*Gleriston Albano Cardoso Alves[1]

1 INTRODUÇÃO

                   Neste trabalho procura-se abranger tudo que a doutrina tradicional costuma apontar no estudo da posse enquanto tópico do estudo do direito das coisas. Passamos ao estudo da posse desde a sua concepção no direito positivo em Roma mostrando como este proeminente instituto do direito foi evoluindo perpassando por 12 séculos no Império Romano.

Ao longo desse interstício, a posse sofre transformações e subdivide-se de acordo com o modo de sua aquisição, seja por apreensão ou por concessão do Estado. Também surge a modalidade de posse em que o Estado cedia as terras sob a condição de pagamento de um foro anual nos moldes da extinta enfiteuse. Com a Lei das XII Tábuas, logrou-se notável diferenciação entre posse e propriedade inclusive delimitando-se bem os poderes inerentes a propriedade como o uso, gozo e fruição.

A Idade Média viu o esfacelamento do poder centralizado e o surgimento dos feudos onde existia a delimitação das terras senhoriais e servis bem como as áreas de uso comum

À medida que a posse foi evoluindo acompanhando o desenvolvimento da civilização, a tutela desta bem como a relação deste instituto com o Estado foi-se modificando para cada vez mais se dar uma primazia do interesse privado sobre o público. Nesse viés, o Direito Canônico deu importante contribuição ao reconhecer a necessidade de proteção da posse contra violência, mesmo aquela fundada em algum argumento jurídico bem como o alargamento do conceito de posse para abranger coisas corpóreas e incorpóreas.

Não se pode olvidar de tratar acerca da origem abstrata da posse, quais o elementos que a constituem e as teorias majoritárias acerca do instituto: a teoria objetiva de Ihering e a teoria subjetiva de Savigny, passando por algumas teorias minoritárias.

Discute-se ainda a natureza da posse. Parte da doutrina a apontará como fato, outra parte como direito, corrente essa aceita no ordenamento jurídico brasileiro, ainda outra parte apontará que a posse se trata ao mesmo tempo de um fato e de um direito. Podem ser objeto de posse em geral somente objetos corpóreos, embora, conforme veremos, há situações em que se admite por parte da doutrina e jurisprudência posse de bens imateriais.

Trataremos ainda sobre as diversas classificações da posse que variam de acordo com as relações entre o possuidor e a coisa de contato direto ou não, ou da existência de mais de uma pessoa com poderes idênticos à outra em relação à coisa. Diferencia-se ainda em relação ao liame subjetivo do possuidor em relação à coisa e aos seus efeitos processuais ou se há ou não existência de títulos sobre a posse.

A posse teve regulação mais bem redigida no código hodierno em relação ao anterior. Isso se percebe com o conceito aberto para aquisição e perda de posse em detrimento de um rol que o Código Civil de 1916 trazia e nesse sentido apontamos algumas das formas de aquisição e perda da posse admitidas no direito brasileiro.

Por último tratamos das ações possessórias, instrumentos para a prossecução da tutela possessória a fim de proteger-lhes de violações que perturbam a paz social.

 

2 DA ORIGEM DA POSSE

2.1 Posse no Direito Romano

                   A posse é elemento do mundo  natural  a muito tempo conhecida no âmbito do direito. Não obstante as várias teorias existentes sobre a sua origem no direito, a corrente dominante aponta que no direito romano é que esta obteve seu maior estágio de evolução. Ainda mesmo no Direito Romano é preciso termos cuidado já que sob esta categoria pode ser descrito o Direito de um período de aproximadamente 12 séculos.

A respeito, pondera Vittorio Scialoja:

"É impossível dar-nos conta da propriedade romana, se antes não conhecermos, pelo menos em suas linhas gerais, o desenvolvimento histórico do domínio, desde os seus primórdios até o tempo de Justiniano. A história do Direito Romano desenvolve-se em 12 séculos, durante os quais ocorreu a mais completa transformação econômica e social do mundo moderno. Roma, de pequena comuna, tornou-se soberana da Europa, então conhecida, da África Setentrional e de parte da Ásia, sofrendo a mais radical transformação. Quando se fala, pois de prosperidade romana é mister distinguir, se se fala da de Rômulo ou da de Justiniano ou da propriedade de uma época intermediária" [2]

Em que pese esta distinção, podemos afirmar que a propriedade inicialmente era das gens, surgindo, posteriormente a propriedade do Estado.

Com o domínio das terras pelo Estado, surgiu o dominium, poder conferido pelo Império aos comuns do povo sobre os terrenos, o qual era concedido através de um dos seguintes instrumentos: assinationes viritanae, por requerimento dos cidadãos; assignationes coloniae, visando a fundação de uma nova colônia; ou pelas agri questorii, através de hastas públicas pelos "questores”. Em relação ao agri questorii as distribuições de terras aos particulares pelo Estado Romano, sob garantia do povo - dominium ex iure Quiritum - eram realizadas no local após medição oficial prévia. As terras que permaneciam como ager publicus, não estavam sujeitas a medições. Cada pater familia ocupava a fração que julgasse conveniente, sob a condição de aceitar o regimento de ocupação. Por isso qualificavam-se os terrenos como agri arcifinii ou occupatorii. Tais ocupações somente se permitiam aos membros do povo romano e não geravam o direito de propriedade, mas tão somente a situação possessória que o Estado podia revogar a qualquer momento e arbítrio que,contudo , a protegia enquanto durasse.

A posse sobre o terreno se dava, destarte, por três maneiras. Pelo exercício do domínio, pela ocupação de terras devolutas e por permissões do Estado as quais davam direito ao usufruto apenas, sem transferência do domínio, sendo esta última forma a agri occupatori, mediante o pagamento de um foro denominada vectigal, pago ao Império.

De forma separada dos agri vectigales, a partir do século III D.C., os imperadores romanos começaram a ceder a particulares, mediante pagamento de um foro anual (cânon), terras não utilizadas pertencentes à família imperial (não ao Estado, embora por diversas vezes confundissem-se o patrimônio do Império e da família imperial ), para cultivo. Esta concessão de terras originou-se na Grécia, copiada pelos romanos no Egito e em Cartago, e chamava-se emphyteusis. Esse arrendamento mediante o pagamento do cânon pelo enfiteuta ao senhor direto do imóvel aforado, tinha a finalidade de solucionar o problema do plantio e do cultivo de imensas glebas de terras (latifundia).

Os latifundiários também passaram a arrendar suas propriedades, ampliando-se dessa forma a ocupação e do cultivo das terras particulares, nos mesmos moldes dos arrendamentos feitos pelo Estado.

A partir do século IV D.C., os dois institutos, o ager vectigales e a emphyteusis (o ius emphyteuticon), mesclaram-se surge então o novo instituto, sob o nome do segundo, no Código de Justiniano. Esta fusão aconteceu na Era de Justiniano, com a finalidade de segurar o lavrador à terra de um terceiro, de modo que os arrendatários não podiam ser obrigados a deixar a terra, enquanto pagassem a prestação compactuada.

Com a promulgação da Lei das XII Tábuas, positiva-se a diferenciação entre posse e propriedade. Destarte, se demonstra que o reconhecimento da posse somente apareceu com a sua proteção por meio dos interditos. Isto decerto decorre do triunfo da plebe Só então começou a divisão da propriedade, pela distribuição e arrendamento das terras. Além disso, a noção de propriedade é absolutamente consolidada com a noção jurídica de ius utendi, fruendi et abutendi, isto é, o direito de usar, gozar e tirar o máximo proveito da coisa.

Por sua vez, Pontes de Miranda afirma que a origem dos interditos romanos está ligado a paz e a terra, bem como a proteção das pessoas e das coisas contra violência ou arbítrio, e em nada se relacionava com a proteção da liberdade e do status familiae, da democracia grega e do movimento igualitário cristão. Não era uma proteção essencialmente a pessoa e indiretamente a coisa, pois não havia essa distinção conceitual, de modo que os interditos serviam à vida sem diferenciar res nullius e res quae alicuius sunt. Para fins de proteção, tratava-se os homens livres como coisa, res nullius.

