"Estado Totalitário: Concepção do termo em Hannah Arendt e sua relação com outros autores".

O Estado Totalitário ocupou um lugar especial nos círculos e nas discussões das ciências sociais durante o século XX. Para compreender sua formação, historiadores, filósofos, sociólogos, antropólogos, economistas, dedicaram seus estudos a esse tipo de organização política, haja vista que este se expandiu por vários países, tendo várias vertentes em sua constituição, diferenciadas uma da outra. A exemplo disso, temos o exemplo clássico do Nazismo e do Bolchevismo, que Hannah Arendt estudou e deixou exaltado em seu livro "Origens do Totalitarismo" (1951). Nessa obra prima sobre o funcionamento do Totalitarismo, segundo a autora, o Estado Totalitário é constituído de dois pilares fundamentais: o Imperialismo territorial e o Anti-Semitismo. Ainda de acordo com Arendt, aspectos como xenofobia, preconceito de castas e o ódio racial se constituem em instrumentos de vital importância para a manutenção do poder absoluto.
Norberto Bobbio (1983) define o Totalitarismo como uma forma de dominação nova, porque não se limita em apenas destruir a vida política do homem, mas sim suas instituições e sua capacidade de afirmação na sociedade, isolando-o, ficando submetido a sua vontade.
A destruição da capacidade política do homem deve-se, entre outros fatores, à intensa propaganda ideológica em que foi inserida a população do Estado Totalitário (Nazismo e Bolchevismo) e também ao uso do terror, que intensifica a aniquilação de opositores, pois prevalecendo o medo na sociedade, cada cidadão se tornaria um membro em potencial do sistema. Sendo assim, para se verem livres de uma possível perseguição por parte dos órgãos repressivos, acabam por delatar qualquer tipo de situação que possa ser considerada suspeita de conspiração. O medo, portanto, torna-se um elemento constante, eliminando moralmente e socialmente a população, que fica à mercê dos órgãos estatais e da benevolência do ditador.
A ideologia oficial do governo totalitário acaba por causar o desmantelamento do raciocínio do indivíduo. Isso ocorreu mais precisamente nos governos de Hitler e de Stálin, tendo como alicerce um partido forte de caráter unívoco e um forte apelo ao militarismo desenfreado. Friedrich e Brzezinski, em seu livro "Toalitarism, Dictartorship and Autocracy" de 1956, definem o totalitarismo da seguinte forma:

1-) Ideologia oficial para todos.
2-) Partido único, Estado burocrático e hierárquico.
3-) Um sistema de terrorismo policial, que apóia e ao mesmo tempo controla o partido.
4-) Monopólio dos meios de comunicação e ideologia nas mãos do partido único.


O Totalitarismo é uma forma muito particular de governo, em que os aparelhos de Estado, tanto em seu caráter ideológico quanto repressivo destina-se em moldar toda uma sociedade dentro de um sistema monopartidário, tendo como artífice um líder carismático que faz de sua vontade a da população, alinhado a isso com uma feroz propaganda política e social destinada a transformar o subjetivismo de cada indivíduo em benefício do Estado.
Nesse aspecto ideológico, é interessante ressaltar o intenso uso dos meios de propaganda estatal, que usufruindo da imprensa censurada, interfere em praticamente todos os setores de convivência social, como clubes, práticas esportivas, festas, rádios, jornais, cartazes.
Para que isso ocorresse, o Estado procurou definir inimigos por todos os lados (judeus no Nazismo, comunistas no Fascismo italiano, dissidentes partidários no Bolchevismo). A permanência de uma condição de hostilidade é um requisito indispensável para que a máquina ideológica do ditador fosse colocada em prática, com o intuito de que assim houvesse alguma legitimação para sua barbárie.
Um fator primordial, que não deve ficar de fora para se entender como o Totalitarismo consolidou-se, foi a condição histórica na qual ele se manifestou com uma força motriz incontrolável.
Levando em consideração a pobreza e miséria que a Itália enfrentava no século XIX após sua unificação e também a crise econômica que sofreu depois da Primeira Guerra Mundial, assim como a Alemanha que saiu destroçada pelo humilhante Tratado de Versalhes; cabe destacar que em ambos países, havia em mente o perigo de um levante socialista assim como o que ocorreu na União Soviética em 1917. Deste modo, o medo que a bolchevização atingisse a Europa Ocidental fortaleceu-se solidamente, culminando para que a burguesia e o catolicismo de muitos países europeus dessem apoio aos partidos de extrema direita durante as décadas 20 e 30 do século XX.
Segundo o historiador italiano Renzo de Felice, que considera que o fascismo italiano encontrou um terreno fértil para sua implantação, como o nazismo encontrou na Alemanha com as seguintes características durante as décadas de 20 e 30 do século XX:

Predominava uma economia agrária-latifundiária ou existiam importantes vestígios desse tipo de economia geralmente não integrada no conjunto econômico social.
Predomínio de mobilidade social (vertical, sobretudo) era mais rápida e intensa.
Estava em curso, ou ainda não tinha sido superada uma crise econômica (inflação, desemprego, vida cara, etc).
Desenvolvia-se um confuso processo de crise e transformação dos valores tradicionais.
Havia uma crise de crescimento econômico e social, ou senilidade do sistema parlamentar, que punha em causa a própria legitimidade do sistema (tanto entre comunistas e socialistas como entre alguns setores da burguesia) e impunha a idéia de falta de alternativas de governo válidas.
A guerra não tinha resolvido, ou tinha agravado alguns problemas nacionais (irredentismo e, sobretudo presença de fortes minorias de outras nacionalidades) e coloniais, provocando uma tensão nacionalista e o aparecimento de tendências que reclamavam uma revisão do equilíbrio europeu resultante dos tratados de Versalhes, de Trianon, de Sant Germam. (1976, p.24).

Os fatores históricos, como pode se evidenciar, contribuíram em alto nível para o desenvolvimento dos regimes autoritários de direita na Europa. A novidade trazida pelo Estado Corporativista salienta a quase completa anulação política do povo, todavia se levarmos em consideração a teoria de massas de Arendt em que o totalitarismo só foi possível quando houve um grande contingente humano que pudesse ser usado tanto como artífice para o terror, como braços para promover o desenvolvimento da nação; o corporativismo serve como sustentáculo do poder e mecanismo de produção de riquezas.

A teoria do Estado corporativista foi uma manobra para envolver diretamente os indivíduos num conjunto maior por meio da ficção da unidade da vontade e foi aplicada na Itália por Mussolini nas décadas de 1920 e 1930. Os adeptos do Estado corporativista agiam como se a sociedade não possuísse órgãos de Governo articulados ou divisões em classes estratificadas ,e todos fossem membros de uma grande comunidade. (Krader, 1970, p.37)


A eliminação do caráter racionalista do povo, como a extirpação do livre arbítrio, torna o caráter do regime totalitário dualista. Ao mesmo tempo que aquele que lhe dá estruturação, isto é, o povo, que aclama o líder e lhe dá apoio incondicional, é ,por outro lado, violentado pelo mesmo (levando em conta que sem a massa, seu êxito corre grande risco de cair na futilidade). É necessário que uma burocracia "weberiana" cause a estagnação social e política do indivíduo, para que deste modo, apenas o líder seja sua voz e seu ouvido.
A própria unificação do líder com o povo torna essa dialética algo de interessante análise. O povo tem seus ideais inseridos na figura do líder, que por ventura conta com a ajuda de seus auxiliares, assim o agressor estará cometendo um delito não somente ao condutor da nação, e sim contra todos os membros do governo e contra a população. Isso porque o povo está diante do júbilo do líder e de sua benevolência, sendo que o líder é o "defensor" de sua gente, e que conduz e dita, o que é bom ruim para seu povo.
Diante da estética do Totalitarismo, o maniqueísmo se faz quase que totalmente presente em sua jornada. O Fascismo e o Nazismo, que tiveram seu ápice e sua derrocada no período de guerras mundiais, aproveitaram de matéria-prima farta para moldurar seus programas governamentais. A carência de um líder que levasse Itália e Alemanha a um lugar entre as grandes nações européias veio a ser suplantada com o aparecimento do "Fuhrer e do Duce". Embora muitos estudiosos reduzam a importância política de Mussolini e comentem que o Fascismo italiano tinha uma força política ínfima em relação à Alemanha de Hitler. O Fascismo se prolongou para outros países europeus de caráter agrícola e semi-industrializado como a Espanha e Portugal, bem como o movimento operário, tendo como matriz a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, acalentou uma acirrada luta entre a esquerda e a direita em vários países europeus, motivados em muito pela descrença no liberalismo e pela crise moral que a Europa passava logo após a Primeira Guerra Mundial.
Em torno desse âmbito houve uma proliferação de pequenas ditaduras tanto direitista, quanto esquerdista.

