Estado Islâmico e a concepção de Estado no Direito Internacional Público

INTRODUÇÃO

Com o passar dos anos o mundo foi conhecendo o poder de um dos grupos terroristas que vêm se apoderando de forças militares e causando uma enorme devastação para o Iraque e a Síria conhecido como Estado Islâmico. O grupo terrorista tem como objetivo de seu califado alcançar todo o Oriente Médio por meio de atentados terroristas, assim mostrando sua autoridade para todo o resto do mundo. O Estado Islâmico se auto intitula como Estado, assim ditos pelos próprios jihadistas e essa autoproclamação está sendo criticada pela sociedade internacional. O presente trabalho visa analisar as características do Estado Islâmico para o Direito internacional público e se realmente cabe ao grupo terrorista pode ser considerado um Estado perante as Organizações internacionais e por outros Estados.

Palavras chave: Direito Internacional Público, Estado Islâmico, Califa, Organizações Internacionais.

  1. O Estado Islâmico

Denominado como um grupo terrorista, o Estado Islâmico se derivou de outra organização terrorista chamada de Al Qaeda, ficando bastante conhecida pelo mundo nos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América. A sua criação tem origem sunita e tem início logo após à queda de Saddam Hussein que ocorreu em 2003, mas a o grupo realmente foi se desenvolvendo com a guerra civil na Síria, pois, o grupo terrorista se aliou aos rebeldes para lutar contra o governo do Bashar al-Assad. Em 2014 o grupo terrorista se desmembrou da Al Qaeda, pois, as práticas do Estado Islâmico têm sido terrivelmente brutais até mesmo para a Al Qaeda.

  1. Califado

O califado é a forma de governo do Estado Islâmico, onde há um califa que é o chefe máximo do califado. O califa tem como objetivo impor a Sharia que são as antigas leis islâmicas e assim governando seus territórios de uma forma muito rígida e que não há tolerância aos infiéis.

  1. Objetivo

O Estado Islâmico tem por objetivo a aplicação das leis mais antigas do direito muçulmano em seus territórios, a expansão de seu califado por todo o Oriente Médio e a conexão com diversos países do mundo para expor sua autoridade.

  1. Direito Internacional Público

O objeto de estudo do direito internacional público são as relações entre Estados e Estados e outros atores internacionais. De acordo com Varella, Marcelo D. (2012, p.27), "O direito internacional público é o conjunto de regras e princípios que regula a sociedade internacional."

Quando se trata de direito internacional público alguns doutrinadores acham que é um direito sem efetividade, mas não é possível afirmar com toda certeza, pois, o direito internacional tem normas obrigatórias e não obrigatórias, assim no tocante ao descumprimento de normas ou dos tratados os Estados e Organizações Internacionais podem ser responsabilizadas e sofrer sanções.

O Direito Internacional Público tem como características:

Varella (2012, p. 30): a) Inexistência de subordinação dos sujeitos de direito a um Estado;

  1. B) Inexistência de uma norma constitucional a cima das demais normas;
  2. C) Inexistência dos atos jurídicos unilaterais obrigatórios, oponíveis a toda comunidade internacional;

Dessa maneira, nenhum Estado é melhor que o outro e nem uma Organização Internacional é maior ou melhor que a outra, é possível ver com mais clareza que nas Organizações Internacionais cada uma tem sua competência. No Direito internacional público não uma Constituição que regule os Estados e seus atores internacionais, o que realmente guia são os diversos tratados internacionais que são ajustados entre os Estados e Organizações Internacionais.

Sendo assim, é possível afirmar que, o direito internacional público visa a evolução de adaptação entre os Estados e para que isso aconteça, se faz necessária a anuência de tais normas gerais. 

  1. Estado

No tocante ao estudo do Direito Internacional Público um dos aspectos mais importantes à serem tratados é formação do Estado. A criação de um Estado depende de uma série de fatores e acontecimentos históricos e jurídicos.

Conforme Mazzuoli (2011, p.432) "O Estado é uma instituição criada pelos homens com a finalidade de organizar as diversas atividades humanas dentro de um dado território." Com essa percepção é possível analisar que o Estado tem alguns elementos constitutivos, ou seja, requisitos para composição.

