamente humana, transformando a sua própria natureza. (VÁSQUEZ, 1982, p. 17)
A base compreensiva da moral está na sociedade, ou seja, na prática social dos homens e mulheres materializada na sua organização política de condução da sociedade. A moral na cidade do capital é determinada pelo domínio da propriedade privada que desune e torna as pessoas inimigas e concorrentes na luta pelo domínio sobre o modo capitalista de produção da existência.
Na sociedade de classes formam-se dois tipos antagônicos de moral: de um lado, a moral da classe dominante, dos industriais, dos latifundiários e dos dissolutos banqueiros ou simplesmente, moral burguesa; enquanto do outro lado, a moral dos oprimidos, dos operários, trabalhadores e camponeses pobres, enfim, a moral proletária. Uma contraposição inconciliável pode ser observada no fato de que no seio da burguesia é divulgada uma desdenhosa compreensão sobre o trabalho braçal ou físico, desdenhosa para com o operário, o trabalhador e o sem-terra, vez que se cultiva ali a ambição pela extorsão da mais-valia e pelo lucro.
Nos meios proletários, na contramão da história, subsiste o respeito e a solidariedade de classe para com os explorados e o ódio inconsciente aos opressores, aos parasitas. Instala-se aí o desprezo pela riqueza acumulada com a extorsão da força de trabalho alheia. Na cidade do capital onde o lucro é o desiderato final da classe dominante, a moral dominante apenas ratifica o extremo individualismo tido como o imperativo categórico e supremo princípio dos preceitos morais.
Homo homini lúpus, o homem como lobo do homem é uma metáfora apresentada como fundamento da moral burguesa neste país. O individualismo ensinado desde cedo sedimenta a essência da moral capitalista e é sedimentado pelo aprendizado e prática constante da voracidade, da ganância, da hostilidade e da concorrência desenfreada, apontados como supostos princípios do processo civilizatório. Os exploradores continuam apresentando seu universo moral como sendo necessário à sociedade como um todo. (KOVALHOV, S. M. Materialismo dialético e histórico. Amadora/Portugal: Novo Curso, 1980)
Neste caso, a moral burguesa é apenas a reverência supersticiosa diante da propriedade privada e do poder do dinheiro. Noutro flanco, a moral proletária refuta as reverências acima e se manifesta na contramão de toda a exploração, a opressão e a extorsão de parte do tempo de trabalho ou jornada de trabalho excedente. Refuta ainda a principal tese da moral burguesa, o individualismo animalesco, procurando estabelecer novas relações verdadeiramente humanas entre os homens, à medida que por intermédio do processo revolucionário deixarão de ser presas da exploração do homem pelo homem.
A ética concernente às relações entre responsabilidade e necessidade deve ser abordada a partir de pressupostos filosóficos básicos, como a dialética da necessidade e da liberdade. Por suposto, o discurso moral tem por base não a especulação, mas a prática social material e espiritual de homens e mulheres. Neste sentido, a ética tem "como fundamento a concepção filosófica do homem que nos dá uma visão total deste como ser social histórico e criador". (KOVALHOV, 1980, p. 18)
Nesta perspectiva, a ética só tem validade prática quando compreendida como fato histórico, quer dizer, assim como as sociedades sucedem umas as outras, também a moral concreta, efetiva, se sucede umas à outra. E se entendo a moral como fato e produto histórico e, por conseguinte, a ética como ciência da moral, então não posso "concebê-la como dada de uma vez para sempre, mas como um aspecto da realidade humana mutável com o tempo". (VÁSQUEZ, 1982, p. 25)
Neste caso, obviamente, as transformações materiais imanentes à dinâmica da cidade do capital é o fator principal de transformação da moral vigente. Em minha compreensão, a moralidade, seja ela qual for ou de que ordem for, é determinada social e historicamente. Sem sombra de dúvida, o conteúdo objetivo da moral traduz o caráter das relações sociais de produção, ou seja, das relações de propriedade dos meios de produção, da interação entre as diferentes classes sociais, das formas de distribuição, troca e consumo.
Com efeito, é possível dizer que se a ética é um produto histórico e social determinado pela síntese das múltiplas determinações, unidade da diversidade, múltiplo da sabedoria, tudo o que se contrapõe a ela enquadrar-se-á nas seguintes palavras de Hesíodo:
Ótimo é aquele que de si mesmo conhece todas as coisas; bom, o que escuta os conselhos dos homens judiciosos; mas, o que por si só pensa, nem acolhe a sabedoria alheia, esse é, em verdade, uma criatura inútil. (ARISTÓTELES Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 51)
Mas há um paradoxo da moral dominante, transmitida pela educação burguesa, evidenciado entre a pregação e a ação cobrada aos indivíduos, da infância à velhice. A coragem, como reportava Aristóteles, não pode ser construída sob a servidão, mas pelo desprezo diante dos perigos ou no arrostar coisas terríveis.
