1. Introdução

Em linhas gerais interessa para esta análise a semelhança e as diferenças expostas na mídia, especialmente nas capas de cd?s religiosos de ontem e de hoje. Como estas mensagens são expostas, como as imagens influenciam no processo de transmissão da mensagem midiática? Que sentido as mesmas ganham e perdem ao longo dos anos? Como estas impulsionam e estimulam ao consumo?.

Para responder estas questões, o artigo apresenta, inicialmente, uma reflexão teórica sobre as imagens vistas como discursos sociais sobre religião e mídia como fenômenos discursivos. Em seguida expõem-se um conjunto de reflexões sobre o processo evolutivo destes fenômenos, sobre suas formas de apresentação, semelhanças e modificações; e ainda abordagens sobre o consumo e as estratégias evangelizadoras que estes expõem através da mudança de comportamento, e a busca da compreensão deste universo que tem por finalidade o consumo da religião através da mídia.

Funciona como principal referencial teórico para essas análises a teoria dos discursos sociais, que investiga fenômenos culturais como fenômenos de comunicação. Cerqueira (2007), Sontag (2003), autores que discutem o caráter discursivo e enunciativo das imagens, especialmente as imagens midiáticas; Martino (2003), Durkheim (1995), Marx (1985) e Weber (1991,1993) que tratam da religião como instituição com finalidades e objetivos.

A escolha dos cd?s dos dois grupos religiosos: Vida Reluz (Grupo católico) e Diante do Trono (grupo Evangélico) deve-se a reflexões e constatações feitas pelo próprio autor, ao notar que a partir dos anos 1990, a imagem vem assumindo caráter de grande importância no meio artístico religioso, e com base em estudos feitos a partir de afirmações citadas nos meios de comunicação onde os mesmos se inserem, nota-se que as fotografias artísticas e imagens de outras categorias são usadas constantemente como propagadoras de mensagens de interesse de ambos. Também a partir do pressuposto de que o religioso de ontem diferencia-se bastante do de hoje. E com base em constatações feitas por Martino (2003 p. 21) segundo o autor "A instituição religiosa é também uma instituição social. Por isso como funcionamento, não se escapa as regras que a determinam. É um universo social, relativamente autônomo dos indivíduos que a cultivam". Entende-se assim que a religião passa a ser instituição utilizando disso para a prática do "marketing religioso", fenômeno que será citado mais adiante.

2. Religião, Consumo, Imagem e Discursos Sociais.

Ao trabalhar com a teoria dos discursos sociais, percebe-se através dela a função que o discurso exerce na construção, reprodução e transformação da visão de mundo que temos. Os textos nos levam a viajar em meio a um mundo de palavras, e através desta percebemos a nossa não originalidade, uma vez que um discurso nasce de outro discurso e este também nos remete a um novo discurso. Mas é importante ressaltar que o discurso não analisa apenas os textos de usos restritos da língua, mas sim tudo aquilo que gera sentido discursivo dentro do contexto social. De acordo com Michel Foucault no livro "Arqueologia do Saber" lançado em 1969, citado em Pinto (1999), abriu-se portas pra um conceito de que discurso é também uma prática social de produção de textos que surgem no bojo das práticas sociais em que nos engajamos no interior das instituições sociais. Estaremos tratando neste artigo também da maneira com que a religião como instituição social utiliza da mídia na prática social, observando que o discurso aparece também não - verbalmente o que vamos tratar abaixo usando citações de autores e estudiosos, e a través da análise de discurso nas capas de cd?s religiosos.
Segundo Sontag (2003) citado em Cerqueira (2007), O fluxo incessante de imagens (televisão, vídeo, cinema) constitui o nosso meio circundante, mas quando se trata de recordar, a fotografia fere mais fundo. A memória congela o quadro; sua unidade básica é a imagem isolada. Numa era sobrecarregada de informações, a fotografia oferece um modo rápido de apreender algo e uma forma compacta de memorizá-lo.