Duas teorias tentam conceber a origem histórica da proteção da posse no Direito Romano. A primeira, criada por Niehbur, defendida por Savigny e mais modernamente por Albertario e Burdese, assevera que a providência de caráter administrativo à tutela da antiga possessio dos ocupantes do ager publicus, à proporção que, não sendo proprietários, ficavam sem a proteção judicial que existia; por isto, os pretores tutelaram a situação possessória através da concessão dos interditos, proteção esta espalhada adiante para as demais posses. A segunda teoria, defendida por Ihering, dentre outros, e aceita pela maioria dos doutrinadores hodiernos, aduz que a gênese da proteção por interditos encontra-se no poder outorgado ao pretor, nas ações reivindicatórias, de conceder provisoriamente (até sentença final) a posse da coisa litigiosa a um dos litigantes não afastando porém o ônus probatório de sua posse por parte deste.

2.2 Posse na Idade Mèdia

A posse na Idade Média (Europa) possui sua maior expressão com a figura do feudo principal como unidade econômica, que se dividia em três partes: a propriedade privada do senhor, chamada de domínio ou manso senhorial, no interior da qual havia geralmente um castelo fortificado; o manso servil, ou seja, a porção de terras arrendadas aos camponeses e que eram divididos em lotes, chamados de tenências; e o manso comunal, terras coletivas (pastos e bosques) usadas tanto pelo senhor como pelos servos, ou seja, a posse era primazia do senhor feudal e concedida aos seus servos. A sociedade política medieval, em seu conjunto de feudos, apresentava uma estrutura escalonada, de forma piramidal, tecida em uma rede imensa de contratos, pactos e compromissos, exprimindo relações de cunho pessoal – não-territorial.

Ao lado da fragmentação política, assistimos à fusão de elementos culturais e institutos jurídicos de diversas origens, especialmente das denominadas "tribos bárbaras" (godos visogodos, astrogodos, suevos etc..), povos de origem germânica cuja expansão está intimamente ligada à queda de Roma, além da influência do Direito Canônico (além dos próprios elementos culturais e jurídicos germânicos).

É a época dos glosadores e pós-glosadores. A respeito do conceito de posse dos glosadores estes, com o método dialético inaugurado, nas Summae, por Irenério (H. Fitting, Summa Trecensis, VII s.), começaram o labor científico mais sério após o dos grandes axiomatizadores romanos (Nenhuma alusão dos glosadores ao animus domini, porque era estranho aos textos). A posse, para eles, é relação fática, todavia sem que percebessem que, relação social, tinha de ser com as outras pessoas. Viam na posse o corpo do sujeito em contacto com o corpo da coisa. Não se pode dizer que o étimo de possessio tenha sido a causa de tal concepção, mas foi aproveitada para isso. Partindo da relação tão material, tinham os glosadores de cair na distinção entre a possessio vera e a possessio interpretativa, artificialis ou fictícia, criada essa pelo direito.(...) A aquisição da posse tinha de ser pela apreensão corporal, o que de si só faz ressaltar quão estreita era a concepção dos glosadores. O ato-fato jurídico da tomada da posse tinha de ser para eles, actus corporalis, posto que se admitisse a traditio ficta, a traditio por interpretationem (Summa Codicis, 417).

Quanto ao direito canônico, "aplicando embora os textos das leis romanas e os interditos, introduziu-lhes algumas modificações. O pensamento da Igreja era proteger a posse contra toda e qualquer violência, mesmo contra aquelas que se apresentavam com aparências jurídicas.

Uma radical transformação da concepção de posse sobreveio por força de um novo sentido trazido com as leis canônicas. Tal transformação manifestou-se em duas direções: primeiro, pelo alargamento da posse, cujo conceito ampliou-se para compreender não só as coisas corpóreas como ainda os próprios direitos; em segundo lugar, quanto a certos princípios inerentes à espoliação, por haver consagrado o exceptio spolii. Esta tinha como idéia a seguinte situação: o bispo, expulso de sua sede e despojado de seu poder e de seus bens, dificilmente podia se defender contra as acusações de poderosos inimigos, e ficava exposto a sucumbir freqüentemente na luta contra estes potentados. Então se dispôs que um bispo, expulso de sua sede ou despojado de seus bens, não podia, neste estado de inferioridade, ser objeto de procedimento criminal, enquanto não fosse reposto na sua situação; tinha direito a se defender com a exceção de esbulho, alegando que não podia ser processado enquanto não fosse recolocado na posse de tudo quanto lhe tinha sido retirado. Era isso a exceptio spolii, que não era uma simples exceção dilatória, mas um meio de defesa que implicava uma ação de restituição da posse esbulhada.

A actio spolii, por outro lado "era a verdadeira ação de esbulho, era dada, pela glosa do Decreto, a todo possuidor, esbulhado contra sua vontade; visava a restituição, e intentava-se, não somente contra o esbulhador, mas também contra o terceiro possuidor, posto que de boa fé.

Quanto ao direito germânico, o principal legado no tocante à posse é o instituto da Gewere , instituto do direito germânico distinto da posse (possessio) e desconhecido dos romanos, a Gewere era a investidura justa (recht Gewere) que fazia de alguém na posse da coisa (de início somente móvel, mas depois imóvel também), independentemente da apreensão física (corpus) ou intenção de possuir (animus), fazendo com que se criasse uma aparência (presunção) de que o investido fosse realmente o possuidor (princípio da publicidade). Exemplo: posse do herdeiro. Não se limitava a afirmar que o investido era o titular do direito, porquanto a Gewere também tinha função legitimadora dos negócios jurídicos que o investido celebrava com terceiros de boa-fé, que com ele contratavam sob essa aparência, constituindo-se em situação jurídica que independia da existência do verdadeiro direito material."

Da subordinação da posse ao domínio operada pelo direito germânio resulta que de início os germanos não conheceram senão uma propriedade só e uma forma exclusiva de posse: a do proprietário, o qual foi único a usar o imóvel por direito próprio, enquanto os braços, dos quais se servia para a cultivação do solo, eram unicamente os dos servos. Todavia, na época carolíngia, a propriedade foi sendo fracionada entre o senhor da coisa e o denominado livelário. Então sobreveio uma outra diferença entre o Direito Romano e o germânico; o primeiro manteve a posse do proprietário sobre a coisa, e criou a iuris possessio do terceiro titular de um direito real, enquanto o segundo deixou a idéia de posse se desenvolver e proliferar.

2.3 Teorias sobre a origem da posse

Existem várias teorias a divagar sobre a posse. Indubitavelmente  as mais aceitas e estudadas são as  teorias de Savigny e de Ihering, subjetiva e objetiva , respectivamente, valendo, contudo citar teorias ecléticas como as de Ferrini,  de Riccobono  e de Barassi além das chamadas teorias sociológicas como as de Perozzi, Saleilles  e de Hernandez.

2.3.1 Teoria subjetiva de Savigny

Para Savigny, recaem sobre a posse somente dois efeitos jurídicos: a condução à aquisição da coisa por usucapião e a proteção desta via interditos. A posse para este é um fato em essência pela forma como surge mas também  um direito pelos seus efeitos de proteção quando turbada ou esbulhada e o direito ao usucapião no caso de uma possessio ad interdicta.

Savigny em  seu magistério leciona que a posse é caracterizada pela conjugação de dois elementos o corpus e o  animus. O corpus é o elemento objetivo porquanto consiste no próprio vínculo material estabelecido entre a pessoa e a coisa com a possibilidade real de dispor desta bem como defendê-la da agressão por parte de terceiros. O animus é o elemento subjetivo expresso pela vontade de possuir a coisa como se proprietário fosse com todos os poderes sobre esta.

Eminentemente no conceito do animus, Savigny reconhece a natureza da posse. Para esta teoria, conceber o domínio fático sobre uma coisa como posse passa pelo liame subjetivo de quem a tem sob seu poder. A existência do corpus enquanto domínio fático sobre a coisa sem o animus para Savigny não é posse senão mera detenção da coisa. A existência de animus sem corpus é somente cobiça sobre a coisa podendo ser reprovável sob o viés moral, mas indiferente ao mundo jurídico.

Para a teoria subjetiva, o locatário, comodatário, credo pignoratício entre outros que possuam domínio sobre a coisa não são possuidores por não possuírem o animus sobre a coisa e estes, portanto não poderiam se valer da proteção conferida à posse diretamente para se opor a turbação imposta por terceiro, tendo de se valer da intervenção do proprietário para tal. Em um exemplo esdrúxulo, pode-se dizer que para tal teoria um ladrão, tendo domínio físico sobre a coisa e a vontade detê-la como se dono fosse poderia se utilizar de uma ação possessória para reaver a coisa mas tal não poderia fazer um locatário por não possuir o animus sobre a coisa.