A perda do temor reverencial às autoridades e às incertezas da contemporânea cidade do capital torna os bravos os homens e capazes de fazer frente às intempéries sociais da sociedade em que vivem.
Mas qual é a prerrogativa moral da atual sociedade, inculcada pela educação oficial ainda na consciência imatura das novas gerações: crianças e adolescentes serão educados / formatados como covardes e subservientes diante do poder do capital.
Pensando com Epicuro, procuro por um pouco de dúvida na cidade cheia de certezas! Dever-se-ía educar a juventude de determinada maneira a fim de que se deleitasse com as coisas que devem causar deleite e evitasse todo sofrimento. Não seria essa a educação certa?
Na contramão do pensavam os gregos clássicos, quando afirmavam a areté, a virtude do homem da Pólis, homem da classe dominante, como orientando-se para o mais difícil, questiono: o que seria realmente o mais difícil para o cidadão brasileiro?
A moderna cidade do capital orienta os homens que não são partes da classe dominante, à aceitação da condição de excluídos, orientando-os para o mais fácil, a resignação, vez que o mais difícil radica na superação dessa condição primeira, na superação da dor em busca do prazer, a transição do reino das necessidades para o reino da liberdade.
O discurso pedagógico "democrático" empreendido pelos pedagogos arautos da burguesia afirma que as assembléias são a casa do "povo", quando na verdade deveria dizer que o povo enquanto o conjunto dos indivíduos que produzem as riquezas das sociedades com suor do teu próprio rosto, não são benquistos nas casas do "povo". Salvo melhor juízo, essas casas ou assembléias ou câmaras de deputados são lugares onde os políticos e os poderosos tecem trampas para enganar o povo e para viverem do suor do rosto doutros.
Diferentemente da virtude política dos gregos clássicos que inculcavam no escravo a idéia de que o seu dono e a sua família eram seus senhores por natureza, a virtude popular nascida do populus, reside na ousadia da transformação social e na certeza de que ninguém é senhor de ninguém. A moral dominante essencialmente escrava, ergue a morte contra a vida, postulada como uma antiética à medida que apenas "pela prática de atos justos se gera homens justos". (ARISTÓTELES, 1979, p. 71)
E o que são atos justos? São os perpetrados para transformar a sociedade injusta numa sociedade de iguais, justa e fraternal. Se não se pode ser justo, na cidade injusta, então é preciso transformá-la. Na cidade do capital o epíteto "justo" tem sido dado a minoria que vive da exploração sobre a força de trabalho dos que produzem as riquezas. Neste caso, não há a mínima possibilidade de alguém ser chamado de injusto e não ético na cidade onde "o excesso e a falta são características do vício", ali "jamais pode haver retidão, mas unicamente o erro". (ARISTÓTELES Organon - livro 1 do V / Tópicos. Lisboa: Guimarães, 1987. p. 73)
No tempo do Estagirita havia três tipos de virtudes, notadamente virtudes do homem da classe dominante: a sabedoria, a virilidade e a moderação ou comedimento. Sabedoria era uma prerrogativa exclusiva dos filósofos (os governantes). Virilidade era própria aos guerreiros [a coragem do cidadão-soldado é "a que mais se assemelha à verdadeira coragem". (ARISTÓTELES, 1987, p. 92)]. Moderação ou comedimento era direito especial dos homens livres. Nenhuma consideração aos escravos.
Essas virtudes exclusivas da classe dominante coexistiam (como ainda coexistem!) com o desprezo pelo trabalho braçal, escravo ou assalariado, e admiração pelas guerras de rapina e dominação, pela cobiça e poder.

O TRANSFUGIR COMO ATO IMORAL
Diante da proclamada "exaustão" do marxismo até então considerado como indispensável à compreensão e transformação da realidade capitalista, o abandono de posições nas quais o intelectual era o ser que sempre negava e a assunção de outras mais "realistas", pode significar, após uma primeira e rápida vista, ato de coragem necessário à libertação do dogmatismo e do sectarismo. Todavia, apurando o foco da mirada descobre-se que o transfugir representa a incorporação do reformismo eivado de uma dupla vantagem: servir à classe dominante, enquanto é permitido aos intelectuais trânsfugas tomar apenas na aparência certa distância da luta de classes.
Produto dessa insólita libertação, a pesquisa desinteressada estribada na dicotomia mundo da ciência versus mundo da prática e mundo da política versus mundo da cultura, ratifica a razoabilidade e oculta a dimensão política da ciência. Os intelectuais em transfugidos e em desabalada corrida para o regaço da direita cultivam o "mas", o "porém" e o "quem sabe".