Já antes da crise de 1929, regimes autoritários e fascistas chegam ao poder: em 1919 na Hungria (Almirante Horthy), em 1922 na Itália (Mussolini), em 1923 na Espanha (Primo de Rivera) e na Turquia (Kemal Ataturk) em 1925 na Albânia (Ahmed Zogu), em 1926 na Polônia (Pilsudski) na Lituânia ( Smetona Voldemarás) e em Portugal (Gomes da Costa), e em 1929 na Iugoslávia (onde o Rei Alexandre surpreende a constituição e organiza um governo autoritário. (Fagundes Vizentini, 1988, p.13).




O alargamento do conceito de Estado Totalitário foi rediscutido mesmo depois ao término da Segunda Guerra Mundial. A esse assunto, deve-se muito a Hannah Arendt, que lançou em debate as semelhanças e diferenças entre os governos Nazista e Stalinista. Em relação a Stalin, sua analise está enfocada no fato de que mesmo com a derrota do Nazismo o mundo não se viu livre do horror totalitário, já que os soviéticos possuíam em sua estrutura político-ideológica características idênticas ao do Reich alemão.
Arendt debate nesse ponto, colocando em questão que se os aliados ajudaram a acabar com a Alemanha Nazista em prol da democracia e de direitos iguais a todos (independentemente de raça, casta, cor e crença), como um Regime como o de Stalin pôde ser mantido até 1953? (cometendo em igualdade ou se não, maiores, as mesmas atrocidades cometidas pelos Nazistas).
Foi nesse campo revisionista, que o estudo do Totalitarismo se abriu e, a partir dos Estudos de Arendt, a classificação de Estados Totalitários se difundiu.
Os próprios Carl J Friedrich e Zbegniew K Brzezinski classificaram o Regime chinês de totalitário, colocando nesta órbita também governos de países que estavam sobre a influência da cortina de ferro soviética durante a Guerra Fria como Romênia e Bulgária.
Nicos Poulantzas também enfatiza a manutenção de regimes com características fascistas, mas por sua vez, os analisa dentro do círculo da influência Capitalista como ocorreu com Grécia, Portugal e Espanha, sendo que estes dois últimos, como já foi citado anteriormente, tiveram ditadores com características fascistas. É importante notar que a classificação desses países como representantes do Totalitarismo não segue um padrão como a Alemanha de Hitler, que foi o representante máximo dessa forma de governo. Um dos fatores para essa incongruência é a pouca importância no cenário político que esses países possuíam e também o fato de que não continham preceitos raciais dentro de sua doutrina como tão pouco uma ideologia oficial. Além disso, continham um exército, em sua amplitude arcaico e seu imperialismo estava decadente com a perda de territórios na África os quais Portugal possuía desde o período das grandes navegações. Este último fato pode ser considerado como um exemplo da carência imperialista a qual Portugal passava.
Em Portugal, Grécia e Espanha, onde a economia praticamente era arcaica e a influência internacional e territorial nula, havia ainda o risco de sofrer levantes proletários, o que constituía uma ameaça ao sistema capitalista, já que poderia conter em sua área de influência nações de linhagem marxista articuladas diretamente a Moscou.
Embora a idéia de massa seja personagem cativo nas análises do Estado Totalitário feitas por Hannah Arendt, e que sem isso o Totalitarismo não tem como ser suplantado, já que o terror necessita tanto de vítimas para sua instauração como de braços para mover a nação; o terror tornou-se uns dos elementos que sustentariam o Nazismo e o Bolchevismo. Seria necessário também o uso da guerra, para que o Totalitarismo entrasse em vigor e para que conseqüentemente o Imperialismo territorial ganhasse vida. Podemos traçar assim uma linha de descrição dentro dos estudiosos aqui citados, que focalizaram seus estudos no período de ascensão dos regimes totalitários situados na década de 30 do século XX e durante o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial.
Nisso estão contidos como principais protagonistas a Alemanha Nazista e a União Soviética de Stalin que Arendt coloca como grande fornecedor de massas, controlado por um fortíssimo aparelho burocrático. Porém os revisionistas do conceito de Estado Totalitário (principalmente depois do término da Segunda Guerra Mundial) afirmaram que não se fazia necessário ter as características descritas por Arendt para que se formasse um regime de exceção, além do uso da polícia secreta, a censura, militarização e em alguns casos o culto à imagem do ditador, que ficam exemplificados se tomamos como exemplo disso a Espanha franquista e Grécia, com sua junta de generais que não possuíam grande massas e tão pouco um Imperialismo conciso, porém contavam com os fatores descritos anteriormente.
Fazendo uma classificação dos tipos de ditadura, como simples, cesarista ou bonapartista e totalitária, e buscando uma simetria entre esses pontos e o pensamento de Poulantzas; Francisco Teixeira, Citando Franz Neumann, ensamento de Poulantzas.ismo fo dtando comresendefine da seguinte maneira os regimes de exceção e o totalitarismo:

...governo de uma pessoa ou de um grupo de pessoas que se arrogam o poder e o monopolizam, exercendo sem restrições. Ditadura simples ? o poder político é monopolizado pelo ditador, que pode exercer o seu poder somente por meio do controle absoluto dos meios tradicionais de coação ou seja, a polícia, o exército, a burocracia e o judiciário. Ditadura cesarista (ou bonapartismo) ? neste caso, o ditador pode se sentir compelido a criar um apoio popular, a conseguir uma base na massa para sua ascensão ou manutenção no poder, articulando-se diretamente sobre a população como meio de ignorar ou abolir as instituições representativas, combinando coação monopolizada e apoio popular, ditadura totalitária ? são os casos onde o grupo no poder sente a necessidade, para a continuidade do exercício do poder, do controle sobre a educação, os meios de comunicação e as instituições econômicas e, assim, atrelar toda a sociedade e a vida privada do cidadão ao sistema de dominação política, sempre controlado por um partido único. (s.n).

Como o leitor pode perceber, Teixeira enfatiza a classificação de ditaduras, e entre elas estaria o Totalitarismo, enfatizando um caráter de alargamento no estudo dos regimes de exceção e, além disso, o autor coloca o uso da polícia e da burocracia dentro de uma chamada ditadura simples, não exaurindo a concepção de massa e ideologia oficial.
O que foi proposto nesse pequeno texto é uma comparação entre as formas de Totalitarismo dando destaque ao pensamento de Hannah Arendt, e suas semelhanças com outros autores e opiniões sobre a formação e implementação do regime absoluto de governo.

Resumo.

O pequeno texto enfoca a relação entre a concepção de Estado Totalitário de Hannah Arendt contida em seu livro "Origens do Totalitarismo" com a opinião de outros autores.
Comparando e observando suas divergências e convergências, o artigo está focalizado no período entre a ascensão do Bolchevismo na Rússia e do Nazismo na Alemanha. Destaco o surgimento também de governos totalitários de menor expressão que tiveram semelhanças com os governo nazista, como a Espanha e a Hungria. Colocando as idéias de Arendt em evidência como o militarismo e o Imperialismo como base de formação desse tipo de Estado, e fazendo uma comparação com outras vertentes dessa forma de governo, o artigo presente vem a ser um ponto de referência da amplitude de formação e elaboração do termo Estado Totalitário.

Abstract.

The small text focuses the relationship between the conception of Totalitarian State of Hannah Arendt contained in her book "Origins of the Totalitarianism" with the other authors' opinion. Comparing and observing their divergences and convergences, the article is focused in the period between the ascension of the Bolshevism in Russia and the Nazism in Germany. It detaches the appearance also of totalitarian governments of smaller expression that had similarities with the Nazi governments, like Spain and Hungary. Putting Arendt's ideas in evidence as the militarism and the Imperialism as base of formation of that type of State, and making a comparison with other slopes in that government way, the present article comes to be a point of reference of the formation and elaboration of the term State Totalitarian.

Palavras-Chaves. Totalitarismo, Nazismo, Bolchevismo.

Word-keys. Totalitarianism, Nazism, Bolshevism.

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