ESTÓRIAS DO POVO BRASILEIRO

"O DIA É DOS VIVOS. A NOITE, DOS MORTOS"

Contam os antigos que, em um determinado lugar havia uma mulher que, estranhamente, dormia todo o dia e passava a noite acordada. Tal hábito já chamava a atenção dos vizinhos que não entendiam o motivo daquele estranho comportamento.

Certa vez, uma vizinha foi ter com a dita mulher indagando-a :

-Amiga, tenho notado que você tem passado as noites sem dormir. Você está com algum problema?

Ao que a outra respondeu:

-Não amiga, é por que eu não tenho sono durante a noite, além do mais, quem fica acordado a noite vê muita coisa interessante. Escuta só. Vocês dormem demais e ontem mesmo perderam uma coisa linda que passou pela rua.

A vizinha curiosa, logo quis saber do que se tratava:

-E o que aconteceu de tão interessante ontem à noite, amiga?

-Vocês perderam. Vou contar pra você:

Era mais ou menos meia-noite quando passou por aqui uma procissão. Nunca tinha visto coisa tão bonita. Era enorme, muita gente, e todas com velas acesas nas mãos. Um senhor muito simpático até deixou a sua aqui para eu guardar, pois apagou e ele disse viria pegar hoje a mesma hora. Vou buscá-la pra você ver!

E, dizendo isso, entrou em casa e dirigiu-se ao local onde havia guardado a vela que lhe havia sido confiada pelo homem da procissão. Muito espantada, ela encontra no local um osso humano. Uma "canela". Apavorada ela mostra o encontrado para a vizinha que, também horrorizada, a aconselha a procurar um padre.

Imediatamente a mulher foi à igreja mais próxima e lá contou ao padre o que estava acontecendo, ouvindo dele o seguinte conselho: "Minha filha, volte para casa. Arranje uma criança que ainda seja pagã (não batizada) e quando o homem for buscar sua encomenda, não a entregue com suas mãos. Mande que ele a pegue. Se ele tentar se aproximar de você, dê três beliscões na criança para fazê-la chorar. Isso o afastará de você."

Assim a mulher fez. Voltou para casa e conseguiu com uma amiga uma criança pagã. Nesta noite ela não ficou na porta, como de costume. Armou uma rede na sala, deixou a porta aberta e próximo da hora marcada, deitou-se com a criança esperando a visita do simpático homem. Não demorou muito e o homem apareceu:

-Boa noite. Vim buscar a minha vela. Disse o homem do lado de fora da casa.

-Pois não, pode entrar e pegar. Está debaixo da mesa. Respondeu-lhe a mulher.

-Não! Eu não posso entrar. A senhora tem que me entregar! Retrucou o homem.

-Entre. Não posso me levantar. O senhor tem a minha permissão. Entre e pegue! Insistiu a mulher, seguindo o conselho do padre.

Diante da permissão recebida, o homem entrou na sala, pegou sua "encomenda" e dirigiu-se para a mulher. Nesse momento, a mulher deu os três beliscões na criança que começou a chorar. O homem ouvindo o choro da afastou rapidamente da rede onde estavam a mulher e a criança e, sem virar-lhe as costa, exclamou:

-Eu vim para lhe levar mas por causa desta criança não posso levá-la. Mas lembre-se: nós (as almas) temos nossas obrigações e só podemos fazê-las à noite. Então, viva durante o dia e durma durante a noite. Não se esqueça, repetiu: "o dia é dos vivos e a noite é dos mortos". Quem quiser viver a noite, terá que morrer.

Dizendo isso se afastou indo juntar-se a uma multidão de iguais que estavam passando pela rua naquela hora.

*conto popular colhido em Teresina-Pi. por TONI FERREIRA em junho/2009, contado para crianças que não querem dormir.