As implicações do novo tipo penal "Estupro de Vulnerável" sobre as causas de aumento de pena na Lei dos Crimes Hediondos.

Líria Almeida Nogueira
Luciana Nepomuceno Alencar

SUMÁRIO: Introdução; 1 Lei Nº 12.015/2009 e o "Estupro de Vulnerável" ; 2 Lei dos Crimes Hediondos; 3 As implicações do novo tipo penal "Estupro de Vulnerável" sobre as causas de aumento de pena na Lei dos Crimes Hediondos; Conclusão; Referência.

RESUMO
Aborda-se a Lei Nº 12.015/2009 e a criação do novo tipo "Estupro de Vulnerável", assim como a Lei Nº 8.072/1990 ? Lei dos Crimes Hediondos. Aborda-se as principais diferenças existentes entre o novo tipo supracitado e o revogado "Presunção de Violência". Problematiza-se os efeitos advindos do novo tipo penal sobre a Lei dos Crimes Hediondos, mormente no que diz respeito ao aumento de pena.
PALAVRAS-CHAVE
Estupro de Vulnerável. Lei de Crimes Hediondos. Efeitos. Aumento de Pena.

INTRODUÇÃO
Verifica-se na realidade brasileira ampla necessidade no que diz respeito à proteção da criança e do adolescente de forma integral. Anteriormente, esta matéria era regulada pelo art. 224 do Código Penal na qual era denominada "Presunção de Violência" em que se presumia a violência quando cometido relações sexuais com menor de 14 anos. Contudo, o legislador percebeu a necessidade de proteger de uma forma mais severa este tipo de conduta, logo, a prática de relações sexuais com menor de 14 anos não mais se presume violência, foi muito além, tornou-se um novo delito chamado "Estupro de Vulnerável" (art. 217-A) retirando parte do caráter relativo que o tipo anterior suscitava e o incluiu na Lei dos Crimes Hediondos.
Porém, com a revogação da "Presunção de Violência" e a inclusão do novo delito na Lei dos Crimes Hediondos observaram-se alterações significativas na sistemática deste último, visto que, o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos previa aumento de pena para determinados crimes estando a vítima nas hipóteses do art. 224(presunção de violência) no qual foi revogado.
Diante de tais circunstâncias, problematizam-se as implicações que este fato ocasionou para a Lei dos Crimes Hediondos, tendo em vista que despertou inúmeras divergências em torno desta matéria. Assim, tem-se como principal objetivo avaliar cada uma dessas dissensões e corroborar para serenar tais inquietações. Assim sendo, é de fundamental importância a exposição desta questão uma vez que, dependendo de qual norte este debate adotar, influenciará de forma significativa nas cargas punitivas de uma parte dos sujeitos que se encaixavam no art. 9º da LCH.

1 LEI Nº 12.015/2009 E O ESTUPRO DE VULNERÁVEL.

A Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009 modificou o título VI da Parte Especial do Código Penal que versava sobre os crimes contra os costumes, sua vigência teve início em 10.8.2009, data da sua publicação no Diário Oficial da União, alterando o bem jurídico tutelado que passara a ser a dignidade sexual e não os costumes,como observado anteriormente.
Dentre as alterações advindas da nova lei podemos observar a unificação das figuras de estupro e do atentado violento ao pudor; a revogação da Lei 2.252/54, que regulava da corrupção de menores, e introduziu no Estatuto da Criança e do Adolescente o artigo 244-B com o mesmo teor restritivo; revogou expressamente, de acordo com o art. 7º, os artigos 214, 216, 223, 224 e 232 do Código Penal. Por fim, alterou o Capítulo II revogando o art. 224, que versava sobre presunção de violência, criando uma nova figura que passou a ser denominada "Estupro de Vulnerável", protegendo os portadores de enfermidade ou deficiência mental e os menores de quatorze anos, é neste último que se prende nossa reflexão. Antes, visualizemos os tipos penais, caput:
Art. 224, alínea "a" CP: Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de quatorze anos. (revogado)
Art. 217-A: Ter conjunção carnal ou praticar ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.