Com base nessa afirmação percebe-se que os aspectos não verbais são também de grande importância no cotidiano das pessoas, e a fotografia seja ela inserida na capa de um cd ou de outras maneiras, tem grande importância no processo comunicativo e na transmissão de mensagens e sentidos.

Justificando estas considerações sobre os valores da fotografia, Cerqueira (2007) acrescenta que:
"... Encarar discurso, exclusivamente, como atividade verbal e oral é um engano grave. Aspectos não-verbais da linguagem, especificamente as imagens, são objetos de consumo simbólico e, conseqüentemente, geradores de sentidos".
Por esta produção de sentido as igrejas utilizam-se das imagens para tratar suas mensagens e expor através das mesmas aquilo que deve ser difundido na sociedade consumidora dos símbolos, esta vai reagir de várias formas e sentidos ao que lhe for exposto.
Para Martino (2003, p. 21) as instituições, no meio social:
"[...] São sempre objetivas. Existem para todos os indivíduos. Atuam independentemente da vontade de quem é exterior a ela, e mesmo de seus participantes que não tenham o poder de decisão. Aliás, nada pode se opor a ela senão outra instituição". O autor ainda acrescenta que "[...] O poder coercitivo revela-se na manutenção de sua ordem interna e também nos combates às instituições concorrentes. Finalmente, a instituição necessita de reconhecimento social de sua existência, atividade e sobrevivência. O grau de legitimidade de uma instituição, num determinado espaço social, depende do grau desse reconhecimento. A legitimidade se dá pelo reconhecimento interno, dos membros da instituição, como também daqueles que a ela não pertencem".

Ampliando este raciocínio, faz-se necessário acrescentar que em busca desse reconhecimento às instituições recorrem ao famoso "Marketing Religioso" perdendo seu processo de secularização, e construindo uma representação dominante do mundo social, muitas vezes se opondo as outras opiniões dominantes através dos meios de comunicação. "O objeto próprio da atividade religiosa consiste em regulamentar as relações das forças sobrenaturais com os homens" (In: MARTINO, 2003, p. 27). O pesquisador Luís Mauro Martino (2003), em seu livro "Mídia e poder simbólico" intitulam como "religião fast-food" os novos perfis religiosos que estão aparecendo; são padres cantores que celebram "showmissas", líderes evangélicos que também cantam e utilizam-se da mídia para abertura de outros negócios, como templos, sites, revistas etc. E assim perdem-se os antigos pressupostos; como por exemplo: "A especificidade de qualquer instituição religiosa é a definição do que deve ser entendido como sagrado. Quando os fiéis nascem, já encontram feitas as crenças e práticas de sua vida religiosa (DURKHEIM, 1995 p.02).


3. Cd?s, Dvd?s e outros produtos que estimulam ao consumo.

Há mais de três séculos o capitalismo vem modificando tudo ao nosso redor, e a busca incessante por dinheiro vem se tornando uma corrida sem fim. Autores modernos como Linhares e Pereira (2006), se dirigem ao consumo como "cura" a diversos tipos de reações apresentadas. Percebe-se que a cultura de consumo produz uma vasta variedade de signos, imagens e símbolos.
Assim a dimensão do consumismo se faz maior e mais rápida no nosso meio, utilizamos para melhor tratar este assunto seis capas de cd?s que se apresentam como ícones do consumo religioso. Demonstrando a mudança deste processo ao longo dos anos. Os primeiros discos lançados, e os mais recentes pelos grupos Vida Reluz (católico) e Diante do Trono (Evangélico).