2.3.2 Teoria Objetiva de Ihering

Em oposição e crítica à Savigny, Ihering formulou aquela que se chama teoria objetiva da posse. Tal teoria não empresta à intenção, ao animus, a importância que lhe dá a teoria subjetiva. Para Ihering, basta o corpus, para a caracterização da posse. O animus já está incluído no corpus pois a posse para este e revelada pela conduta de quem tem o domínio exteriorizando-se frente a coletividade, a chamada conduta de dono. Tal conduta pode ser aferida objetivamente pela forma como aquele que detém o domínio da coisa age , é a exteriorização da propriedade, visibilidade do domínio, uso econômico da coisa. Pode portanto haver posse sem contanto direto com a coisa.

Para Ihering, animus não é a intenção de ser dono mas a conduta exteriorizada de agir como proprietário. Basta que se averigúe a conduta do agente não sendo necessário imiscuir-se no seu íntimo para ver seu liame. Portanto possuidor é aquele que tem aparência de proprietário. Nisto se inclui aquilo que podemos abstratamente chamar de conduta do homem-médio. Aquele que deixa o carro estacionado na rua enquanto adentra um prédio não deixa de ser, aos olhos de terceiros, ser possuidor da coisa por ter pedido contato físico com esta pois a conduta de proprietário lá permanece exteriorizada, o mesmo não pode-se dizer de quem vai uma lanchonete e deixa um colar de diamantes sobre a mesa, pois decerto essa não seria a conduta normal do proprietário.

Para Ihering,  a visibilidade da posse é figura indispensável  sobre sua segurança frente a oposição de terceiros. Ihering aduz que protege-se a posse não para dar ao possuidor a elevada satisfação de ter o poder sobre físico sobre a coisa, mas para tornar possível o uso econômico desta em relação às suas necessidades.. Tal noção é importantíssima por possibilitar a terceiros reconhecerem se existe posse  sobre a coisa, se tal relação é anormal ou normal. Para IHERING, posse e detenção são ontologicamente idênticas. São ambas constituídas pela forma de agir como proprietário da coisa e de dar-lhe a destinação econômica como tal. O que as diferencia é a incidência de obstáculo legal pois a lei desqualifica a relação como mera detenção certas situações. Diz-se que é uma posse degradada.

2.3.3 Teorias Sociológicas

No início do século XIX, sob influência de estudos anteriores, começam a aparecer as chamadas teorias sociológicas da posse. Tem como principais doutrinadores Silvio Perozzi, na Itália, Raymond Salcilles, na França e Antônio Hernández Gil, na Espanha.


                   No ano de 1906, Perozzi desenvolveu a teoria social da posse, que tem como principais peculiariedade o comportamento passivo dos componentes da sociedade em relação à posse exercida por outrem, não necessitando de corpus ou animus para a sua caracterização. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
“[...] quem manifesta a intenção de que todos os outros se abstenham da coisa para que ele disponha dela exclusivamente, e não encontra nenhuma resistência a isso, investe-se de um poder sobre ela que se denomina posse[...]”[3]
                  Na França, a teoria de Saleilles, mais conhecida como teoria da apropriação econômica, considera que existe posse quando se constata uma situação de fato suficiente para estabelecer a independência econômica do possuidor.
                   De todas as teorias sociológicas a mais importante é de Hernandez Gil, conhecida como a teoria da função social da posse. José Afonso da Silva, cita Fiorella D’Angelo, explica de maneira brilhante o modo como deve ser entendida essa teoria, abriga princípio fundamental e de ordem econômica em nosso texto constitucional (5º, XXIII c/c 170, III, CF), como segue:


[...] implicando em transformação destinada a incidir, seja sobre o fundamento mesmo da atribuição dos poderes ao proprietário, seja, mais concretamente, sobre o  modo que o conteúdo do direito vem positivamente determinado; assim é que a função mesma acaba por posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se, conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de faculdades atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas.[4]


Conclui, de forma brilhante na sequência, o ilustre autor
enfim, a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens.

2.4 A Teoria da posse no direito brasileiro

O mentor do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, foi o primeiro a dar suma importância a teoria objetiva da posse de Ihering. Não obstante isso, é inevitável apontar que a jurisprudência apontou com freqüência o animus domini como requisito indispensável para distinguir a posse da detenção.

Na doutrina, Aronne demonstra divergência quanto à aceitação da Teoria Objetiva da posse pelo legislador civilista, visto que o nosso ordenamento dá trânsito àquele que faticamente exerce a posse, bem como não se acolhe a Teoria Subjetiva, porquanto não concede jurisdição ao animus domini no fenômeno possessório.

Na concepção de Fachin a diferenciação entre posse e detenção, sob a ótica de Ihering, se dá por força de lei. Ocorre que algumas pessoas, mesmo estando com o bem de outrem em suas mãos, não podem ser possuidores, por que estes não lhe conduziriam para si próprias. Esclarecedora a redação da Lei 10.406/02, a qual positivou (não se trata de inovação) tratar-se de presunção iuris tantum de ser mero detentor (e não possuidor) aquele que se comporta conforme o art. 1.198.

Denota-se assim que a distinção entre posse e detenção não decorre da análise de vontade do possuidor, mas de expressa previsão legal. O comportamento que se enquadra na lei como detenção é e será mera detenção.

No mesmo sentido, também não induz em posse atos de mera tolerância, tais como a permissão de travessia de propriedades por terceiros. Esta percepção igualmente se dá na ótica de Ihering, pela qual distingue-se posse e detenção por força de lei, sendo neste caso pelo que preceitua o art. 497 do Código Civil de 1916 e revigorado pelo art. 1.208 do Código Civil de 2002.

Conforme aponta Joel Figueira Dias, a tolerância a que se referem os artigos anteriormente mencionados, são necessários e se originam dos costumes e da política de boa vizinhança, por elementos de transitoriedade e passividade.

Exemplo comum de mera tolerância ocorre com freqüência nos terrenos sem construções ou cerca que facilitam a travessia de quadras, sem necessitar acessar via pública, o que pode alcançar maior distância. Neste caso, o proprietário não pretende abdicar de seus direitos, mas consente no uso de sua propriedade com a finalidade de passagem por pessoas que, por sua vez, não pretendem utilizar aquele bem como se fosse seu.

Través da teoria objetiva, tenta-se indicar a distinção entre posse e detenção. A utilização desta sistemática não afasta as imprecisões e o subjetivismo, mas diminui a margem interpretativa (vincula) através de uma atração(a lei).

 

 

 

 

3 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

A posse é uma situação fática com carga potestativa que, em decorrência da relação socioeconômica formada entre um bem e o sujeito, produz efeitos que se refletem no mundo jurídico.

 O seu primeiro e fundamental elemento é, portanto, o poder de fato, que importa na sujeição do bem à pessoa e no vínculo de senhoria estabelecido entre o titular e o bem respectivo. A posição de senhoria exterioriza-se através do exercício ou da possibilidade de exercício do poder, como desmembramento da propriedade ou outro direito real, no mundo fático. Por sua vez, o poder exteriorizado ou a possibilidade do seu exercício estará, via de regra, em consonância com o direito real que ele representa na órbita do mundo de fato. Em outras palavras, a situação potestativa do mundo fático corresponderá àquela pertinente ao mundo jurídico, dentro de suas limitações. Assim, por exemplo, todo aquele que possui, como se fosse dono, tem o poder de fato pertinente ao respectivo direito real de propriedade. A posse do exercício do poder mas sim o poder propriamente dito que tem o titular da relação fática sobre um determinado bem, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela possibilidade de exercício. Ela é a disponibilidade e não a disposição; é a relação potestativa e não, necessariamente , o efetivo exercício.

 O Titular da posse tem o interesse potencial em conservá-la e protegê-la de qualquer tipo de modéstia que porventura venha a ser praticada por outrem, mantendo consigo o bem numa relação de normalidade capaz de atingir a sua efetiva função sócio-econômica. Os atos de exercício dos poderes do possuidor são meramente facultativos — com eles não se adquire nem se perde a senhoria de fato, que nasce e subsiste independentemente do exercício desses atos. Assim, a adequada concepção sobre o poder fático não pode restringir-se às hipóteses do exercício deste mesmo poder. O possuidor dispõe do bem, criando, em relação a ele, um interesse em conservá-lo.

