Ana Carolina Machado Ferrari
Carla Lucilene Julio
Érica Tatiane
Lidiane Aárecida Pires


Há muito vem se falando que o ato de ensinar não é mais a mera transmissão de conhecimento, por parte do professor, e memorização do conteúdo exposto, por parte do aluno. A discussão agora gira em torno do centro da aprendizagem: o aluno. E por que isso? Acredita-se que o ato de ensinar tem que ser voltado para quem aprende e não para quem ensina. Assim, a aprendizagem em sala de aula deixa de ser uma construção bancária e passa a buscar uma nova "roupagem" para que o ensino se dê de forma concreta: a mediação.
Na relação presencial, é o professor quem atua como mediador pedagógico entre a informação passada e a aprendizagem por parte dos alunos, levando-os a reflexão, á participação e ao relacionamento dos conteúdos com o contexto social dos alunos. Através da mediação, o professor torna-se o facilitador, o incetivador e motivador desse aprendizado. Perfil bem diferente do professor autoritário, dono do saber, responsável apenas pela "transmissão" do conhecimento.
O conhecimento reflexivo é gerado de forma mais clara quando o ensino está entrelaçado ás experiências de quem aprende.
A escola, em seu papel social, deve levar a autonomia á seus alunos, preparando-os para a cidadania. Deve-se levar em conta o contexto no qual o aluno está inserido e não apenas os conteúdos acadêmicos e o professor deve tornar-se um pesquisador afim de buscar uma melhoria do processo da prática educativa, desenvolvendo estratégias com criatividade. O professor deve incentirvar seus alunos ao debate, á exposição do que eles têm de conhecimento prévio do assunto abordado em sala de aula para que essa possa obter um enriquecimento empírico.
Dar aula agora tornou-se um trabalho á ser desenvolvido em equipe, onde os protagonistas são: professor e aluno, em um ambiente de troca de experiências. Assim, através dessa mediação dialógica, a criança terá melhores condições na formação de seus conceitos, a partir do que foi dado.
A proposta para a elaboração do presente trabalho é a de descrever uma situação observada em sala de aula ? durante o estágio curricular de docência ? e analisá-la, a partir de um aspecto (foco) apresentado por Roseli Fontana em seu no livro: Mediação Pedagógica na Sala de Aula. E será à luz dos escritos da autora que buscaremos relatar como se deu nosso percurso até que chegássemos a um consenso sobre a situação experienciada da qual partiríamos para a elaboração do trabalho, considerando a importância social do professor enquanto mediador pedagógico no processo de elaboração/apropriação de conceitos pelo aluno.
Em um primeiro momento, procuramos descrever a cena presenciada por uma das integrantes do grupo para que seja conhecida a situação que nomeamos "problema". Em seguida, apresentaremos uma breve síntese dos escritos de Roseli Fontana em sua obra, ora citada, destacando os aspectos que julgamos relevantes para então assim estabelecermos uma análise comparativa entre os estudos realizados e o momento da prática registrada. Por fim, buscamos construir, a partir deste embate, considerações que julgamos pertinentes no processo reflexivo aqui proposto e estabelecido.
PERCURSO DA ESCOLHA
Baseando-nos na obra Mediação Pedagógica em Sala de Aula, tomamos como foco para discussão a formação de conceitos elaborada pelos alunos a partir da mediação dialógica do professor em sala de aula. Para isso citamos a definição que a autora dá para a ocorrência do desenvolvimento de conceitos no contexto escolar:
A maturação orgânica, os princípios biológicos gerais, determinando o desenvolvimento dos processos mentais elementares, influem sobre o desenvolvimento da conceitualização na medida em que aqueles são a base a partir da qual se opera o desenvolvimento de todas as funções mentais superiores mediadas semioticamente. Mas a formação dos conceitos depende fundamentalmente das possibilidades que os indivíduos têm (ou não) de, nas suas interações se apropriarem (dos) e objetivarem os conteúdos e formas de organização e de elaboração do conhecimento historicamente desenvolvido. (LURIA, citado por FONTANA, 1996, p. 14).
Mediante a apreciação do conceito, houve um encontro, no qual cada integrante relatou uma experiência vivenciada em sala de aula, seja como estagiária - observadora, como professora, ou como auxiliar de turma. Discutiram-se todas as situações, levando em consideração o princípio norteador concedido por Fontana. Após a discussão e análise de todos os relatos, o grupo elegeu uma situação que julgamos ter uma relação mais evidente com a proposta já escolhida, qual seja: uma aula de geografia, em uma classe de 2º ano do 2º ciclo complementar de alfabetização.