Figura 01 figura 02

No início da carreira dos grupos religiosos, ambos tinham por objetivo gravar discos para registrar os hinos de suas igrejas, e através destes discos que somente seriam difundidos dentro da igreja, angariar fundos para obras beneficentes. Nota-se nas capas dos cd?s acima uma semelhança em relação à mensagem transmitida.
O 1º disco do grupo vida reluz (figura 01), lançado na década de 90, traz na capa um fundo azul que dentro do contexto religioso, representa a corda vida e do céu, um sol que trata exclusivamente da luz, para eles luz divina sobre o azul, e o nome do grupo com um tom iluminado pelo sol. Trazendo musicas verdadeiramente religiosa e hinos de louvor. O grupo gerou assim o pressuposto de um trabalho comum sem grandes especificidades.
Assim também se nota no 1º álbum da Igreja Batista da Lagoinha lançado em 1998, com o título "Diante do Trono", segundo informações cedidas pelo site do grupo, o objetivo do 1º disco era apenas de registrar os hinos cantados dentro da igreja, com uma tiragem pequena para ser vendido somente dentro da igreja, o disco alcançou divulgação espontânea em rádios e teve que ser difundido fora dela também, assim a canção título do álbum "Diante do Trono" tornar-se-ia mais tarde o nome do grupo, devido seu grande sucesso. A capa do álbum trás a imagem da igreja batista da Lagoinha, na foto percebe-se a presença de muitos fiéis em um culto ou evento dentro da igreja, e o título muito destacado na frente da mesma. Dando uma noção de que esses fiéis estariam louvando, diante do trono, e as canções nele gravadas, eram hinos tradicionais da igreja e seculares. O álbum também não trazia em sua arte grandes especificidades. Acredita-se que o principal efeito gerado por estes elementos presentes, seria a noção de início, de ainda santo, sem muitas intenções voltadas para o marketing, mais ainda sim gerando uma curiosidade quanto ao seu conteúdo.










Figura 03 Figura 04

Seguindo em frente no início da década de 2000, encontramos os dois grupos de uma forma diferente, mais equilibrados. O álbum do grupo Vida Reluz (figura 03) que passou de comunidade da igreja católica para grupo artístico, intitulado "Deus imenso", lançado por uma importante gravadora católica alcançou a marca de mais de 100 mil cópias vendidas, entre fiéis e não fiéis, sendo disco de ouro. Na capa do álbum percebe-se a presença de maiores artifícios na produção da imagem e representação da mensagem, uma capa mais elaborada que traz o seu título e braços de fieis dirigidos para o alto dando a noção de um Deus realmente imenso, distante, que nos céus se encontra inalcançável, e estes fieis buscando alcança-lo. No fundo um tom amarelado, que dá a noção de fim de tarde, de por do sol, e que uma determinada luz vem do céu. E desta vez não eram mais hinos que compunham o disco, mas sim canções elaboradas por autores do grupo.
O 5º cd do grupo Diante do trono, lançado em 2002 com o título "Nos braços do Pai" (figura 04), partiu do pressuposto de um projeto da igreja por andar nas regiões do país, o cd foi gravado ao vivo em um mega evento que aconteceu na Esplanada dos Ministérios em Brasília ? DF. O show reuniu milhões de pessoas, e o cd foi sucesso nacional e posteriormente gravado em espanhol. O grupo Diante do Trono já não era mais um grupo de cantores da igreja Batista da lagoinha de Minas Gerais, mas sim um grupo de pastores e líderes de louvor, bem produzidos levando a todo o país e fora dele mega shows não só com hinos da igreja, mas também com canções de autoria dos mesmos, e que pregavam mensagens próprias de interesse da igreja. A capa do cd mostra literalmente o que expressa a mensagem, com um fundo azul e um jovem adormecido nos braços de Deus, este deus, na versão do grupo está mais próximo do fiel, aconchegando-o em seus braços, e a luz divina é representada por um tom branco que surge por trás do pai. Acredita-se que a reação causada por estas capas é a noção de busca pelo pai, pelo Senhor, que para alguns, está distante, e se faz necessário expor como ele é imenso. Para outros é um deus aconchegante, presente, socorro nas horas difíceis.
E assim com esta evolução voltamos ao pressuposto exposto por Martino, onde a religião antes sagrada passara a se transformar em religião "Fast-Food".