Fui persuadido a refutar os argumentos reformistas, e só posso rejeitá-los, na verdade, fazendo-me ainda mais radical. Os argumentos e a prática social moderada, comedida e metodicamente conservadora, mostra que a falsa contestação dos princípios da classe dominante, oculta a condição de intelectuais orgânicos da burguesia. Nessa luta, o inimigo mais direto e perigoso, é o inimigo interno que Sartre chamava de falso intelectual. (SARTRE, 1994, p. 38)
A dicotomia usada pelos intelectuais da educação ratifica a intransigente defesa "da única e ilimitada fortaleza da razão" diante das tentativas de assalto da opinião ou da não-razão, invariavelmente atribuída à prática laica e ao senso comum, exprimida em juízos de valor. (BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder. São Paulo: UNESP, 1997. p. 128)
Servindo-me da clássica dicotomia, esquerda e direita, pergunto: quem são os intelectuais de esquerda que, na educação, continuam a usar juízos de valor da burguesia como fundamento da sua prática social e da dinâmica da própria educação?
É pelas atitudes ou práticas sociais que, enquanto intelectual, sou levado à radicalidade em minhas ações e discursos [este um reflexo daquelas]. Engajei-me em todas as lutas e conflitos do tempo presente porque todos eles são conflitos de classes, efeitos particulares da opressão dos desfavorecidos pela classe dominante e porque em cada um deles estou oprimido e consciente de sê-lo, do lado dos oprimidos. (SARTRE, 1994, p. 40)
Neste caso, a relação entre educação, ética e sociedade não comporta três caminhos, mas apenas e tão somente dois sustentados por Lenin em seu famoso "O que fazer?". Uma terceira posição é, em primeiro lugar, assumir a condição subalterna à minoria de burgueses que faz dos operários e trabalhadores assalariados, produtos de seus produtos, roubando-lhes os fins e deles retirando os meios particulares necessários à produção do seu consumo conspícuo; e em segundo lugar, aceitar a existência de mais de dois bilhões de famintos e subalimentados, como uma verdade fundamental das sociedades capitalistas.
É imperioso abandonar as ilusões reformistas que ainda incomodam e radicalizar como "revolucionário, compreendendo que a única coisa que as massas podem fazer é quebrar os ídolos que as esmagam". (SARTRE, 1994, p. 43)
É preciso encampar a luta da classe operária, luta de origem negativa, nascida da liquidação dos particularíssimos e da necessidade da construção de uma sociedade sem classes.
A opção pela tradição marxista não se deu e não se dá por ou ao acaso, nem mesmo resulta sem conseqüências! A opção pelo marxismo significa apenas que a validade teórica do materialismo dialético e histórico demonstra, ainda neste início de século, a possibilidade histórica da materialização da revolução proletária mundial, do fim da exploração capitalista, da apoteótica emancipação da classe operária e dos trabalhadores assalariados e da construção do socialismo.
A crise econômica em que está mergulhado o país e por tabela os principais intelectuais transfugidos da esquerda para o centro e dali para a extrema direita, configura uma crise de energia intelectual, capitulação diante da presença supostamente avassaladora dos triunfos político-militares do capitalismo no mundo contemporâneo. Os transfugidos estão traumatizados pela visão negativa. (PETRAS, J. Transformação capitalista: relevância e limites do marxismo. Revista Crítica Marxista, v. 1, nº 2. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 147)
A propósito, sigo o raciocínio de Florestan Fernandes para quem:
A atualidade do marxismo prende-se, pois, diretamente ao solapamento e eliminação do capitalismo monopolista avassalador, da "globalização" de economias, culturas e sociedades que, na verdade, só se unificam em certos pontos estratégicos da consolidação do capitalismo, em seu paradigma final, mais bárbaro e brutal que se poderia imaginar. (FERNANDES, F. Revolução, um fantasma que não foi esconjurado. Revista Crítica Marxista, volume 1, nº 2. São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 144)
A experiência e a análise dos fatos históricos demonstram que quaisquer concessões sobre os princípios, por mais insignificantes que possam parecer, transformam-se, grosso modo, nos primeiros passos da conciliação com o inconciliável. Quando se luta por princípios e convicções arraigadas, não se pode parar a meio caminho. Os princípios triunfam, mas jamais se conciliam. Esta posição é apenas o reflexo da intransigência com a atitude metafísica refletida na fórmula: a luta e nenhum compromisso.