Cumpre-nos, primeiramente, assinalar acerca da presunção de violência, revogado pela nova lei. De acordo com Regis Prado , a presunção de violência nos crimes sexuais foi prevista na maior parte dos Códigos Penais, isto se deu pela excepcional preocupação do legislador com pessoas que são impossibilitadas de consentir ou exprimir de forma válida o seu desacordo em face de práticas sexuais. No Brasil, a primeira legislação que regulou a presunção de violência foi o Código 1890 que limitava em seu art. 272 a presunção à menoridade de dezesseis anos. No Código de 1940 permaneceu a presunção de violência, contudo, modificou a faixa etária que passou a ser até o dia em que a vítima completasse quatorze anos, além de acrescentar a possibilidade de a vítima ser alienada ou débil mental.
É de verificar-se com o advento da nova lei supracitada que a presunção de violência, anteriormente prevista no art. 224, tornou-se deste então crime de estupro vulnerável, isto é, as hipóteses previstas de presunção passam a ser elementares de um novo tipo penal. No dizer sempre expressivo de Rogério Greco , esta alteração tem o condão de eliminar o dissídio existente a respeito de a presunção de violência ser absoluta ou relativa, que segundo o mesmo sempre possuiu natureza absoluta. Todavia, não é mansa e específica a questão, posto que em sentido contrário entende Guilherme Nucci quando afirma que a discussão não foi sepultada tendo em vista que a lei não poderá alterar a realidade fática e nem repelir a aplicação do princípio da ofensividade e da intervenção mínima.
Passemos a analisar as principais alterações previstas no novo tipo penal. A primeira modificação diz respeito à própria denominação que passou a ser chamar "Estupro de Vulnerável" criando, assim, uma descrição tipológica própria em relação ao estupro do art. 213. A segunda alteração diz respeito à pena (oito a quinze anos de reclusão) que tornou-se bem mais severa em comparação às penas cominadas para o tipo básico de estupro comum. Vale ressaltar ainda, que nas qualificadoras, a discrepância em relação ao rigor punitivo é ainda maior. Esta última suscitou na doutrina inúmeras discussões no que diz respeito à violação do princípio da proporcionalidade do direito penal.
Outra alteração significativa refere-se à supressão da violência ou grave ameaça do tipo penal, isto quer dizer que é suficiente para se consumar o novo tipo, o agente ter conhecimento de que a vítima é menor de 14 anos e resolver manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com ela. Destarte, a violência não é mais presumida, a lei analisa tal conduta sexual ou libidinosa como um ato sexual de evidente violência e, portanto, precisa ser reprimida de forma mais significativa, vale ressaltar, ainda, que o legislador levou em consideração o intenso sentimento de repulsa da sociedade frente aos crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes até 14 anos. Convém ressaltar ainda a modificação ocorrida na ação penal que antes, em regra, era privada, iniciando-se com o oferecimento de queixa pelo ofendido ou representante legal. Com a nova lei, a ação penal acrescentou parágrafo único ao art. 225 dispondo que a mesma será de iniciativa pública incondicionada, tendo em vista a vulnerabilidade da vítima.
Em última análise, cabe ressaltar que a Lei nº 12.0215/2009 em seu art. 4º alterou a redação dos incisos V e VI, do art. 1º, da Lei 8.072/1990 ? Lei de Crimes Hediondos ? classificando o estupro de vulnerável como crime hediondo, seja em sua forma simples ou nas formas qualificadas. É o que aborda o tópico seguinte.