Figura 05 Figura 06

Atualmente, comprova-se através das capas atuais dos grupos religiosos e ao analisar questões em torno dos mesmos; O trabalho artístico mais recente do grupo Vida reluz intitulado "Ao vivo" reúne grandes sucessos do grupo e canções inéditas. Gravado em cd e Dvd. Lançado no inicio deste ano o álbum do grupo católico, traz em sua capa não mais uma arte que trate da mensagem religiosa do seu conteúdo, mas sim a foto dos componentes do grupo durante o evento da gravação do álbum. Com a arte do nome do grupo por cima.
Assim se dá também no mais recente trabalho do grupo Diante do Trono, lançado no final de 2007, a capa do cd intitulado "Príncipe da Paz" também traz uma foto registrada durante o evento de gravação do mesmo, em que aparecem os componentes do grupo. Porém "Príncipe da Paz" traz em si um detalhe notável, que é a figura de um leão por trás do título, segundo eles seria a representação do príncipe da paz. Segundo eles o leão seria a representação do "Príncipe da Paz" que é Jesus, este comparativo gerou grande polêmica entre os evangélicos. O cd ainda traz mensagens que segundo os evangélicos seriam "impróprias" para difusão nas igrejas, levando em conta o comparativo do Leão e as letras de músicas "fortes" que segundo eles trazem mensagens de guerra contra Satanás, e músicas de melodia leve que transmitem mensagens que tratam do momento vivido pela igreja, ou pela autora Ana Paula Valadão. A capa do cd trás em si detalhes mais avantajados, letras mais destacadas, estratégias de cores, e a inserção do leão como "Príncipe da paz" um detalhe parecido se encontra na arte do álbum do grupo Vida Reluz, que traz uma pomba desenhada sobre o nome do grupo, que para os católicos simboliza paz. Assim, com a evolução das formas de ser, esses produtos vão ficando mais atraentes aos olhos da população, mais "bem vestidos" como dizem os críticos, e ganham outros valores.
"Portanto, à primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente. Analisando-a, vê-se que ela é uma coisa muito complicada, cheia de sutileza meta-física e manhas teológicas. Como valor de uso, não há nada misterioso nela. Mas logo que ela aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa fisicamente metafísica. O caráter místico da mercadoria não provém, portanto, de seu valor de uso (MARX, 1985, p. 70)".



4. Considerações Finais:


Sabendo que através destes estudos, trata-se, basicamente de práticas culturais. Mostramos neste artigo como se dá a evolução e o surgimento de novas estratégias evangelizadoras em nosso meio. Como estas categorias estão presentes no dia-a-dia, e se inserem na mídia em forma de instituições geradoras de símbolos, sentidos e produtos que incentivam ao consumismo alienado. Percebemos através deste, a grande diferença do Religioso de antes com o de hoje, que investe mais na imagem, usa estratégias de comunicação sonora e audiovisual de maneira objetiva e pragmática. Essas práticas que envolvem marketing e produção, portanto, levam fiéis ao consumo da palavra cristã através de Cd?s, Dvd?s, livros, programas de TV, sites relacionados e etc. E assim se difunde o famoso reencantamento, onde os líderes não precisam gritar mais para que seus sermões alcancem os fieis, mas sim usar a mídia e difundir sua mensagem.
Com a análise das capas dos Cd?s dos grupos Vida Reluz (católico) e Diante do Trono (evangélico), notamos mais nitidamente esta evolução, esta modernização que se insere muitas vezes sem que percebamos através de produtos que circulam nosso dia-a-dia.








5. Referências Bibliográficas:

? MARTINO, Luís Mauro Sá. Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e campo religioso. São Paulo: Paulus, 2003.
? CERQUEIRA, Antonio Ailton Ferreira. A representação da Morte nas capas das Revistas Semanais Veja e Isto É. Teresina, 2003.
? MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. 1, 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
? www.diantedotrono.com.br
? www.vidareluz.com.br
? PEREIRA, Camila; LINHARES, Juliana. Os novos pastores. Revista Veja. Ed. 1.964, ano 39, n° 27. São Paulo:
? WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1991. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11ª ed. São Paulo: Pioneira, 1993.