Para análise do acontecimento, optamos ? para embasamento teórico ? o momento em que Fontana (1996) afirma que no contexto escolar as atividades que envolvem a elaboração de conceitos sistematizados são dispostas para a criança de maneira discursiva e lógico-verbal, portanto a relação entre a criança e o conceito é sempre mediada por outro conceito. Ou seja, o processo de elaboração conceitual efetivava-se por uma articulação dialética entre os conceitos espontâneos (dominados pela criança) e os conceitos sistematizados (propostos pela escola).
MEDIAÇÃO PEDAGÓCIA EM SALA DE AULA
Em sua obra, Roseli Fontana - apoiando-se na abordagem histórico-cultural do desenvolvimento humano - mostra aspectos da importância social da escola e do trabalho pedagógico, tendo por base situações vivenciadas no cotidiano da sala de aula. Ela centraliza seu foco de interesse sobre o modo como se desenvolve o processo de apropriação/elaboração, pela criança, dos conceitos sistematizados, na dinâmica contraditória da prática educativa escolar. Seu livro é dividido em duas partes, sendo que na primeira, a autora aborda as dimensões intersubjetiva e discursiva da conceitualização, apresentando e discutindo os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural de Vygotsky e da Teoria da Enunciação de Bakhtin. Delineia, também, as opções e fundamentos metodológicos do estudo empírico que foi realizado/compartilhado com a professora e os alunos de uma 3ª série do 1º grau, no cotidiano da sala de aula. Na segunda parte, ela retoma vários episódios desse cotidiano e busca analisar a emergência e o desenvolvimento das elaborações inter e intra-psicológicas do conceito de cultura na dinâmica das interações e interlocuções produzidas na sala de aula. Nessa análise destaca-se o papel constitutivo do trabalho pedagógico nesse processo e a heterogeneidade de sentidos e de estratégias como sua característica fundamental.
A autora enuncia como objetivo de Mediação Pedagógica em Sala de Aula (1996) a verificação de como a prática educativa escolar mediatiza as elaborações da criança e seu desenvolvimento e a atividade de elaboração conceitual da criança no contexto escolar tendo como referencial teórico a perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, apoiando-se principalmente no pensamento de Vygotsky e de Bakhtin. Ela discorre, também sobre a metodologia utilizada para realização de sua obra: o trabalho empírico no contexto real da sala de aula, assumindo a ação pedagógica enquanto condição da elaboração conceitual da criança na escola, como o espaço para o desenvolvimento de uma análise microgenética do processo de conceitualização.
A sala de aula, alvo de sua pesquisa era uma classe de terceira série de uma escola municipal situada na periferia de Campinas, onde ? professora e professora-pesquisadora ? procuraram trabalhar conceitos que não foram estabelecidos a priori, delimitando-se apenas uma área de conhecimento: Estudos Sociais.
A autora conduziu seu trabalho partindo de atividades que permitissem a expressão da própria experiência da criança, trazendo elementos de seu cotidiano e/ou formas elaboração conceitual espontâneas para a sala de aula. Enquanto, a professora participou da configuração da reflexão das crianças, explicitando-lhes outras possibilidades de elaboração da situação vivenciada.
No decurso da leitura, percebe-se como a reconstituição e análise das situações de elaboração conceitual evidenciaram que, embora a estrutura semântica e sistêmica das palavras marque o processo de desenvolvimento e envolva também a aprendizagem, não são esses dois processos, em si mesmos, seus determinantes. A palavra alheia é incorporada pela criança como um dizer institucional, e seu sentido é estabilizado. Ela é reconhecida e re-elaborada pela criança, entrelaçando-se dinamicamente a suas palavras interiores. A elaboração conceitual é entendida como parte de uma luta constante pela constituição da identidade social, num processo que é dinâmico e passa pela escola.