2 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS

Cumpre examinarmos, neste passo a respeito da Lei Nº 8.072/90 que regula os crimes hediondos. Em análise preliminar faz-se mister analisarmos o contexto em que esta lei se originou, para em um segundo momento passarmos para sua conceituação. Conforme Antonio Monteiro , a Constituição Federal ao entrar em vigor em 5 de outubro de 1988 delegou que legislações infraconstitucionais regulassem acerca de temas classificados como polêmicos e de complexa solução. Entre esses temas estava inserido os crimes hediondos tendo em vista que a Constituição Federal em seu art. 5º, XLIII, dispõe que:

a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.


Verifica-se ainda que a criação da Lei dos Crimes Hediondos foi feita de forma acelerada e apressada, assim, para compreensão de tal fato, faz-se necessário analisar o momento de terror que alcançava diversos setores da sociedade brasileira, mormente por causa de múltiplos seqüestros no Rio de Janeiro. Descreve o autor supracitado que o ambiente emocional proporcionou o surgimento de uma lei que enfrentasse os atentados à segurança da sociedade, visto que, a mesma clamava por medidas drásticas para findar o clima de insegurança. E o governo necessitava dar uma resposta à sociedade ansiosa por segurança.
É neste contexto que surge a Lei nº 8.072, de 25 de 1990, que "dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal [...]". Esta lei é resultado de vários projetos de lei que tramitavam no Congresso Nacional, mas seu projeto final foi aprovado no dia 20 de junho de 1990. Dentre os crimes contra os costumes estava o crime de estupro, nas formas simples e qualificadas, e o atentado violento ao pudor. Vale ressaltar acerca do objetivo desta lei, que segundo Nucci é "impor maior aspereza no trato com essa espécie de delinqüência".
Faz-se necessário ressaltar, neste passo, sobre a conceituação de "crimes hediondos". Normalmente costuma-se definir um crime hediondo como sendo aquele cuja execução é realizada de forma cruel e com extrema violência sem nenhum senso de compaixão, ou aquele que causa repulsa e indignação às pessoas. Assim, todas as vezes que uma conduta delituosa estivesse acompanhada de extrema gravidade, crueldade e repulsa seria um crime hediondo.
Contudo, este conceito à luz do Direito Penal brasileiro é errôneo, posto que não temos um crime hediondo todas as vezes que um crime é brutal e cruel. Neste sentido acentua Monteiro que crime hediondo é todo aquele que a "Lei dos Crimes Hediondos" assim o definir. Esta lei foi feita em conformidade com o chamado sistema legal, isto é, os crimes hediondos estão taxados exaustivamente, não deixando nada em aberto para o juiz. Desta forma, definiu o autor ora citado que crime hediondo "é simples e tão somente aquele que, independentemente das características de seu cometimento, da brutalidade do agente, ou do bem jurídico ofendido, estiver enumerado no art. 1º da lei" ?. São, portanto, em numerus clausus.
Inadequado seria esquecer, também, acerca de algumas críticas voltadas para a Lei dos Crimes Hediondos. Primeiramente critica-se que a lei supracitada foi feita às pressas com o objetivo de acalmar os ânimos da sociedade, como resultado, seus elaboradores não tiverem tempo suficiente para se prepararem e isto acabou sendo transmitindo para cada dispositivo desta lei. Neste sentido afirma Tourinho Filho "uma leitura de todo aquele diploma legal mostra, à evidência, que os responsáveis pela sua elaboração estavam despreparados".
Outra crítica diz respeito à eficácia desta lei, a indagação para essa crítica é que, na prática, esta lei alcançou seus objetivos que são reduzir a incidência da criminalidade e oferecer à sociedade um ambiente seguro. Entretanto, atuais pesquisas revelam ser a insegurança o maior problema do país em sua totalidade . Esta constatação decorre do fato de que não é com o aumento de pena ou classificando um crime como hediondo que se vai solucionar a questão da insegurança. A solução vai muito além disso, envolve questões históricas, problemas de estrutura social e educação, porém, não é objeto deste presente estudo.
Após tais questões preliminares, podemos analisar a inserção do crime "Estupro de Vulnerável" na Lei dos Crimes Hediondos, mormente, no que diz respeito às modificações que aquela ocasionou nesta e quais os reflexos disto na sistemática dos crimes hediondos. É o que analisaremos no item a seguir.