Discute-se em doutrina pátria e alienígena se a posse seria fato ou direito. O debate parece não ter fim, lastreado em juristas de grande quilate. Forçoso reconhecer porém, que não existe direito que não possua como embrião o fato. Basta relembrar a noção de relação jurídica, todo fato que possui relevância jurídica é fato jurídico e o fato da posse repercute no mundo jurídico, assim como o fato da propriedade, do usufruto, sendo pois a posse um fato que gera direito como diversos outros. Por outro lado, o que parece ainda controvertido é saber-se se a posse é direito real ou obrigacional.

Efetivamente, a posse possui várias características dos direitos reais, oponibilidade erga omnes, indeterminação do sujeito passivo, vínculo entre sujeito e coisa. Possui também características dos direitos obrigacionais, por não vir lastreada em título, não se subordina a publicidade do registro, além de não ter sido elencada no rol dos direitos reais constantes do art. 1.226 do novo Código Civil.

A grande maioria da doutrina pátria, seguramente impressionada pela oponibilidade erga omnes e a indeterminação do sujeito passivo, vê na posse um direito real, sem vislumbrar porém, que existem direitos pessoais oponíveis erga omnes e de sujeitos passivos indeterminados, fora do próprio raio dos direitos das coisas, e que portanto não são direitos reais, como tais, os direitos da personalidade, sendo o maior exemplo o direito à integridade física. Rigorosamente, as características acima apontadas não servem por si só, para configurar a posse como um direito real, motivo pelo qual a posse é um direito pessoal, com algumas características de direito real.


                                                                                                                                                                                                                                                          

 

4 OBJETOS DA POSSE

Só bens corpóreos podem ser objeto de posse; os incorpóreos, não. Nem todos os bens sobre os quais pode recair a propriedade são, portanto, suscetíveis de posse. Os bens intelectuais, como a patente de invenção, o registro de marca ou a obra literária, são objetos do direito de propriedade titulado pelo inventor, empresário ou autor, respectivamente. Mas não cabe falar em posse nesses casos, em razão da imaterialidade do bem em referência. Considera-se que podem ser possuídos unicamente os bens suscetíveis de apreensão material. Embora a posse seja exercitável independentemente da apreensão (como no caso do engenheiro agrônomo que, a distância, define como deverá ser explorada a fazenda), não se reputa caracterizada essa específica relação de sujeição quando a coisa usada, fruída ou disposta não é corpórea.

Essa é a regra geral, embora admita-se com controvérsias a possibilidade de posse de coisas imateriais como linha telefônica[5], energia elétrica, sinal de TV por assinatura, marcas e patentes protegidas pela propriedade intelectual, etc. Não há posse nos direitos autorais, nos direitos de crédito, nas obrigações de fazer e de não-fazer, entre outros. Mas alguns contratos exigem a transferência da posse para sua formação como locação, depósito e comodato. Outros contratos não transferem só a posse, mas também a propriedade da coisa como compra e venda, doação e mútuo.

 

 

5 CLASSIFICAÇÃO DA POSSE

A posse pelo teor do art. 1.197 do Código Civil pode ser conceituada como o exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. Trata-se de um direito incindível, mas que porém, pode existir prescindindo de certos elementos objetivos ou subjetivos. A falta ou presença destes elementos reflete na classificação da posse, trazendo uma imensidão de efeitos práticos de acordo com a legislação à luz da qual se analisa.

5.1 Posse direta e posse indireta

Nosso Código Civil no art. 1.198 estabelece que a posse direta não anula a posse indireta. Como se sabe, vários são os poderes e faculdades inerentes ao domínio. Uso, gozo, fruição, disposição e reivindicação. Ordinariamente os poderes e faculdades dominiais encontram-se concentrados em mãos do proprietário, não raro porém, em virtude de negócio jurídico obrigacional ou real torna-se possível a decomposição dos poderes em pessoas distintas.

No usufruto por exemplo os poderes de uso e gozo concentram-se nas mãos do usufrutuário, ficando o nu-proprietário com a coisa despojada daqueles poderes. Nesta hipótese, o usufrutuário detém a posse direta, mas esta não anula a posse indireta do nu-proprietário. O mesmo pode ser dito acerca da locação, uso, depósito e todas as demais hipóteses nas quais o direito permite a desconcentração dos poderes da propriedade, que passa para pessoa distinta da do proprietário. Nestas hipóteses a posse direta daquele que recebeu a coisa em virtude de negócio jurídico não anula a posse indireta do proprietário.

O artigo 1.198 em comento encontra- se melhor redigido que seu semelhante do Código de 1916, pois este de modo enunciativo elencava algumas hipóteses jurídicas que davam origem ao surgimento da posse direta e indireta. O atual limita-se a enunciar a possibilidade da ocorrência em virtude de direito real ou obrigacional. Vale lembrar no que tange aos direitos reais o princípio da taxatividade expressamente adotado pelo novo Código no art. 1.226, o que por óbvio restringe as hipóteses de ocorrência. Tratando-se porém de direito obrigacional as partes são livres para pactuarem o que melhor lhes convier, vigorando o princípio da autonomia da vontade, o que porém não ministrará maiores oportunidades para a desconcentração das faculdades e poderes da propriedade, com incidência da posse indireta e direta, vez que isto ordinariamente ocorre nos contratos típicos, mesmo por força da limitação da criatividade inventiva dos interessados.

Diferente do que ocorria com o Código de 1916, no novo Código, o legislador ressaltou a natureza temporária da posse direta, vez que lastreada em relação jurídica transitória. O possuidor direto possui direito ao manejo dos interditos possessórios inclusive em desfavor do próprio proprietário ou possuidor indireto, como deixou expressamente vazado o legislador, e assim o fez, para repudiar a controvérsia existente em razão do art. 486 do Código de 1916, vez que antiga doutrina e jurisprudência não admitia tal possibilidade.

5.2 Posse exclusiva, composse e posses paralelas

Exclusiva é a posse de um único possuidor, uma única pessoa física ou jurídica tem sobre a coisa a posse direta ou indireta. A posse exclusiva pode ser plena ou não. Será plena quando o possuidor exercer de fato os poderes inerentes à propriedade como se sua fosse a coisa.

A composse se da quando há incidência de exercício de poder fático sobre o mesmo bem, por mais de uma pessoa. O  compossuidor faz jus ao manuseio dos interditos possessórios contra terceiros e até contra o próprio compossuidor, pois o exercício da composse deve ser efetivado de modo a não excluir ou prejudicar o direito dos demais exercentes do poder fático, ad instar, aliás, do que ocorre com o condomínio, sendo certo inclusive que as normas disciplinadoras da propriedade em comum, podem ser usadas analogicamente para a composse.

 Diz-se que a composse pode ser pro diviso ou pro indiviso. Na composse pro diviso, o poder fático comum manifesta-se de maneira que cada possuidor, individualmente, externa poderes sobre uma quota ou parte especifica do bem. Na composse pro indiviso, não existe uma parte ou quinhão determinado para atuação do poder fático, sendo que todos os sujeitos da comunhão têm poderes sobre a coisa em sua inteireza. Tem posse tanto o sujeito que direciona o poder fático sobre parte determinada da coisa como aquele outro que possui parte ideal inespecífica . Não obstante, só a composse pro indiviso é verdadeiramente composse.

Posses paralelas são as posses diretas e indiretas, decorrentes de uma relação jurídica, onde o proprietário ou possuidor transfere a posse para outro. Por exemplo, a posse de um proprietário que reside no seu apartamento. Este tem a posse plena, mas quando esse proprietário aluga para um terceiro, a posse será desdobrada, em direta ( o que explora a coisa ) e  indireta ( que exerce a posse através de terceiros ), nesse caso apesar dos dois explorarem a coisa simultaneamente, (mas em planos diferentes) não se  caracteriza como composse pois os mesmos não estão no mesmo plano da posse. Na composse os compossuidores tem de exercer igual poder sobre a coisa.

5.3 Posse justa e injusta

A posse também é classificada como justa ou injusta. Posse justa é aquela estabelecida de forma legítima, conforme previsão em lei, sem qualquer vício que a macule.. Por oposição, a posse injusta é aquela adquirida de forma viciosa por clandestinidade, violência ou abuso do poder precário.