A autora salienta em seu trabalho duas análises distintas e contrapostas do processo de elaboração conceitual no ideário pedagógico que permeia as práticas dominantes nas salas de aula. Numa relação pedagógica tradicional: Professor e criança relacionam-se com os sistemas ideológicos constituídos como palavras que devem ser apreendidas independentemente de sua persuasão interior. Enquanto, numa relação pedagógica não tradicional: A relação de conhecimento é lida a partir da criança, sujeito conhecedor ativo. A ela é deixada a tarefa de construir, com seus próprios recursos, os sentidos e operações mentais, uma vez que se considera que a escolarização, bem como toda forma de interação com o adulto, não interferem diretamente no modo como os conceitos são elaborados por ela. Nestes dois tipos de relação pedagógica descritos em Mediação Pedagógica em Sala de Aula, Roseli afirma que a relação social de conhecimento é fragmentada em seus elementos constitutivos e a conceitualização é vivenciada na escola como um processo estritamente cognitivo.
Concluindo sua obra, Roseli Fontana chega a conclusões relevantes, quais sejam: Qualquer tipo de reflexão só tem condições de chegar a um nível de compreensão mais profundo quando articulada à experiência cotidiana; O que uma criança necessita, é de uma oportunidade para apropriar-se de novos conceitos no fluxo da própria comunicação verbal; Ao possibilitarmos à criança expressar e lançar mão dos sentidos e experiências de seu grupo social, para elaborar o saber escolar, não só, incorporamos ao conhecimento escolar em elaboração um acervo imenso de saberes - nem sempre registrados pela história ou reconhecidos pelas ciências - como também, abrimos a possibilidade de transformar o "saber escolar" em conhecimento ligado à vida, porque conscientizado de sua existência e do lugar social por ele ocupado.
O CONFRONTO: A SITUAÇAO VIVENCIADA E A ANÁLISE DA MEDIAÇÃO
Durante o estágio com foco na docência dos anos iniciais do ensino fundamental realizado no 1º semestre de 2007, no núcleo formativo V, uma das integrantes do grupo vivenciou a situação que será apresentada a seguir.
Em uma turma de 2º ano de 2º ciclo complementar de alfabetização (o que equivaleria à 4ª série do ensino fundamental), em uma escola pública municipal de uma cidade de médio porte da região metropolitana de Belo Horizonte, a professora dá início a uma aula de Geografia. Essa, então pede que as crianças abram o livro de Geografia e leiam o texto: "O mapa que nunca fica pronto". Esse texto trata em uma linguagem simples e didática das modificações que ocorrem no mapa-múndi, que realmente nunca está acabado. Aborda ainda os fatores pelos quais as fronteiras geográficas estão constantemente em redefinição: guerras; disputas internas dentro dos próprios países pela ocupação de territórios; fatores econômicos; disputas de cunho religioso, político e ideológico.
Após o término da leitura por toda a classe, a professora inicia a "explicação", e não uma discussão do conteúdo que o autor contempla no texto. Ela fala que as fronteiras mundiais são redefinidas devidas às disputas por território, ou seja, por mais espaço geográfico ou pela ocupação de um espaço que pode não pertencer a determinado país, estado ou cidade registrado no mapa, mas que é almejado por esse, devido aos diversos fatores que o autor cita no texto. Ela então repete esses fatores a fim de reforçar porque as fronteiras não são permanentes.
A certa altura da explanação da professora, um dos alunos levanta a mão, solicitando permissão para falar. A professora atende à solicitação, o aluno então começa a falar sobre as reportagens que assiste quase que diariamente nos jornais televisivos sobre guerras em países como Iraque e os países do Oriente Médio (se referindo à guerra entre judeus e palestinos). Ele, então dá mais ênfase às disputas que ocorrem no Oriente Médio, questionando o porquê do uso de pedras, paus, ou seja, armas que não são de fogo, por uns e armas de fogo do outro lado. Cita ainda os atentados que ocorrem nessa região, como exemplo fala dos homens-bomba. Esses aspectos, como essa riqueza em detalhes, foram trazidos pelo aluno, pois o autor não aborda no texto com tanta profundidade. E para finalizar o questionamento pergunta a professora o motivo dessa guerra que parece nunca ter um fim.
Após o questionamento do aluno, o silêncio paira na sala por alguns instantes. Porém, a professora quebra esse momento de silêncio, que poderia significar tanto para os alunos, com uma intervenção infeliz. Ela diz a toda a classe que não consegue compreender o motivo desta "briga" toda, que muitas vezes pensa que essas pessoas do Oriente Médio que se envolvem nessa guerra são loucas. "Loucas", esse foi exatamente o termo que ela utilizou. Logo após essa intervenção pede que as crianças respondam às questões que são propostas no livro didático, para que ela corrija após o tempo determinado. Então se cessa a discussão.