  1. Elementos constitutivos

No ano de 1933, a Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados, veio indicando alguns requisitos para que haja a formação do Estado no padrão internacional. Para a sua formação são exigidos os seguintes requisitos: uma comunidade de indivíduos, território e a forma de governo e de se relacionar com os outros Estados.

2.2.1 Comunidade de indivíduos

Quanto ao conceito de comunidade de indivíduos, são aquelas pessoas que vivem em um território e formam o Estado mediante o vínculo jurídico que é por meio da nacionalidade. É necessário que se faça uma breve analise e diferenciação no tocante à povo e população. Assim, população de acordo com Mazzuoli (2011), a população é um termo demográfico para a contagem do povo, apátridas e os estrangeiros que residam no Estado. Para Mazzuoli (2011) povo é conceito jurídico e políticos que apenas os nacionais têm, não existindo a expressão "povo estrangeiro", pois, os estrangeiros mesmo com seu principal domicilio sendo em outro Estado, fazem parte da população.

Importante ressaltar uma ressalva do autor Varela (2012, p. 162):

"A população não precisa estar fixada no território, inclusive pode ser nômade e, neste caso, o território varia conforme a população muda de local, teoria construída pela Corte Internacional de Justiça em um parecer consultivo sobre o Saara ocidental. A Corte discutia a quem pertencia um território situado entre a Mauritânia e o Marrocos. No caso, a Espanha tinha interesse em apropriar-se do território, argumentando que ele fora seu domínio e que esses Estados jamais se apropriaram das terras. A CIJ considerou que, mesmo se não havia povos residentes, a população que ocupava tradicionalmente essas terras era nômade, seguia algumas rotas comerciais, mudando de região para região, tinha a noção cultural de submissão a determinados governantes como do Marrocos ou da Mauritânia, conforme o local onde se encontravam. Entretanto, jamais se submetia à Espanha. O território foi, então, reconhecido pela Corte Internacional de Justiça como sendo dois Estados africanos, em função do sentimento de submissão dessas populações."

Logo, exibindo que não é obrigatório que a população seja residente, mas que pode ser que seja de forma transitória, como demonstrado no parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça.

2.2.2 Território

Como se pode imaginar, o Estado deve ter um território determinado, físico ou não, pois o território não se limita ao físico, onde ele irá exercer sua soberania.

Para Varella (2012) "Trata-se do domínio soberano do Estado sobre determinada região."

2.2.3 Governo

Para a formação de um Estado é imprescindível que haja uma forma de governo e que ela seja autônoma e independente. O governo é o conceito político do Estado, onde, não deverá ter a intromissão de terceiros em seus assuntos internos.

O instituto do governo tem duas funções no Estado, de acordo com Mazzuoli (2011):

  1. A) internamente ele administra o país;
  2. B) por outro lado, internacionalmente, é ele que participa das relações internacionais do Estado, conduzindo a sua política externa

Para o Estado participar nas relações internacionais com outros Estados e Organizações Internacionais é necessário que haja o reconhecimento da Comunidade Internacional.

2.3 Criação de um novo Estado

Quando se fala em criação de um novo Estado é necessário fazer uma breve análise de como isso pode ser feito, de acordo com Varella (2012) é classificada como:

  1. A) ocupação efetiva: A ocupação efetiva ocorre quando um Estado toma posse de um território que não pertencia anteriormente a nenhum outro Estado.[¹]Para ocorrer a ocupação efetiva é necessário que haja dois requisitos, a vontade de ocupar e que seja uma res nullis.
  2. B) conquista: A conquista é a transferência do domínio de um território de um Estado para outro, por meio da guerra. [²]A forma de conquista já foi reconhecida pela comunidade internacional como uma forma de criação de Estado, por meio de pagamento da guerra ou até mesmo com a destruição total daquele determinado Estado.
  3. C) secessão: A secessão é a independência de parte do território, que se torna um Estado autônomo. [³]Não se pode confundir a secessão com a descolonização, pois, é uma separação de uma parte do Estado e não uma independência de uma antiga colônia.
  4. D) cessão convencional: A cessão ocorre quando um Estado transmite uma porção de seu território a outro Estado por manifestação livre de sua vontade. [4]Essa forma também não se confunde com a secessão, pois nesse presente caso, o Estado tem a vontade, o animusde doar ou vender uma parte do seu território, como no caso do Alasca, que o Estados Unidos da América comprou da França.
  5. E) fusão convencional: A fusão ocorre com a junção completa de dois ou mais Estados para a criação de um outro Estado resultante. [5]A junção entre dois Estados é denominada fusão, nesse caso é a união por decisão dos dois Estados para se unirem e formar um Estado só, como uma única forma de governo.
  6. F) decisão unilateral: A decisão unilateral ocorre quando uma Organização Internacional ou comissão arbitral decide um litígio entre dois ou mais Estados, determinando os limites territoriais de cada um. [6]Há tal necessidade de uma decisão unilateral quando dois Estados elegem uma comissão arbitral ou uma Corte para a decisão do litígio e sendo assim, a corte ou comissão analisa todo o fato e dá sua decisão de forma unilateral.
  7. G) descolonização: Por descolonização, stricto sensu, deve-se compreender o processo de independência das ex-colônias europeias. Evidentemente, lato sensu, essa categoria pode incluir ainda qualquer movimento de libertação em relação a uma metrópole, seja ela onde for. [7] Nesse caso, a descolonização se assemelha à secessão, mas, não podem ser confundidas, pois a descolonização trata-se da forma de independência do Estado por um colonizador.
  8. h) dissolução de um Estado: A dissolução de um Estado é a separação de partes do Estado antigo para a formação de novos Estados, um fato um pouco recente é a divisão da Etiópia que criou a Eritreia, em 1993. [8]

2.4 Reconhecimento do Estado

O reconhecimento do Estado é dado por outros Estados e as Organizações Internacionais. Sendo que, é um ato unilateral, pois, o Estado ou Organização Internacional pode achar defeitos em seus elementos constitutivos, como por exemplo.

Dessa forma, Varella (2012) cita:

"Trata-se de ato unilateral porque é emanado de um único sujeito de direito internacional. Esse sujeito pode ser um outro Estado ou uma Organização Internacional. Em geral, quando o Estado é criado, os demais Estados gradualmente manifestam seu reconhecimento."

  1. 3Reconhecimento do Estado Islâmico

Por sua vez, o Estado Islâmico autoproclamou Estado em 2014, sendo que se desmembrou de seu braço originário que foi a Al Qaeda. Quando se fala em reconhecimento de Estado é necessário relembrar que, o Estado Islâmico pode até possuir todos os requisitos de população, território e governos, contudo, seus territórios são baseados por meio de conquista e nos dias de hoje é um sistema ilegítimo e que fere o jus cogens, que exprime valores éticos, que só se podem impor com força imperativa se forem absolutos e universais. [9]

  1. Conclusão

Em vista dos argumentos apresentados foi analisado, o que é o Estado Islâmico, sua formação e seus objetivos e tudo isso de acordo com o Direito Internacional Público.

A comunidade internacional não reconhece o Estado Islâmico como Estado, pois, o grupo terrorista fere o jus cogens da comunidade internacional, os princípios da Declaração dos Direitos Humanos, utilizando a sua força, mas mostrar o poder do califado.

O Estado Islâmico é tratado pela comunidade internacional como um grupo beligerante, de acordo com Mazzuoli (2011) quando há um grupo politicamente organizado e armado tem vista o desmembramento e a mudança de governo por meio do uso da força.

Notas:

1 VARELLA, Marcelo D.. Direito Internacional Público.4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 200.² VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 203

2 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 203

3 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 204

4 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 205.

5 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 205.

6 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 206.

7 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p. 206.

8 VARELLA, Marcelo D. Op., Cit., p.247

9 RODAS, Op., Cit., p. 125.

Referências Bibliográficas:

ACCIOLY, Hilderbrando; CASELLA, Paulo Borba; SILVA, G. E. Do Nascimento e. MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 20. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1352 p. 

CIJ. Parecer consultivo sobre o Saara Ocidental. Decisão de 16.10.1975 

FERNANDES, Cláudio. Estado Islâmico – Grupo terrorista.2016. Disponível em:. Acesso em: 22 out. 2016.

G1 (São Paulo). O que é o Estado Islâmico?2016. Disponível em:. Acesso em: 22 out. 2016.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 1104 p.

RODAS, João Grandino. Ius Cogens em Direito Internacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 69, 1974. 

VARELLA, Marcelo D.. Direito Internacional Público.4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 476 p.