A violência na posse injusta pode ser tanto física como moral. O uso de violência como esbulho da posse é tão gravosa à ordem jurídica que mesmo quando exercida pelo proprietário, o possuidor deve ser reintegrado pois deve-se impedir o proprietário de fazer justiça com as próprias mãos.

 Diz-se de posse clandestina aquela exercida de forma em que a coisa é furtada ou ocupada às escondidas. E é precária a posse quando o agente se nega a devolver a coisa, findo o contrato ou título que obrigava o possuidor à devolução da coisa em tempo certo ou incerto. Contudo é pacífico a doutrina e jurisprudência que não se pode limitar as formas de posse injusta a estas três modalidades cabendo interpretar a situação sempre quando necessário para a proteção da ordem jurídica e da paz social. Os vícios que maculam a posse levam em consideração à sua forma de aquisição.

 Precariedade configura-se como vício da posse, nas relações em que o sujeito tem consigo, anteriormente , um bem a título precário e recusa-se a devolvê-lo ao legítimo possuidor. Quando requerido ou chegando o momento oportuno. Resulta de um abuso de confiança por parte daquele que previamente recebera a coisa do possuidor, assumindo o compromisso (tácito ou expresso) de restituí-la em certo momento, ou quando se verificasse determinada condição ou termo. A pose justa é durante o prazo convencionado. Expirado prazo convencionado, a posse que era justa passa a ser injusta pois houve a quebra do dever de restituição, desapareceu a razão jurídica que amparava a posse e praticou o possuidor, agora precário, ato ilícito contra o ex-possuidor.

5.4 Posse de boa-fé e posse de má-fé

Dispõe o novo Código no art. 1.202 que a posse é de boa-fé, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa, ao reverso, será de má-fé, caso tenha o possuidor conhecimento da existência de um dos vícios alhures examinados. Existe ainda uma certa dificuldade na conceituação da boa-fé, havendo quem inclusive sustente tratar-se de um conceito jurídico indeterminado. Atualmente existem duas concepções para a expressão jurídica, ora tratada como estado psicológico do agente, ora como regra de conduta, daí resultando em suas concepções subjetiva e objetiva, respectivamente. 

No direito obrigacional vigora, hoje dominante, a boa-fé objetiva, enquanto que no direito das coisas,notadamente em questão possessória, vigora ainda a boa-fé subjetiva, que deve ser entendida como o estado psicológico do possuidor, sua intenção e convencimento de que possui a coisa sem a mácula da clandestinidade, violência ou precariedade, sendo esta a concepção adotada pelo Legislador do novo Código Civil, como se depreende dos artigos 1.202 e 1.203. O possuidor detentor de justo título possui em seu favor a presunção relativa de boa-fé. Doutrina e jurisprudência pregam que justo título é somente o título hábil a trasladar a propriedade, não sendo pois, qualquer documento escrito, mas somente aqueles dotados das formalidades extrínsecas exigidas pela lei e emanados da pessoa quepossua pertinência subjetiva para alienar.

Segundo o art. 1.204 do Código Civil, mantém a posse, salvo prova em contrário, o seu caráter originário. Noutras palavras, se começou maculada de vício, conserva a mácula viciosa, até cessarem os vícios, já que a clandestinidade e a violência são vícios passíveis de serem extirpados, o que não ocorre com vício da precariedade. No art. 1.204 se vê que a posse de boa-fé mantém este caráter até o momento em que as circunstâncias façam presumir a ciência do vício. A boa-fé somente cessa desde o momento em que contra o possuidor se opõe a lide, que lhe cientifica dos vícios da posse. Com efeito, para parte da jurisprudência a contestação não serviria para inverter o elemento subjetivo da posse, de ver-se porém, que pelo sistema adotado, por simples presunção é possível a inversão, sendo ela imperativa diante da contrariedade do legítimo possuidor acompanhada de documentos que lhe sedimentam.

A lei não esclarece quais os fatos ou circunstâncias que retiram a presun ção juris tantum de boa-fé, tendo a doutrina enumerado diversas hipóteses, como a nulidade manifesta do título, a existência de usufruto ou outro direito real sobre o imóvel, a confissão do conhecimento do vício etc.

5.5 Posse nove e posse velha

Posse nova é tida como aquela que possui menos de ano e dia. Posse velha é aquela de mais de ano e dia. O decurso desse prazo temo condão de consolidar a situação de fato permitindo que a posse seja considerada como purgada dos defeitos da violência e da clandestinidade.

Na hipótese de ser ajuizada a demanda possessória após escoado o prazo de ano e dia o rito será o ordinário, ao reverso, caso deflagrada a demanda antes de escoado o prazo de ano e dia, a ação possessória será de força nova, e seguirá o rito especial previsto no art. 924 do Código de Processo Civil. Existe tênue, mas relevante diferença nos procedimentos para defesa da posse, na medida em que nas ações possessórias de força nova torna-se possível o deferimento de liminar de reintegração ou manutenção de posse, antes mesmo da citação do réu.

5.6 Posse natural e posse civil ou jurídica

A posse também é classificada como natural ou jurídica. A posse natural é aquela constituída pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa e que se mostra com exercício imediato do poder físico sobre esta. A posse jurídica é aquela que se estabelece em decorrência de lei, sendo portanto, aquela que se adquire por intermédio de título.

5.7 Posse “ad interdicta” e posse “ad usucapionem”

Diz-se que a posse também pode ser “ad  interdicta” ou “ad usucapionem”. A posse “ad interdicta” é aquela que pode ser defendida por intermédio dos interditos possessórios mas que não conduz à usucapião. Para tal basta que seja justa. O possuidor como locatário, comodatário, por exemplo pode defender sua condição por intermédio de interditos inclusive contra o proprietário mas não pode se haver de usucapião. A posse “ ad usucapionem” é a que se prolonga no tempo estabelecido em lei deferindo a seu titular a aquisição do domínio. È portanto geradora do direito de propriedade

5.8 Posse com título e posse sem título

Essa classificação é útil na definição das condições para a usucapião do bem possuído. Quando exercida posse com justo título, o prazo para a aquisição do direito de propriedade é menor. Posse com título é situação em que há uma causa representativa da transmissão da posse, caso de um documento escrito, como ocorre na vigência de um contrato de locação ou de comodato, por exemplo.  Posse sem título é a situação em que não há uma causa representativa, pelo menos aparente, da transmissão do domínio fático. 

6 AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE

Antes de perfazer os meandros  sobre a aquisição da posse, faz-se mister distinguir tais categorias das equivalentes em relação à propriedade. Quem pretende demonstrar a aquisição da propriedade tem de ministrar a prova da origem ou do motivo que a engendrou. O mesmo, porém, não da com a posse. Tratando-se de mero estado de fato, que pode ser demonstrado como tal, não há razão para se lhe remontar à origem.

6.1 Modos de Aquisição da Posse

Diferentemente do que ocorria no Código Civil de 1916, o legislador de 2002 não se limitou a elencar um rol de formas de aquisição da posse. O Código Civil de 2002 primou por um conceito mais aberto e genérico como assim dispõe o art. 1.204: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.”. Portanto, a aquisição da posse se dará por qualquer dos modos de aquisição em geral como a apreensão, o constituto possessório e qualquer outro ato ou negócio jurídico, a título oneroso ou gratuito ou oneroso, inter vivus ou causa mortis.

6.1.1 Modos Originários de Aquisição da Posse

Os modos originários de aquisição são aqueles em que não há relação de causalidade entre posse atual e anterior. É o que acontece quando há esbulho e o vício posteriormente convalesce. Quando o modo de aquisição é originário, a posse apresenta-se escoimada dos vícios anteriormente existentes. O mesmo, por exemplo, não acontece com a posse derivada na qual os vícios pré-existentes acompanham-na. Contudo a legislação civilista prevê uma exceção a regra de não transmissão dos vícios na aquisição originária: o art.1.207 prevê que “O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.”.

Arrolamos a posse derivada nas seguintes modalidades: apreensão da coisa, exercício do direito e disposição da coisa ou do direito.

A apreensão consiste na apropriação unilateral de coisa sem dono. Diz-se sem dono quando a coisa foi abandonada ou quando não for de ninguém. Basta que se adquira o poder de fato sobre a coisa e que o titular tenha ingerência potestativa socioeconômica sobre ela, para que a posse seja efetivamente adquirida.