Nenhum compromisso será assumido se ele proclama concessões sobre o núcleo racional da concepção de mundo materialista dialética e histórica. É improvável a aceitar compromissos com a concepção de mundo que nega a necessidade da revolução proletária como alavanca à transição do capitalismo para o socialismo.
As divergências ideológicas quanto aos princípios, são antagônicas e inconciliáveis, e permanecendo assim até que se alcance um estádio de sociedade onde não mais existam ideologias a referendar a dominação de uma Nação sobre outra, de uma classe sobre a(s) outra(s) e de um homem sobre outro homem. Sobre isto não pode haver nenhuma concessão, posto que para o homem de princípios, após análise concreta da realidade concreta, cabe conservar em qualquer circunstância a fidelidade aos princípios sobre os quais está assentada sua concepção de mundo, ou seja, cabe a ele protegê-los e proteger-se de todos os atentados ideológicos do campo antagônico.

A EDUCAÇÃO E A TAREFA DA CRÍTICA
Ainda que possamos incorrer num paradoxo, manteremos a Apologia de Sócrates como referência da crítica em andamento, à medida que com ele mantemos o sinal de contradição, suscitando dúvidas, suspensores dos juízos hegemônicos que não se revelam como demonstrativo necessário da realidade a ser transformada.
Os modernos intelectuais da educação usam à exaustão "discursos sutilmente enganosos, construídos com palavras e locuções rebuscadas". (PLATÃO Apologia de Sócrates. Lisboa: Guimarães, 1993. p. 30)
Ante esse fato, há muito tempo nos convencemos de não sermos doutos, nem muito nem pouco. Como o Oráculo, entendemos como necessário ir ao encontro dos intelectuais de nossa época ? os políticos, os poetas trágicos, os ditirâmbicos , os sindicalistas e muitos outros, mas qual não foi nossa surpresa ao descobrir que todos eles se julgavam / se julgam sábios quando, todavia não o são. (PLATÃO, 1993, p. 43)
Face à esta inaudita situação, assumimos a plena consciência de sermos mais sábio que os sábios que julgam saber quando nada sabem, enquanto nós, que "nada" sabemos, não julgamos saber tudo. Enfim, nos parece, por conseguinte, sermos um pouco mais sábio que os outros, pelo menos nisto: em não julgarmos saber o que na verdade não sabemos. Distante do período socrático, continuamos encontrando "gente que julga saber, mas que, na verdade, pouco ou nada sabe". (PLATÃO, 1993, p. 44-46)
Sobre esta certeza, posta como hipótese, radica nosso caminhar a procura dos que ignoram e sabem que ignoram para juntos construirmos uma prática social contrária a dos intelectuais que julgam saber tudo quando nada ou quase nada sabem.
Infestada pelos antigos que julgam tudo saber, a educação permanece como uma fiel escudeira da classe dominante e seus apologistas transfixados por uma ideologia repleta de sésamo e dormideira, apenas reafirmam o legado das condutas arbitrárias de 500 anos de invasão, ocupação e genocídio dos povos originários deste país. O retorno do obscurantismo que tudo confunde diante da loucura que o capitalismo gerou neste país, fez o bizarro habitar no seio dos intelectuais que se utilizam sobejamente do silogismo sofístico para engambelar as novas gerações.
Muitos e loquazes são os intelectuais que direcionam parte de sua prática política ao uso da falácia , isto é, se sentem idôneos para fazer outros crerem em algo que realmente não são mediante uma aparência sem existência. A falácia, enquanto sofisma, consiste em confundir ou imitar alguma coisa com o propósito de iludir. Iludir para fortificar o hábito no qual toda crítica é vista como panfleto sem substância, não filosófico e nem científico.
A turva compreensão do que seja ou não uma crítica literária filosófica ou científica é movida com o fito único de coibir a manifestação da livre atividade literária sem licença ou censura prévia, desatrelada do formalismo aprisionador.
As variadas tentativas de proscrição e exclusão do opositor político de esquerda no âmbito acadêmico e intelectual concorrem para que as constantes críticas, acusações e reparos à política econômica tenham um caráter eminentemente político panfletário. Historicamente desde os comunardos aos nossos dias, os intelectuais da ordem denunciam o uso de drogas alucinógenas para aliciar a juventude, fazem uso de imputações de desregramento e de perversão sempre dirigidas contra os indivíduos e grupos que na prática se mostram contrários ao statu quo. De forma verossímil procuram invalidar a participação sócio-política das camadas populares acusando-as de ignorantes, despreparadas e analfabetas.
