Estado, Constituição e Liberdade

Por

Luiz Lucas Libânio do Carmo

Ângelo Dassayeve Baliza Almeida

A formulação do Direito desde o início da vida em sociedade está intrinsecamente relacionada ao desejo humano pela segurança e garantia de sua liberdade, mesmo que esta seja podada pelo Estado. Jean-Jacques Rousseau tem como base do seu raciocínio essa noção de liberdade, compreendida como um direito e um dever simultaneamente. Para ele a liberdade é tida como um verdadeiro princípio, sendo, por isso mesmo, inalienável e a considera, ainda, como essência da natureza espiritual do homem. A efetivação da vontade geral se viabiliza, segundo ele, através de um contrato social, isto é, mediante uma livre associação de seres humanos inteligentes, os quais resolvem formar um tipo de sociedade à qual passam a prestar obediência. Dessa forma, o contrato social seria a base legítima para uma comunidade que deseja viver de acordo com os pressupostos da liberdade humana. O raciocínio de Rousseau é simples: propõe ele uma forma de associação na qual cada um unindo-se a todos obedece, porém, a si mesmo e permanece livre. De acordo com Bittar: 

O contrato social é, portanto, um pacto, ou seja, uma deliberação conjunta no sentido da formação da sociedade civil e do Estado. Trata-se de um acordo que constrói um sentido de justiça que lhe é próprio; a justiça está no pacto, na deliberação conjunta, na utilidade que surge do pacto. 

(...) O contrato aparece como forma de proteção e de garantia de liberdade, e não o contrário. A união das forças destina-se à realização de uma utilidade geral, que não se confunde com a utilidade deste ou daquele membro. 

(...) O contrato social possui o respaldo da vontade geral, que não se constitui meramente da somatória das vontades particulares, mas que se coloca na posição de representar o interesse comum. (Bittar, p.289) 

Com o mesmo intuito de preservação da sociedade, temos o Constitucionalismo, este foi um movimento político-constitucional que pregava a necessidade da elaboração de constituições escritas que estabelecessem a forma de organização do Estado e declarassem os direitos dos indivíduos. O Constitucionalismo moderno eclodiu em meados do século XVIII com características próprias e com a ideologia de limitação do poder estatal preservando os direitos e garantias fundamentais.  No Estado moderno, de cunho marcadamente social, a doutrina constitucional aponta o fenômeno da expansão do objeto das Constituições que tem passado a tratar de temas cada vez mais amplos, estabelecendo, por exemplo, finalidades para a ação estatal. Isso explica a tendência contemporânea em elaborar constituições de conteúdo extenso – Constituições analíticas ou prolixas – e preocupadas com os fins estatais, com o estabelecimento de programas e linhas de direção para o futuro – Constituições dirigentes ou programáticas. 

Afirma Lassalle que a Constituição escrita é boa e duradoura “quando corresponde à constituição real e têm suas raízes nos fatores do poder que regem o país” (p.47), caso contrário essa perde o valor e torna-se apenas “folha de papel”. No sentido sociológico de Ferdinand Lassalle a Constituição escrita só terá eficácia, isto é, só determinará efetivamente as inter-relações sociais dentro de um Estado, quando for construída em conformidade com os fatores intrínsecos da mesma sociedade, assim, o texto positivo da Constituição deve ser o resultado da realidade social do país. Partindo do que já foi exposto, compreende-se que o direito está para a sociedade como um garantidor da harmonia social e da liberdade, sendo através da Constituição que o Estado exprime esse compromisso com os cidadãos. Sobre este assunto fala Paulo Bonavides:

Foi Montesquieu sábio nesse tocante ao dizer que “a liberdade é o direito de fazer tudo que as leis permitem”. Com estas palavras, ele vinculou indissociavelmente a liberdade ao Direito. De tal sorte que, onde não houver o primado da ordem jurídica, não haverá liberdade.

(...) O espaço de permissão posto pelas leis não se traça sem a presença e a colaboração dos destinatários da norma, a saber, os governados. Completou Rousseau muito bem o conceito de lei de Montesquieu mediante a concepção da lei produto da “vontade geral”, vontade do povo soberano, único titular legítimo que a ideologia democrática admite para fazer a validez e a legitimidade da norma geral e abstrata, de cuja elaboração participa ativamente e decisivamente a vontade do cidadão, titular, segundo o mesmo Rousseau, de uma fração do poder soberano. (Bonavides, A Constituição Aberta, p. 212-213)

Estabelece a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): “Artigo 16: A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos fundamentais e nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” Desta forma a separação dos poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – independentes e harmônicos entre si, visa impedir o surgimento de um poder absoluto. Quanto aos direitos fundamentais assim são denominados por embasar a estrutura de uma nova ordem social: o Estado de Direito. Neste, a lei é o parâmetro que determinará o comportamento do cidadão e a sua limitação de liberdade estará condicionada a ela. O art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988 diz que: “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Portanto, somente a lei poderá obrigar ou impedir determinados atos, e, é o respeito à mesma que permite a preservação da liberdade dentro de um Estado de Direito.

A partir desta construção sobre a formação da sociedade e do Estado, seguindo a teoria de Rousseau e a concepção sociológica de Lassalle, o homem para se proteger estabeleceu o convívio social e as regras para que este mantivesse o adequado equilíbrio garantidor da liberdade, assim, pode-se chegar à máxima de que a Constituição deve ser feita pelo povo e para o povo. O poder, origem do Estado, ora materializado na figura de um soberano, passa a ser emanado pelo povo pós a Revolução Francesa de 1789. O Estado Constitucional, ao limitar o poder do soberano, garante os Direitos Naturais do indivíduo. As duas transformações são simultâneas e são a essência do novo Estado Constitucional ou Estado de Direito. 

Referências:

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 6ª ed. – São Paulo: Atlas, 2008.

BONAVIDES, Paulo. A constituição aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade no federalismo das regiões. 2ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. 4ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.