Adquire-se a posse também a posse pelo exercício do direito. Por exemplo, a servidão. Se constituída pela passagem de um aqueduto por terreno alheio, adquire o agente a sua posse se o dono do prédio serviente permanece inerte.  Adquire-se pelo exercício do direito a posse no caso dos direitos reais sobre a coisa alheia. Não é qualquer exercício de direito mas aquele que possa ser objeto da relação possessória.

O fato de se dispor da coisa caracteriza conduta normal de dono. Constitui desdobramento da idéia de exercício do direito, pois possibilita a evidenciação inequívoca da apreensão da coisa ou do direito. Nenhum outro fato como a disponibilidade da coisa é capaz de melhor traduzir a intenção de ser proprietário.

6.1.2 Modos Derivados de Aquisição da Posse

Há aquisição derivada ou bilateral quando a posse decorre de um negócio jurídico. A posse neste caso é transmitida pelo possuidor a outrem. A aludida transmissão poderá ocorrer por intermédio de constituto possessório, e da sucessão inter vivus causa mortis.

6.1.2.1 Tradição

A tradição pressupõe um acordo de vontades, um negócio jurídico de alienação quer a titulo gratuito, como na doação, quer a título oneroso, como na compra e venda. Na sua acepção mais pura, ela se manifesta como ato material de entrega da coisa ( tradição real). Contudo pode ainda se dar de forma simbólica quando representada por ato que traduz a alienação, por exemplo, a entrega das chaves de um carro ou pode-se dar ainda de forma ficta como na traditio brevi manu e no constituto possessório.

 

6.1.2.2 Sucessão na Posse

O art. 1.206 do Código Civil preceitua “A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor nos mesmos caracteres.” O art. 1.207 do mesmo diploma aduz que “O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir a sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.”. A sucessão da posse por causa mortis pode ocorrer tanto a título universal, cado do herdeiro legítimo, por que a este se transfere a totalidade ou fração ideal do patrimônio do de cujus, como a título singular [6]neste caso dizendo respeito a coisa determinada e individualizada que pode ocorrer na sucessão testamentária. Já a sucessão inter vivus opera em geral a título singular. È o que acontece quando alguém compra uma coisa.

6.2 Perda da Posse

O Código Civil de 1916 apresentava em seu art. 520 uma enumeração também supérflua dos meios pelos quais se perde a posse. Ora, se  esta é a exteriorização do domínio e se é possuidor aquele que se comporta como dono em relação à coisa, desde o momento em que deixe de se comportar dessa maneira, ou se veja impedido de exercer os poderes inerentes ao domínio, a posse restará cessada. Nessa esteira podemos elencar algumas formas de perda da posse: a) pelo abandono: quando o possuidor, intencionalmente, se afasta do bem com o escopo de se privar de sua disponibilidade física e de não mais exercer sobre ela quaisquer atos possessórios. A perda definitiva, contudo, dependerá da posse de outrem que a tenha apreendido. Ex: alguém que sai de seu imóvel, de forma que não se estabeleça como conduta normal de dono, na mais retornando e não deixando quem o represente; b) pela tradição: quando o possuidor volitivamente transfere a outrem a posse da coisa com o animus de tornar o outro possuidor desta. Ex: compra e venda de um veículo; c) pela perda propriamente dita da coisa: ocorre quando for absolutamente impossível encontrá-la, de modo que não mais se possa utilizá-la economicamente. Ex: uma jóia que caiu no mar; d) pela destruição da coisa: ocorre pelo perecimento do objeto seja por causa natural ou fortuita, de fato do próprio possuidor ou por fato de terceiro; e) pela colocação de coisa fora do comércio: por esta ter se tornado inalienável ou inaproveitável por motivo de ordem pública, de moralidade, de higiene ou de segurança coletiva f) pela posse de outrem: ainda que contra a vontade do possuidor se este não foi mantido ou reintegrado em tempo competente; g) pelo constituto possessório[7]: A figura do constituo possessório  ocorre quando por exemplo o vendedor, transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-a em seu poder como locatário. Por este a posse se desdobra em direta e indireta. No constituto, o possuidor que tinha em seu nome coisa própria passar  a possuí-la em nome alheio.

 

 

 

 

 

7. DOS EFEITOS DA POSSE

Quanto aos efeitos da posse, a doutrina é uníssona em reconhecê-los inclusive enquanto elementos diferenciadores desta e da mera detenção. A divergência ocorre entre a caracterização destes. A doutrina se divide em dois grupos: o primeiro, constituído pelos que admitem a pluralidade dos efeitos da posse; o segundo, pelos partidários da unicidade, que sustentam a posse produzir um único efeito que é o de induzir à presunção de propriedade.  Alinhamo-nos ao primeiro grupo e assim apresenta-se alguns dos efeitos da posse  reconhecidos pela doutrina.

7.1 Proteção Possessória

A proteção possessória conferida ao possuidor é o principal efeito da posse. Dá-se de dois modos: pela legítima defesa e pelo esforço imediato (defesa direta ou autotutela) e pelas ações possessórias. O artigo 1.211 assegura, de acordo com o ataque, meios defensivos ao possuidor, são as ações possessórias. A primeira da enumeração legal vem a ser a ação de manutenção de posse, para o possuidor que sofrendo embaraço no exercício de seu direito, mas sem perdê-lo, possa solicitar ao juiz que expeça mandado de manutenção. A lei faz menção a manutenção de posse no caso de turbação, que consistem na prática de atos ou ato que embaraça, dificulta, o pleno e livre exercício da posse. Para configuração da turbação não se faz necessário à incidência de dano.

Quando o possuidor se acha presente e é turbado na sua posse pode reagir fazendo uso da defesa direta agindo então em legítima defesa, semelhante à excludente prevista no Código Penal. A legítima defesa não se confunde com o desforço imediato. Este ocorre quando o possuidor já tendo perdido a posse da coisa consegue reagir, em seguida, e retomar a coisa. Esta ocorre  ainda no calor dos acontecimentos.

7.2  Percepção dos Frutos

O art. 1.214 do Código Civil vigente assim aduz “O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.”. Faz-se mister entender o que são frutos. Frutos são a riqueza normalmente produzida por um bem patrimonial sem desfalque de sua substância. Neste último ponto está a distinção entre frutos e produtos já que estes últimos degradam a coisa até seu esgotamento.

 Classificam-se os frutos em naturais, industriais e civis. Os naturais são aqueles que se renovam periodicamente pela própria natureza, como as colheitas. Os frutos industriais necessitam da intervenção humana sobre a Natureza como a produção de uma fábrica, e finalmente, os civis são aqueles oriundos da utilização da coisa rendosa, como juros e aluguéis. Os frutos sob outro ângulo podem ser pendentes quando ainda unidos à árvore produtora. Percebidos se já colhidos ou estantes se já armazenados ou preparados para alienação. Percipiendos são os frutos aptos à colheita mas ainda não colhidos e consumidos são aqueles já utilizados.

O elemento anímico do possuidor de boa-fé justifica o tratamento legal que lhe é dispensado. Efetivamente se sua conduta possui lastro na boa-fé enquanto ela durar, terá direito aos frutos percebidos. Modificando-se o elemento anímico da boa para má-fé modifica-se o tratamento legal. Oportuno lembrar que a contestação judicial retira a boa-fé inicial e conseqüentemente o direito aos frutos. Efetivamente a contar deste momento, diante dos elementos oferecidos pelo adversário, toma ciência o possuidor, dos vícios de sua posse e portanto não fará mais jus aos frutos. No parágrafo único do artigo em comento o legislador estipula que cessada a boa-fé devem ser restituídos os frutos pendentes, com o abatimento porém das despesas da produção e custeio, devendo ainda ser restituídos os frutos antecipadamente colhidos com a incidência do mesmo abatimento. O reembolso possui por escopo evitar enriquecimento sem causa.

7.3 Responsabilidade pela Perda ou Deterioração da Coisa

Outro efeito é a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa. Preceitua o art. 1.217 do Código Civil “O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa”. A expressão “ a que não der causa” equivale a dizer que não se caracteriza a não ser que o possuidor tenha contribuído para a deterioração com dolo ou culpa. Já o possuidor de má-fé, responde pela perda ou deterioração da coisa a que não der causa, salvo se comprovar que o mesmo teria ocorrido se a coisa estivesse sob o domínio do reivindicante.