Ora, em relação aos intelectuais, eles manipulam outras categorias de acusação, pois quando não lhes é possível acusar diretamente os outros de subversão, os que dissentem da ordem estabelecida, utilizam fartamente o recurso de cerceamento da sua produção intelectual em nome de alguma coisa ou ordem abstrata in extremis como os bons costumes, a família, a moral. (VELHO, G. (Org.) Arte e sociedade / ensaios de sociologia da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 31)
A decorrência desse cerceamento não pode ser outra coisa senão a ausência de consciência crítica da totalidade, fazendo com que nos assemelhemos a "sátiros astuciosos" que rapidamente trocam entre si as aparências exteriores e as propriedades interiores enganando a si mesmos e os ingênuos e incautos. (PLATÃO O político. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 239)
Como disse um crítico do século XVIII, os sátiros são uma espécie de cortesãos das vitórias ganhas; bravos no desarmamento dos desarmados, fujões das situações arriscadas, inimigos das causas vencidas, lacaios das triunfantes.
A desobediência aos padrões rígidos da economia política, determinante das teorias burguesas, encerra um paradoxo inelutável à medida que nos liberta para viver o real, nos impede à fantasia do real, ou seja, a grotesca especulação que referenda a confusão dos matizes e o abandono de princípios. Algo a história relata e demonstra que a maioria da população e dos intelectuais ainda não compreendeu: não há sociedade que possa desenvolver-se e prosperar sem a luta de opiniões, sem liberdade de crítica. Esta regra universalmente reconhecida é pisoteada sem contemplações, formando-se em torno dela confrarias e grupos fechados que se pondo a salvo de toda possível crítica, estabelecem como lei a não crítica, a reger comportamentos, caprichos e arbitrariedades.
Os intelectuais que lutam pela lucidez em meio à alienação e aos dramáticos equívocos, obstinados em manter acesa a débil chama do espírito rebelde no mundo dominado pela injustiça, pela violência, mormente nesta fase noturna em que pensar ou tentar refletir tornou-se um delito de lesa-pátria, são "punidos" com zombaria e martírio.
Em face desse conflito o intelectual deve escolher um das duas posições políticas antagônicas: a conservadora ou a revolucionária. Para Corbisier, "essas posições não resultam de uma pura deliberação da vontade", mas são decorrentes "da situação em que o homem se encontra na estrutura social". (CORBISIER, 1978, p. 29)
Nesta perspectiva, não há produção científica escoimada das pré-noções e dos preconceitos, ou seja, das ideologias. As teorias do conhecimento, situadas e datadas, historicamente condicionadas, não foram e não são produzidas à margem do processo social, produzidas sobre o nada do ser. O conhecimento é historicamente determinado e todo conhecimento na cidade do capital é um conhecimento de classe. Sem mais delongas, o conhecimento deve ser aceito como um fato indiscutível, primeiro, porque é prático, isto é, antes de elevar-se ao nível teórico, ele é iniciado pela experiência, pela prática; segundo, porque, sem exceção, é social, ou seja, é na vida social que descobrimos outros seres semelhantes a nós, eles agem sobre nós e agimos sobre eles e com eles; terceiro, o conhecimento humano tem um caráter histórico, com outras palavras, todo conhecimento é adquirido e conquistado. (LEFÉBVRE, H. Lógica formal / lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 49)
Sem mais delongas, o conhecimento humano é prático, social e histórico. Apesar de fluir da prática social se o conhecimento é adquirido e conquistado, então é possível demonstrar que as idéias provêm da experiência e refutar a teoria das idéias inatas para continuar a golpear aqueles que predicam a não historicidade e a não temporalidade transitória das teorias do conhecimento. Com isto golpeamos os intelectuais da burguesia que neste século estão a resgatar a teoria das idéias inatas com o intuito de fundamentar a propriedade capitalista e uma vez que a propriedade privada é natural, não se pode e não se deve tocá-la. (POLITIZER, G. A filosofia e os mitos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 87)
É preciso encarar o seguinte fato: o conhecimento em si mesmo não pode ser eleito à condição de problema, ele é fato. Quando o conhecimento é posto / dito como problema é porque a tratado isolado e separado do que é dado efetivamente como ligado. Quando a teoria do conhecimento é desligada da prática, ou seja, sem unidade com a prática ou sem ligação direta e consciente com a mesma, os intelectuais proclamam a neutralidade científica como fio condutor dos saberes e fazeres pedagógicos. Essa proclamação apenas reflete uma concepção mítica de mundo e, obviamente, de educação.