3 AS IMPLICAÇÕES DO NOVO TIPO PENAL "ESTUPRO DE VULNERÁVEL" SOBRE AS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS.

Com o advento da Lei Nº 12.015/09 que, entre outras alterações, revogou expressamente o artigo 224 ? Presunção de Violência ? e criou um novo tipo penal ? Estupro de Vulnerável ? observou-se a ausência de reforma do art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos suscitando diversas discussões acerca do tema. Dispõe o art. 9º da Lei 8.072/90:

As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitando o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.

Convém, portanto, esclarecer que, com a criação do delito Estupro de Vulnerável, os elementos tipificados no art. 224 do Código Penal, tornaram-se a compor elementares do tipo penal do art. 217-A. Destarte, gerou-se uma dúvida de que forma seria aplicado o artigo supramencionado. Interroga-se se houve a revogação tácita do art. 9º da LCH ou se este permanecerá mesmo diante da revogação do art. 224 do CP. Neste sentido, várias correntes tentam explicar tal conjuntura, vejamos as principais delas.
Uma primeira corrente defende que não houve a revogação tácita, pois esta ocorre no momento em que uma nova lei é com a anterior incompatível ou quando disciplina inteiramente a matéria de que tratava lei anterior. A segunda vertente afirma que não foi o que ocorreu com o art. 9º, da Lei dos Crimes Hediondos, pois em momento algum fez menção aos crimes sobre os quais incide a citada causa de aumento, tendo por escopo do novo tratamento aos crimes sexuais. Desta forma, o legislador apenas faz incidir uma causa de aumento de pena em relação a situações delineadas no referido artigo 224, mas que permanecem previstas no art. 217-A do diploma penal.
Outro argumento utilizado por esta corrente é que deve-se evocar o princípio da continuidade normativo-típica. Conforme este princípio, não se profere a revogação de um dispositivo penal toda vez que, mesmo com a alteração legislativa, ele permanecer existindo em outro, caso seja possível identificar que não houve descontinuidade na coação estatal. Assim sendo, assegura que houve apenas uma substituição do art. 224 pelo art. 217-A do Código Penal não havendo motivos para a revogação do art. 9 da LCH.
Defendem ainda que a intenção do legislador com a criação do art. 217-A foi, tão somente, proteger de forma mais rigorosa as vítimas que se encontravam nas circunstâncias descritas no art. 224 do Código Penal, mas que os elementos nucleares do artigo revogado continuam resguardados no novo tipo delituoso. A respeito do princípio da legalidade, defendem que este não foi violado posto que o legislador nunca teve a intenção de afastar a incidência da causa de aumento de pena; pois se fosse esta sua finalidade teria feito de forma expressa, e não o fez.
Enfim, asseveram que diante da situação problemática que se gerou em volta do art. 9º, da Lei dos Crimes Hediondos, deve-se buscar uma saída interpretativa que esteja de acordo com o espírito constitucional, isto é, deve-se sustentar o máximo possível dos interesses protegidos pela Constituição que, no caso da criança e do adolescente, é resguardar a infância e juventude. Assim sendo, afirmam que isto será feito se permanecer vigendo o art. 9º da LCH.
Entretanto, a despeito da primeira corrente, há ainda a segunda corrente que, a nosso ver, é a mais adequada. Segundo esta, uma vez que o legislador revogou de forma expressa o art. 224 do Código Penal, e não tendo reformulado o art. 9º da LCH, revogou de forma tácita o aumento de pena em análise. É de verificar-se que sendo revogado expressamente o art. 224 quer dizer com isto que este tipo penal deixou de existir no diploma penal e que, portanto, todo e qualquer dispositivo que se refira a ele deve, igualmente, deixar de existir.
Como se pode notar, não pode haver uma substituição do art. 224 pelo 217-A no art. 9º da LCH, uma vez que os dispositivos que integravam o revogado artigo 224 são agora elementares desse novo crime. Não pode o art. 224 ser revogado expressamente e ao mesmo tempo ser aplicado em aumento de pena, se assim fosse, configuraria uma incoerência colossal do nosso sistema penal.