7.4 Indenização das Benfeitorias e Direito de Retenção

Antes de tratarmos dos efeitos em relação à posse, cabe definir o que são benfeitorias. Benfeitorias são obras ou despesas com intervenção humana feitas na coisa com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Englobam trabalhos, melhoramentos, acréscimos e despesas. Não se confundem com as acessões, que criam coisa nova, nem com a especificação que altera a identidade da coisa.

As benfeitorias necessárias possuem por escopo a conservação da coisa, como por exemplo a construção de um telhado. As úteis aumentam ou facilitam o uso da coisa, como a construção de mais um cômodo no imóvel ou a construção de garagem. As voluptuárias apenas tornam a coisa mais aprazível, como a construção de uma piscina.

 Extrai-se da nova lei que o possuidor de boa-fé tem direito a ser indenizado pela realização de benfeitorias úteis e necessárias, podendo por estas exercer o direito de retenção. O direito de retenção consiste na possibilidade de manter o possuidor em seu poder a coisa, até ser indenizado das benfeitorias úteis e necessárias. Oportuno acentuar que o direito de retenção deve ser aduzido na oportunidade da contestação. Com efeito, as ações possessórias possuem natureza mandamental, ou seja, existem nos procedimentos possessórios elementos da tutela de cognição e elementos da tutela de execução. Não existe cisão exata do término da tutela cognitiva para início da tutela executiva em referidos procedimentos.

 Neste contexto, independentemente da manifestação do autor, ao trânsito em julgado da sentença, o juiz determina a expedição do mandado de reintegração de posse, não havendo portanto espaço para o manuseio de embargos à execução, motivo pelo qual, se o direito de retenção não restar aduzido na fase da contestação, preclusa ficará a oportunidade com o perecimento do direito.

 Quanto às benfeitorias voluptuárias o possuidor de boa-fé se não restituído poderá levantá-las, desde que a retirada seja viável sem detrimento da coisa. Isto é extraído do art. 1.220 do novo Código. Tratamento inteiramente diverso é dispensado ao possuidor de má-fé, que à luz do art. 1.222 semelhante ao art. 518 do vetusto Código de 1916, somente possui direito a ser ressarcido das benfeitorias necessárias, sem direito à retenção e perdendo para o reivindicante as benfeitorias úteis e voluptuárias.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8. AÇÕES POSSESSÓRIAS

A tutela da posse desenvolve-se por meio de três diferentes espécies de ações, chamadas de interditos possessórios: reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório. Quando a demanda versar sobre o domínio da coisa, terá natureza petitória, não se aplicando a ela as regras previstas no procedimento especial das ações possessórias. O art. 920 do CPC consagra a fungibilidade entre as tutelas possessórias, de forma que e licito ao juiz conceder uma tutela possessória diversa daquela expressamente pedida pelo autor.

O possuidor é parte legitima a propositura das ações possessórias, sendo que na hipótese de posse direta (locação, usufruto, comodato etc.), a defesa da posse pode ser realizada em juízo tanto pelo possuidor direto como pelo indireto, que podem inclusive litigar em conjunto em litisconsórcio facultativo. No caso de bens públicos de uso comum, a melhor doutrina aponta para a legitimidade do Poder Publico e dos particulares que habitualmente se valem de ditos bens, em mais uma espécie de litisconsórcio facultativo.

8.1 Reintegração de Posse

A ação de reintegração de posse trata-se de ação jurisdicional de rito especial, onde se tutela a posse do possuidor que sofreu um esbulho. Faz-se mister conceituar o que é esbulho. Esbulho consiste no ato em que o possuidor se vê privado da posse mediante violência, clandestinidade ou abuso de confiança. È a mais grave das ofensas a posse já que retira o poder de fato sobre a coisa do possuidor.

 Portanto a ação de reintegração de posse [8]tem o condão de fazer com que o possuidor (esbulhado) recupere a sua posse perdida em face de um ato violento, clandestino ou precário por outrem. a ação em exame ocorrerá quando estivermos diante de uma situação na qual o possuidor perca a posse total do bem, pois caso esta perda da posse seja parcial, a situação jurídica será de turbação, conseqüentemente se mudará a ação, que no caso especulado será de ação de manutenção na posse. Os requisitos dessa ação são: posse atual, bem como a comprovação do esbulho, a data de sua ocorrência.

Deve ser comprovado também que diante do esbulho, o possuidor perdeu efetivamente a posse, conforme adverte art. 927 do CPC. Para fundamentar a ação, deve o autor, em cuja posse se encontra a coisa, provar o esbulho praticado contra a dita posse, assinalando a data em que ela se evidenciou, a fim de que dentro de ano e dia, possa fruir a expedição liminar do mandado de reintegração. Esse esbulho há de ser material.

8.2 Ação de Manutenção de Posse

Ação da manutenção de posse[9], também conhecida pelos nomes de força turbativa, ação de força nova, de preceito cominatório ou interdito de manutenção, concedida ao possuidor que, sem haver sido privado de sua posse, sofre turbação.

Através do interdito, pretende-se obter ordem judicial que ponha termo aos atos perturbadores. Faz-se mister entender o que é turbação para que se saiba se realmente a ação correta é a de manutenção de posse. Turbação é todo ato que embaraça o livre exercício da posse.  A turbação é ofensa menor à posse do que o esbulho, neste último o que ocorre é a privação da posse mediante violência, clandestinidade ou abuso de confiança, acarrentando a perda total da posse direta sobre a coisa. Os requisitos dessa ação são: posse atual, bem como a comprovação da turbação, a data de sua ocorrência. Deve ser comprovado também que mesmo diante da turbação, posteriormente o possuidor conseguiu exercer a posse, conforme adverte art. 927 do CPC. Para fundamentar a ação, deve o autor, em cuja posse se encontra a coisa, provar a turbação praticada contra a dita posse, assinalando a data em que ela se evidenciou, a fim de que dentro de ano e dia, possa fruir a expedição liminar do mandado de manutenção. Essa turbação há que ser material.

Tal como na ação de reintegração, o réu pode exigir, na manutenção, que o autor preste caução, sob pena de depósito da coisa litigiosa. Na ação de manutenção cabe ao autor pedir perdas e danos, como ao réu, em sua contestação. A contestação da ação transforma o seu rito processual em ordinário. 

8.3 Interdito Proibitório[10]

O interdito proibitório é ação de natureza preventiva, desdobrada da ação de manutenção de posse. É apropriada para que o possuidor, em vias de comprovada ameaça, proponha e receba a devida segurança, que nada mais é do que uma ordem judicial proibitória (daí o seu nome), para impedir que se concretize tal ameaça, acompanhada de pena ou castigo para a hipótese de falta de cumprimento dessa ordem. Assim, para o possuidor, direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.

8.4 Ações Afins aos Interditos Possessórios

Existem procedimentos jurisdicionais que, embora não tenham natureza eminentemente possessória, também podem tutelá-la em determinadas situações.

8.4.1 Ação de Imissão na Posse

A ação de imissão de posse pode ser conceituada como o meio processual cabível para conferir posse a quem ainda não a tem ou como a ação que visa a proteger o direito a adquirir uma posse que ainda não desfrutamos.

O atual Código de Processo Civil não tratou da ação de imissão de posse expressamente em seu texto. Nem por isso ela deixou de existir pois poderá sempre ser ajuizada sempre que houver pretensão à imissão na posse de algum bem. Suprimido foi apenas o procedimento especial previsto no CPC de 1939, mas não o direito subjetivo. O estatuto anterior exigia que a inicial fosse instruída com o título de propriedade É portanto ação de natureza petitória, pois o autor invoca o jus posidendi pedindo uma coisa ainda não entregue.

8.4.2 Ação de Nunciação de Obra Nova[11]

A ação em questão reveste-se de caráter possessório pelo fato de poder ser utilizada também pelo possuidor. Mas não visa, direta e exclusivamente, à defesa da posse. A pretensão a embargar obra não tem por finalidade a proteção possessória . O que se tutela por via da ação é o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado. Tanto é assim que o proprietário sem posse, seja por que a perdeu ou nela não chegou a imitir-se, legitima-se igualmente à causa, para que lhe basta a condição de dono. O objetivo da ação é impedir a continuação da obra que prejudique prédio vizinho ou esteja em desacordo com os regulamentos administrativos.

8.4.3 Embargos de Terceiro

A ação de embargos de terceiro guarda acentuada semelhança com as ações possessórias, pois, assim como estas, exige uma posse e um ato de turbação ou esbulho. Dispõe o art. 1.046 do CPC “Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer que lhes sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos.”.

