MENDONÇA, José Vicente Santos de. Estatais com Poder de polícia: por que não? Revista de Direito Administrativo. Volume 252. Rio de Janeiro: FGV/Editora Rio. Set/Dezembro, 2009, p. 97-118.

 

ESTATAIS COM PODER DE POLÍCIA:

POR QUE NÃO?

 

Diante de tantas mudanças, e ao mesmo tempo, temas que continuam cercados de diplomas legais e doutrinários, não permitindo mudanças, cogita-se sobre a possibilidade jurídica de as estatais exercerem poder de polícia, o autor expõe alguns argumentos que nós faz entender se é possível as estatais exercerem esse poder:

* O poder de polícia não pode ser delegado a uma entidade privada porque é da essência das funções do Estado; tal função típica de Estado implica o uso de poder autoritário, coativo, que não se pode imaginar sendo exercido por empresa privada;

* O regime de pessoal das empresas estatais é o celetista, incompatível com o exercício do poder de polícia: o empregado público, porque não é estável, colocar-se-ia numa posição mais frágil em relação ao servidor estatutário, estaria, em tese, mais suscetível de ser ameaçado por alguma chefia mal-intencionada.

Para entender se é possível ou não as Estatais exercerem o poder de polícia primeiramente é necessário entender o que é esse poder.

O poder de polícia é considerada a mais antiga das funções do Estado, também chamado de polícia administrativa, não se confundindo com polícia judiciária: não prepara o exercício da jurisdição penal, pode incidir prévia ou simultaneamente ao fato e é, ao contrário daquela, exercido por uma ampla gama de órgãos e entidades públicas. Para o autor ainda, o poder de polícia é o dever-poder administrativo consistente na imposição, em prol do interesse público, de restrições, limitações e/ou condicionamentos à conduta do particular. Há quem diga que também o poder de polícia é a atividade de formular normativamente tais restrições, por intermédio de lei ou de ato administrativo normativo.

Como podemos ver são vários os aspectos do poder de polícia, podendo-se destacar como mais atual tema o controle de seu exercício que se pretende limitado pelo respeito aos direitos fundamentais dos particulares. Tais limites são expressos em noções como razoabilidade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana, razão pública, respeito ao núcleo essencial dos direitos fundamentais etc...

É indiscutível que o poder de policia sempre foi serviço público, por sua natureza administrativa, só poderia ser exercidas por entidades de direito público. Pois o mais lógico é exatamente que isso ocorra.

Porém ao se analisar as atividades incluídas no poder de polícia, veremos que muitas são tranquilamente delegadas por entidades privadas. O autor exemplifica com o reitor de uma universidade privada emite ato imperativo, com a nota da autoridade, ao expedir um diploma – e, ao contrário do que consta em muitos acórdãos, admite-se que ele seja autoridade impetrada numa ação de mandado de segurança não porque a atividade de educação privada se faça num regime de concessão, afirmação tecnicamente equivocada, mas porque a atividade privada de educação possui tamanha importância que alguns de seus atos serão imperativos. Também serão imperativos os atos que, praticados por concessionária – privada, note-se bem – de serviços públicos, servirão a “promover desapropriações e constituir servidões”. O que pode-se afirmar que existe uma proximidade empírica entre poder de polícia e personalidade jurídica de direito público.

Outro argumento que impossibilita o exercício do poder de polícia por empresas estatais é consequencialista, existindo um extenso debate teórico a respeito da aceitação, ou não de teorias jurídicas baseadas na filosofia de base do consequencialismo.

Existe um debate teórico a respeito da aceitação, ou não, de teorias jurídicas baseadas na filosofia de base do consequencialismo, porém, é perfeitamente possível utilizar raciocínios consequencialistas na pratica do direito sem ir muito fundo em seus eventuais pressupostos filosóficos.

Foi a apreciação da ADIn Nº 2.310 – DF, a mais recente manifestação jurisprudencial a respeito do tema, sendo que o debate foi sobre o regime de pessoal das agencias reguladoras federais, não tratando especificamente do poder de polícia das estatais, mas seu principal objetivo foi de decidir a emblemática do argumento consequencialista  utilizado contra a possibilidade de as empresas atuarem na administração ordenadora, tal ação foi proposta pelo partido dos trabalhadores em face de alguns artigos da Lei Geral de Pessoal das Agências Reguladoras.

O Supremo decidiu essa ADIn, nas seguintes razões: o regime do emprego público, não é compatível com o exercício do poder de polícias porque: a) ele é instável, b) ele não é seguro o suficiente para que seu ocupante atue livre de pressões que seriam disporadas à partir de um exercício vigoroso do poder de polícia.

O argumento do STF é consequencialista, ou seja: se o pessoal das autarquias for submetido ao regime privado, isso provavelmente fará com que tornem mais frágeis diante de pressões externas, pois o regime celetista é incompatível com o exercício de atividades, como a regulação ou o poder de polícia, e o pessoal das agencias reguladoras deve se submeter a um vínculo legal e não contratual.

Diante do exposto, boa parte da doutrina e da jurisprudência passou a admitir uma garantia contra demissões imotivadas dos empregados públicos, seja por terem ingressado nas atividades por intermédio de um processo de concurso público, seja porque a garantia do contraditório e do devido processo legal aplica-se a todos.

O autor coloca que o raciocínio está equivocado, pois, ao se comparar uma versão supergarantista de regime estatutário de pessoal, de um lado, e uma versão supergarantista de regime privado de empregado público, de outro, é claro que a opção é em favor do primeiro, relata ainda que as coisas não são assim.

De um lado ocorre uma superavaliação das garantias do regime estatutário, e, de outro, subavaliação das garantias do regime de emprego privado tal como aplicado pela administração pública do século LXI.

No mais à de se admitir tal instabilidade do regime de emprego privado, pois deveria ser inconstitucional quando aplicado à praticamente a todas as atividades significativas da administração pública, o que também mostra o equivoco do argumento.

São três os requisitos de cautela, sendo que o primeiro é que apenas empresas públicas, jamais sociedades de economia mista, podem exercer o poder de polícia. Outra exceção à regra de que somente empresas públicas podem exercer poder de polícia: também as sociedades de economia mista cuja composição do capital seja feita integralmente por entidades pertencentes à ordem pública, seja de direito público ou privado, e desde que a presença do capital privado propriamente dito seja insignificante, pode-se tolerar tal exercício diante de uma invalidação que sacrifique valores maiores.

Como segundo requisito tem-se o de que as empresas públicas que exercerem poder de polícia não poderão intervir concorrencialmente na economia.

E o terceiro e último requisito é que o exercício do poder de polícia deve ser acidental em relação à prestação de serviços públicos, nessas a personalidade jurídica de direito privado acaba sendo uma modelagem subótima em relação à personalidade de direito público quando se trata de exercer o poder de polícia. O problema é, estritamente, de eficiência da intervenção.

Uma empresa pública prestadora de serviços públicos pode se beneficiar sinergicamente do exercício do poder de polícia, de modo tal que a eficiência agregada final na prestação do serviço público compense o exercício subótimo  do poder de polícia, de modo tal que a eficiência agregada final na prestação do serviço público compense o exercício subótimo do poder de polícia.

Em resumo, as empresas públicas, em certos casos, podem exercer o poder de polícia.