Convém notar, outrossim, que ao aplicar o revogado art. 224 no aumento de pena do art. 9º da LCH incorreria na violação de alguns dos basais princípios do direito penal. O primeiro deles diz respeito ao princípio da legalidade e anterioridade penal que está proclamado no art. 1º do Código Penal e tem como alicerce constitucional o art. 5º, XXXIX. Sua dicção tem sentido amplo e afirma que não há crime, nem pena ou medida de segurança sem prévia lei. Levando para o caso em questão, percebemos que não há como se aplicar o art. 9º da LCH se não há o crime 224 tipificado previamente no Código Penal, caso contrário, estaríamos ferindo um dos principais princípios que sustentam o direito penal.
Outro princípio que deve ser levado em conta é o princípio da segurança jurídica que conforme Regis Prado visa "refutar qualquer imprevisibilidade ou incerteza no que diz respeito ao controle-legal a que o indivíduo se encontra submetido." De acordo com esse princípio, carece o direito penal dar certeza quanto a aplicação de suas normas de forma que não venha ferir os direitos fundamentais do homem, desta forma, não se pode aplicar uma norma que até mesmo deixou de existir no Código Penal, tendo em vista que a segurança jurídica que o direito penal busca proporcionar para a sociedade estaria gravemente ameaçado.
Por fim, não se pode olvidar o princípio do ne bis in idem que proíbe a incidência de mais de uma punição individual pelo mesmo fato. Os elementos anteriormente constituídos no art. 224 (Presunção de Violência) agregam o atual tipo penal (Estupro de Vulnerável), logo, não pode ser aplicado o art. 224, como causa de aumento de pena previsto no art. 9º da LCH, sob pena de ocorrer bis in idem visto que, se assim fosse, o indivíduo seria punido mais de uma vez pelo mesmo caso.
Questão fundamental a ser considerada é a vigência da lei penal no tempo, dentro desta perspectiva, analisemos a retroatividade da lei mais benéfica estabelecendo que "a pena mais leve da lei nova é justa e a mais severa da lei revogada é desnecessária" . A retroatividade da lei mais benéfica é um direito subjetivo do sujeito ativo, sendo expressamente garantido na Constituição Federal, Código Penal e no Pacto de San José da Costa Rica que vale como emenda constitucional. Dispõem:

Art. 5º, XL, CF: A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Art. 2º, CP: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Art. 9º, Pacto de San José da Costa Rica: Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o delinqüente deverá dela beneficiar-se.

Assim, no momento em que o legislador revogou expressamente o art. 224 do Código Penal, e ficando este silencioso na remodelação do art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, houve a revogação tácita da causa de aumento de pena, originando uma condição benéfica tanto para os réus anteriormente condenados, quanto para os que ainda estão sendo processados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista ao que aqui foi apresentado, observamos uma saída para enfrentarmos tal situação que reside na adoção da revogação tácita do art. 9º e a retroatividade da lei benéfica, visto que não se pode haver uma simples substituição de tipo penal tendo em vista a revogação expressa do art. 224 que não pode ser confundido com o novo delito, pois são tipos distintos e autônomos entre si.
Ressalta-se, ainda, que considerar a substituição dos artigos, implica em violar alguns dos princípios fundamentais do direito penal, quais sejam o princípio da legalidade, segurança jurídica e o ne bis in idem. Portanto, o silêncio do legislador, quanto ao art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, deve ser entendida como revogação tácita, ensejando na retroatividade da lei penal mais benéfica.














REFERÊNCIAS

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NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

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