A principal distinção entre os embargos de terceiro e as ações possessórias reside na origem do ato de esbulho ou turbação. Enquanto nestas o ato tem natureza ilícita, naqueles o ato é lícito porquanto advém de ordem judicial. [12]Os embargos podem, inclusive, ser interpostos com caráter preventivo em face de lesão ainda não ocorrida, mas iminente.

8.4.4 Ação de dano infecto

Ação de dano infecto decorre do justo receio de sofrer dano em seu imóvel em decorrência de ruína em prédio vizinho ou obras vizinhas, em que o proprietário pode exigir caução para garantir eventual prejuízo.

Não se confunde com  a nunciação, que tem por objeto a paralisação de obra ainda não concluída, que pode trazer danos aos vizinhos, condôminos ou que viole regulamento administrativo, com a ação de dano infecto, cuja finalidade é exigir do dono de construção já concluída que ameace ruir, as providências necessárias para afastar o perigo. Enquanto a nunciação pressupõe obra não concluída, que traga prejuízo, a de dano infecto pode ter por objeto obra há muito concluída, com risco de ruir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

9 CONCLUSÃO

Com o exposto neste trabalho, buscou-se empreender uma análise sobre a posse no seu viés histórico bem como as melhores considerações da doutrina acerca de sua natureza, objeto e classificações. Buscou-se divagar sobre seus efeitos em relação ao possuidor quanto ao liame subjetivo da sua relação com a coisa e os efeitos em relação à percepção de frutos, benfeitorias bem como a avaliação da conduta para os fins de cabimento de proteção pelos interditos possessórios ou a possibilidade de usucapião .

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ALVES, José Carlos Moreira. A tutela da posse no novo Código Civil. In: O novo Código Civil — estudos em homenagem ao Prof. Miguel Reale. Coordenado por Domingos Franciulli Netto et alii. São Paulo: LTr, 2003.

BRASIL, Código Civil de 1916. Rio de Janeiro. 01 janeiro 1916. Disponível em < www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm >. Acessado em 07 abril 2013.

Código Civil comentado : doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406, de 10.01.2002 : contém o código civil de 1916 / coordenador Cezar Peluzo. – 6. ed. rev. e atual. – Barueri, SP : Manole, 2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: direito das coisas. São

Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição, 2002.

Direito Civil: Enfiteuse. Publicado em 20 agosto 2009. Disponível em < http://www.webartigos.com/artigos/direito-civil-enfiteuse/23283/ >. Acesso em 07 abril 2013

DUDA, João Guilherme. A Evolução Histórica da Posse Romana e da sua Natureza Jurídica. Março 2003. Disponível em < http://amigonerd.net/humanas/direito/a-evolucao-historica-da-posse-em-roma >. Acesso em 28 abril 2009.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 5 : direito das coisas /  Carlos Roberto Gonçalves . – 7. Ed.  – São Paulo: Saraiva. 2012

MOTA, Maurício Jorge Pereira da. Direito de Superfície no direito romano. Disponível em < www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/DRomano2.pdf >. Acesso em 08 abril 2013

RIBEIRO, Renato. A Reforma do Código Civil Repercussão na Administração Pública e no Controle Externo. Direito das coisas principais modificações. Disponívelem<http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/07a11_04_03/3renato_ribeiro1.htm >. Acesso em 17 abril 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. São Paulo: Editora Atlas, 3ª

Edição, 2003.

 



[1] Graduando do 8° semestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará

[2]  Vittorio Scialoja, Teoria dela proprietá nel diritto romano, 1928, v. 1. p. 242.

[3]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume V : direito das coisas - São Paulo :      Saraiva, 2009. pg. 37.

[4]  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. Malheiros/São Paulo. ed. 2008. pg. 284/285.

[5] Direito de utilização de linha telefônica. Prescrição aquisitiva (usucapião). I - A jurisprudência do STJ acolhe entendimento, haurido na doutrina, no sentido de que o direito de utilização de linha telefônica, que se exerce sobre a coisa, cuja tradição se efetivou, se apresenta como daqueles que ensejam extinção por desuso e, por conseqüência, sua aquisição pela posse durante o tempo que a lei prevê como suficiente para usucapir (prescrição aquisitiva da propriedade). II - Recurso não conhecido. REsp 41.611–RS, 3° T., Min. Waldemar Zveiter, DJU, 30-05-1994.

[6] “Usucapião. Pedido amparada na acessio possessionis. Obrigatoriedade de os autores provarem o efetivo exercício da posse pelos seus antecessores pelo tempo necessário”(RT,764/212). “Reintegração de posse. Falecimento do proprietário. Transmissão da posse, por herança, a seus filhos com todos os vícios e qualidades existentes. Caracterização como sucessão a título universal. Exercício do direito de posse sobre o imóvel reconhecido” (1° TACSP, Ap. 0.533.305-1, 2° Câm., Rel. Juiz Alberto Tedesco, j. 15/02/1995.

[7] Nesse sentido: “Reintegração de Posse. Ajuizamento por adquirente de imóvel contra alienante. Inexigibilidade de exercício físico da posse para a propositura, em face da cláusula constituti, constante da escritura pública”( JTJ, Lex, 180/193).

[8] Ação de reintegração de posse. È cabível, após notificação prévia, a proposta pelos adquirentes de bem imóvel, objeto de comodato conferido pelos proprietários anteriores. Possuidor indireto também faz jus aos interditos contra o possuidor direto, uma vez extinto o direito deste. Aquisição da posse por qualquer dos modos de aquisição e geral (art.493 III, do CC), facultando-se ao sucessor singular unir sua posse à do anterior. Agravo de instrumento provido para que se processe a ação possessória como tal. (TJRS Al n. 184.030.286, 3° Câm. Cível, rel. Ernani Graedd, j. 09.08.1984.

[9] Ação de manutenção de posse. Detenção. 1- Os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse ad iterdicta, nos termos do art. 497 do Código Civil, vigente à época dos fatos. 2 – Sendo a autora meramente detentora e não possuidora da área cuja proteção possessória pleiteia, outro não poderia ser o juízo senão o de improcedência da ação. Apelação desprovida. (TJRS, Ap. Cível. n. 70.005.274.774, 19 Câm. Cível, rel. Miguel Ângelo da Silva, j. 21.09.2004.

[10] Interdito proibitório. Condomínio e posse pro indiviso. Os possuidores de área comum podem exercer atos possessórios sobre o bem, sem que ocorra exclusão da posse dos demais. Art. 1.199 do Código Civil. A construção de cerca divisória sobre parte ideal da área indica delimitação física do imóvel, evidencia a turbação e autoriza a proteção possessória pretendida. Aplicação do princípio quieta non movere, a recomendar manutenção da situação de fato existente. Indenização por perdas e danos indevida, pois não foram demonstrados os alegados prejuízos. Apelação parcialmente provida. Unânime. (TJRS , Ap. Cível. N. 70.000.758.573, 18° Câm. Cível, rel. Des. Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, j. 27.02.2003.

[11] Nunciação de obra nova. Ocupação unilateral de sobra de área entre as divisas. Obras realizadas por locatário. Legitimidade deste e do locador, possuidor indireto e proprietário. Comprovado o avanço sobre as divisas tituladas, e por obras realizadas pelo condomínio, locatário, desinteressa a terceiros, no caso as autoras, se as obras foram ou não autorizadas pelo proprietário, sendo ambos, possuidor direito e indireto, solidariamente responsáveis por esta. A definição de responsabilidade entre os contratantes, locador e locatário, há de ser definida entre estes, em demanda regressiva, se for o caso, já que não houve denunciação da lide. Negaram provimento. (TJRS, Ap, Cível. N. 70.002.833.614, 2° Câm. Cível,rel. Marilene Bonzanini Bernardi.

[12] Embargos de terceiro. Legitimidade. Imóvel locado. Tanto o possuidor direto – locatário – quanto o indireto – proprietário e locador – detêm legitimidade ativa para defender a respectiva posse, sempre que sofra, ou esteja ameaçado de sofrer, por ato de constrição judicial, turbação ou esbulho. Ação julgada procedente em primeiro grau de jurisdição. Sentença que se confirma, com improvimento do apelo da embargada. ( TJRS, Ap. Cível n. 70.001.201.003, 6° Câm. Cível, Rel. Des. Oswaldo Stefanello, j. 08.11.2000.