Urge reportar que o intelectual, o homem de letras, como o cientista social, jamais pode se dizer neutro, a não ser que por ingenuidade, por uma concepção mítica do que seja a ciência ou, o que é mais grave, por puro fisiologismo. O intelectual e o cientista não são neutros, sem partidos explícitos, pois a imagem do mundo que eles elaboram não se configura como "um instantâneo fotográfico da realidade tal como ela é percebida. [Pois] de uma forma ou de outra, ele é sempre uma interpretação". A neutralidade do intelectual, no sentido da produção literária não ser engajada, é apenas a imagem que a sociedade tem dele "um indivíduo ao abrigo das ideologias, dos desvios passionais e das tomadas de posições subjetivas ou valorativas. No entanto, trata-se apenas de uma imagem". (JAPIASSU, H. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1981. p. 45)
Imersos numa falsa perenidade do modo capitalista de produção da existência, na falaciosa neutralidade científica e pedagógica e no quimérico compromisso com a verdade histórica (só demonstrada pela manipulação das mais diferentes e antagônicos métodos de análise da realidade objetiva), os intelectuais da educação procuram justificar a aparência, legitimar os momentos do pensamento, buscando o "grão da verdade" do erro relativo. Para eles, a sociedade moderna é móvel por causa do ritmo acelerado do capital, mas nesse mundo parmenídico as relações de produção continuarão inalteradas. E ainda que eles não vejam os metais se desfazendo sob a inclemente ação subversiva do oxigênio, não obstante, eles se desfazem.
Quando os valores aceitos como verdadeiros se fundam sobre relações sociais de produção das quais fluem teorias conservadoras, o próprio mundo parece imóvel porque é imprescindível que pareça imóvel. (LEFÉBVRE, 1975, p. 182)
Descobre-se então sem muito esforço intelectual que os intelectuais carentes de imaginação e carentes de razão procuram imobilizar o humano na confusão dos paradoxos. Seu compromisso pedagógico, já não mais político, nega a dimensão política da prática pedagógica com os interesses e objetivos da burguesia encimados na:
(1) Na manipulação genética do ser humano procurando mais resultados (trabalhadores e atletas), traduzidos em mais lucros.
(2) No tratamento químico condicionante das bases biológicas do trabalho e dos esportes, necessário ao aumento desses resultados e, obviamente, de mais lucros.
(3) Nas imagens e nas pulsões dos trabalhadores e dos atletas entregues ao sortilégio da mistificação das massas pela propaganda política e esportiva serviente ao estratagema das empresas multinacionais, das indústrias do material esportivo e "ergogênicos" nutricionais, todas unidos pela busca do lucro fácil.
(4) No fato de que as escolhas coletivas e o querer comum foram transferidos para as decisões dos burocratas e intelectocratas estipendiados pelo governo e pela burguesia e dos cartolas e tecnocratas dos esportes aproveitadores do erário.
(5) Na evidência de que a consciência individual e a consciência coletiva foram manietadas pelo cálculo frio e egoísta da racionalidade científica necessária e imanente à sociedade do consumo conspícuo.
É tarefa da crítica na análise histórica política é revelar a aparência e a essência do compromisso pedagógico dos intelectuais da educação, suas causas e conexões universais, para demonstrar que a síntese de matizes, por mais paradoxal que possa parecer, é dominada por elementos da tese conservadora movendo-se camuflados com os quais o capitalismo permanece girando em torno de si mesmo. Impregnados de juízos de valores conservadores, reacionários, calçados no dogmatismo erguido à condição de elemento superador do statu quo, esses intelectuais constroem guetos com seus rituais e seus idioletos, estatuindo o apartheid entre o acadêmico e o político.
É tarefa da crítica a demonstração que nesses guetos não se discute o fim último do que é dito e praticado, quando praticado; neles o que pode mudar é apenas o idioleto, dialeto, jamais os fins, que se erguem como monopólio da fala e ditadura de uma douta minoria encimada em paradigmas supostamente emancipatório ou comunicativo, com os quais discriminam os diferentes, abjuram as grandes narrativas ou metas-narrativas ? o Iluminismo e o Marxismo ? e, notadamente, desqualificam o pensamento marxista-leninista. Nos guetos os intelectuais críticos mudam de ideologia e de concepção de mundo como as bacantes mudavam de parceiros. Para eles tudo é efêmero, fugaz, trotam entre o positivismo e o marxismo com uma desenvoltura invejável, e sem nenhum constrangimento juntam, por exemplo, Comte, Marx, Weber, Hayek, Lenin, Dewey, Makarenko, Piaget e Vigotski numa mistura teorética dantes impensada pelo mais rigoroso alquimista do Medievo.