No livro Mediação pedagógica na sala de aula a professora se propõe a sair desse lugar de legitimidade para assumir junto com a autora do livro o papel de professora-pesquisadora, procurando através dos estudos teóricos (Vygotsky e Bakhtin) e da análise do cotidiano, entender como seus alunos constroem seus conceitos e como a sua postura pedagógica é relevante neste processo de construção. A linguagem se apresenta então como signo e como instrumento disponível para a elaboração de conceitos pelas crianças, através do uso das palavras, seria "a palavra é o meio de generalização criado no processo histórico-social do homem" (LURIA, 1987:203 p.13).
Portanto, pode-se dizer que a palavra é o elo de conector entre os sujeitos. A fala do outro e a interpretação que se faz dessa fala são o ponto de partida para a elaboração da conceitualização. Ou ainda,
O desenvolvimento da conceitualização na criança transcorre no processo de incorporação da experiência geral da humanidade, mediada pela prática social, pela palavra (também ela uma prática social), na interação com o(s) outro(s). (FONTANA: 1996, p.14).
Diante dessas afirmações pode-se verificar que a professora citada no relato feito pelo grupo deixou escapar uma rica oportunidade de interação e interlocução, o questionamento feito pelo aluno continha tantas interrogações e tantas dúvidas a respeito de um assunto tão presente e tão real, mas ao invés de se apropriar dessa oportunidade através da interlocução, do questionamento e do estudo, ela simplesmente usou a sua fala para abafar aquele momento de construção de conceitos mais reais e significativos, se apoiando em um posicionamento pobre e em um conceito construído sem embasamento teórico e desprovido de estudos mais aprofundados. O texto trabalhado pela professora aponta tantas questões importantes, abarcando inúmeros conceitos a respeito das divisões que ocorrem no Mundo, contudo ela se limitou apenas a repetir o que e texto já dizia a ainda respondeu ao questionamento do aluno de forma vazia. Pode ser que naquele momento ela não tivesse conhecimento suficiente a respeito da temática, o que não justifica um desfecho tão esvaziado para a discussão. Seria interessante propor um estudo, um debate a respeito do assunto, procurando saber como os alunos vêm a situação do oriente médio hoje e uma pesquisa sobre como essa situação se configurou ao longo da história desses povos. Infelizmente o desfecho que a fala da professora deu à aula, demonstra como o papel do professor de mediador é ponto fundamental nas interações sociais na sala de aula. É certo que a maioria dos alunos apreendeu a resposta dada pela professora, ("... essas pessoas do Oriente Médio que se envolvem nessa guerra são loucas.") e a tomou como sendo uma verdade, elaborando conceitos a respeito daquelas pessoas baseados na fala da professora.
No exercício vivo das trocas de sentido e de modos de operar intelectualmente, as crianças não só se apropriam do conceito, iniciando sua elaboração, como também elaboram modos de interação, de participação (como perguntar, como responder, como argumentar) e de negociação... Elas imitaram reproduziram os modos de dizer da professora, dos companheiros, da pesquisadora, das vozes que foram incorporadas à interlocução. (FONTANA: 1996.p.169-170).
O "exercício vivo das trocas" citado pela autora só é realmente significativo se o educador se coloca como o mediador desta prática, encaminhando no cotidiano da sala de aula a elaboração de conceitos, respeitando o modo como às crianças se apropriam elaboram e re-elaboram os saberes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O relato apresentado acima é um dos inúmeros exemplos de como a interação na sala aula é importante na construção dos saberes e de como a falta dessa interação crítica é prejudicial para os estudantes. O papel do professor como mediador-interlocutor dessa construção requer um profundo conhecimento do educador e um real interesse em ser mais do que um simples transmissor de conteúdos, implica se transportar para o papel de pesquisador de sua própria prática, verificando e construindo novas concepções a respeito das relações que se estabelecem em uma sala de aula.
O aluno construirá seus saberes a partir do que o professor explicitou em sala de aula relacionado á sua experiência cotidiana. A falta e/ ou insuficiência de informações por parte desse mediador ou até mesmo a falta dessa articulação implicará em uma construção insatisfatória e supérflua para o aluno


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FONTANA, Roseli Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. Autores Associados, 1996.