A análise objetiva da realidade, móvel, múltipla, diversa e contraditória, aponta a dificuldade dos intelectuais da ordem de aceitar a concepção sinóptica de mundo, pari passu somado a irracionalidade do quotidiano. Essa dificuldade radica na ausência do não entendimento da dialética enquanto movimento elevado da razão no qual as aparências separadas passam umas nas outras e se superam. (LEFÉBVRE, 1975, p. 171)
Não compreendem que os seus esforços reafirmam a fraseologia que enfraquece a consciência sobre os antagonismos sociais. Com frases ocas mascaram a oposição, enfraquecem e confundem ainda mais a consciência da contradição total que existe entre o comunismo e o capitalismo. (MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã ? tomo II: crítica da filosofia alemã na pessoa dos seus diferentes profetas. Lisboa: Presença / Martins Fontes, s.d. p. 346).
A crítica marxista quanto à interpretação e a análise da missão da educação e estudo analítico do compromisso político dos seus intelectuais, caracterizados pelo abandono de princípios, não é uma escolha em virtude da suposta perfectibilidade e infalibilidade da obra de Marx, Engels e Lenin. Na verdade, é decorrência da intransigência na investigação e exposição do modo capitalista de produção da existência e da sua necessária transformação, posto que o capitalismo é um cactus cujas parasitas raízes aéreas se enrolam em torno das cátedras universitárias, dos bancos do Parlamento (Congresso e Câmara), dos banqueiros etc. sugando a seiva viva do trabalho. (MARX e ENGELS, s.d.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
À análise da realidade concreta buscamos distinguir o principal do secundário, o determinante do determinado, Sem esta distinção não é possível construir uma base sólida à edificação da crítica radical. Crítica radical como contraponto político e histórico as correntes libertadora, emancipatória, libertária e comunicativa, protelatórias do que é historicamente inexorável ? indispensável à reconstrução da vida do tecido social (e universitário) e, obviamente, da educação enquanto instrumento válido e necessário à luta dos operários e trabalhadores.
Quando se ignora o antagonismo na sociedade brasileira entre classes sociais antitéticas, é porque, com certeza, não se percebe que a "ordem na desordem somente se mantém porque se utiliza a força doce e dura para manter as grandes maiorias da humanidade em estado de penúria crônica. Dezoito por cento da população mundial consomem irresponsavelmente 80% dos recursos não renováveis". (BOFF, L. A função da universidade na construção da soberania nacional e da cidadania. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1994. p. 27)
Como assinalou Furtado sobre o desenvolvimento obstado deste país:
O desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar seu eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos. (FURTADO, C. Brasil, a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p. 76)
O desafio apontado por Furtado ainda hoje é ignorado pelos intelectuais "progressistas" transfugidos da esquerda à medida que eles sem exceção se manifestam publicamente a favor da ordem capitalista e da sua ideologia, o neoliberalismo. Todos eles fazem uso do referencial marxista e quando o fazem é sempre na versão academicista, ou seja, o marxismo de cátedra que não pressupõe a imprescindibilidade do processo revolucionária como meio à erradicação da exploração do homem pelo homem.
Por não propagarem a histórica tese científica da luta de classes, a defesa da revolução socialista ? o velho "fantasma que não foi esconjurado" diria Florestan Fernandes ? como parteira da história e o comunismo como generoso projeto de sociedade, culminam com a afirmação do modo capitalista de produção da existência como fim último da humanidade.
Evidencia-se na concepção de mundo desses intelectuais, o compromisso político implícito da sua prática social quando se exprimem "dizendo que tudo é uma e só a mesma coisa, e inclusive o bem e o mal são iguais". Dato este que, segundo Hegel, constitui a pior maneira de entender a unidade e "só mesmo um pensamento ainda bárbaro pode usá-la quando se trata de idéias". (HEGEL, 1995, p. 22)
Desde os idos dos anos 80 do século passado, nos move a ação continuada ao desvelamento da educação escolar como meio de encobrimento do capitalismo como o único responsável pela fome, miséria e exclusão social, sem nenhum contributo para auxiliar os excluídos a compreenderem as causas do processo de exclusão e extorsão do qual são vítimas e sob o qual "vivem".
No âmbito interno da educação essa produção encobre falácias e práticas autoritárias que, adrede, reafirmam ser a escola ? da educação básica à universitária ? parte dos aparelhos ideológicos de Estado ou lócus formador de quadros da classe dominante e professores domesticados, necessários à continuidade da exploração capitalista.
Esses quadros e esses professores procuram escoimar os movimentos humanos específicos ? as técnicas corporais ou práticas corporais, tais como esportes, danças, greves, insurreições, revoltas, motins, migrações, golpes, revoluções etc. ? produzidos por homens e mulheres concretas. Homens e mulheres concretas pertencentes à determinada classe vivendo num determinado modo de produção da existência (escravocrata, feudal e capitalista) sofrendo as determinações das pré-noções, dos preconceitos e das ideologias construídas no processo dinâmico das lutas de classes.
É tarefa da crítica, revelar o fato da prática social política e pedagógica desses intelectuais, está sintonizada com a ideologia dominante e, portanto, não servir indistintamente aos sonhos e desejos de todos os indivíduos desta sociedade. Eles (os intelectuais) desconsideram as condições sócio-econômicas, materiais e intelectuais, e os antagonismos sociais como fulcro de qualquer trabalho destinado à explicitar e separar o real da fantasia. Sua prática social apenas reafirma e reproduz o movimento reacionário das idéias e dos homens e mulheres que se beneficiam não só das idéias, mas, sobretudo, da riqueza produzida pela enorme massa de trabalhadores e trabalhadoras e da qual eles não dispõe nada para além deus míseros e parcos salários.
É tarefa da crítica marxista, atacar a prática sem teoria (ativismo) ou teoria sem prática (teoricismo) do professoralismo e da erudição que ignora que o particular não existe senão à medida que se vincula ao geral e o geral só existe no particular e através dele. Além de tornar evidente que a força de trabalho coletiva [aspecto do movimento humano mais geral] em franco processo de célere desumanização, a colocar em cheque a pregação sobre a melhora da qualidade de vida do proletariado na cidade do capital.
Sobre esse processo de desumanização celerada do proletariado, Muraro faz o seguinte comentário:
O padre Lebret previu que o fosso entre os ricos e pobres, que na época [1955] era de 1 para 10 em matéria de renda, iria aumentar de 1 para 30. Ele foi modesto! O aumento foi muito maior (...). Acabei de saber que agora, no fim do século, existem 348 pessoas que possuem mais de 1 bilhão de dólares e que juntas possuem 45% do total da riqueza do mundo. Coitado do padre Lebret ele morreria outra vez se soubesse disso! (MURARO, R. M. Memória de uma mulher impossível. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1999. p. 82)
A crítica marxista permanece indispensável à desobstrução da fraseologia e da concepção de mundo hegemônicas no interior da universidade pública brasileira, por nós entendida como espaço possível de deslegitimação da ordem capitalista e reconstrução doutra ordem, socialista, cujo conteúdo é o mundo criado pelo trabalho do homem com e contra a natureza.
Falta à educação, dominada por quadros transfugidos das mais diversas ordens religiosas, filósofos idealistas e ex-militares reacionários, compreender que a crítica para além do fim da história e do fim das ideologias, é a crítica que desfolha o ridículo doutrinário hegemônico e aponta a necessidade da deslegitimação dos valores sociais e morais dominantes.
A crítica quando não foge ao real é porque foi construída sobre a realidade concreta e entende a política como prolongamento da economia. Esta crítica demonstra ser a educação escolar um instrumento de alienação dos jovens para afastá-los dos movimentos políticos enquadrando-os nas regras do jogo jogado na cidade do capital, essas regras são necessariamente capitalistas. (CUNHA, L. A. e GOES, M. DE O golpe na educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1986)
A crítica vai às raízes do homem para demonstrar que, como parte integrante da superestrutura ideológica e componente do largo sistema de socialização cultural, a educação escolar tem como função velada operar a inculcação de teorias que fundamentam a dicotomia social.
Procurando negar as formas ideológicas construídas a partir das relações de produção ou da atividade material de homens e mulheres, os intelectuais neoliberais com tapeações maquinadas propagam a liberdade de crítica como a nova força motriz da história. Essa "liberdade de crítica" é, sem dúvida, a palavra de ordem que mais aparece nos discursos dos intelectocratas de todos os matizes.
A análise da "liberdade de crítica" nos permite observar que apenas aqueles que não cerram os olhos propositadamente, podem perceber que essa tendência, filha mais nova do neoliberalismo, dissimulando e mascarando as contradições existentes na sociedade brasileira e imanentes ao modo de produção capitalista, procuram apresentam o capitalismo como um sistema harmônico.
Não podemos aceitar a liberdade de crítica como valor universal, absoluto, ignorando-se a realidade em que homens e mulheres encontram-se oprimidos, subjugados, negados. Quer dizer, não aceitamos a peroração sobre a liberdade sem o seu conteúdo de classe. Liberdade não é uma doação ou uma benesse de uma classe dominante, mesmo porque, nas sociedades capitalistas não há e nem haverá liberdade real para a classe operária e trabalhadores assalariados.
Por fim, cabe a educação em seu sentido ético reportar ser a verdadeira liberdade de crítica, intimamente ligada à atividade consciente, aquela estribada no conhecimento das leis do desenvolvimento social, organicamente vinculada à libertação da classe operária e do campesinato pobre, e estreitamente relacionada com o movimento pela demolição do capital e edificação da cidade do trabalho e da sociedade comunista.