Toda a investigação criminal diz respeito a pessoas e a objetos. Mas só as pessoas cometem crimes, embora se sirvam invariavelmente de objetos na prática dos mesmos.

F. Henrique Santos


Denomina-se espectrofotometria, o método utilizado para análises de elementos simples da estrutura química de compostos inorgânicos ou grupos funcionais de uma substância, utilizando radiação eletromagnética, podendo o exame ser destrutivo ou não.

A Espectrofotometria Raman e uma técnica fotônica de alta resolução, que proporciona em pouco segundos, informação química e estrutural de um número muito grande de material composto, orgânico e/ou inorgânico, permitindo sua identificação com certa facilidade.

A espectroscopia Raman foi desenvolvida a partir da descoberta do efeito de espalhamento inelástico da luz, feita pelo cientista indiano Chandrasekhara Venkata Raman em 1928, denominado efeito Raman em sua homenagem. 

Apenas dois anos depois já se contavam  duas centenas de trabalhos publicados envolvendo o seu uso no estudo de propriedades moleculares No mesmo período de dois anos (1999-2000) esse número subiu para quase 10.000. Sua análise histórica pode ser dividida em 3 períodos.

O assim denominado “primeiro período” compreende os primeiros 30 anos, quando os instrumentos eram "home-made" e a comunidade de praticantes em todo o mundo não passava de algumas dezenas de pesquisadores. Porém, é desse período um significativo número de trabalhos que se tornaram clássicos e que representam verdadeiros paradigmas no uso da espectroscopia Raman na nossa compreensão de aspectos centrais da Química e da Física.

Em meados dos anos 60 percebe-se uma saturação e mesmo diminuição de trabalhos envolvendo a espectroscopia Raman. Embora equipamentos comerciais já existissem, os mesmos não podiam competir com a facilidade de operação dos espectrômetros no infravermelho.


O segundo período ou “Renascimento da espectrofotometria Raman” iniciou-se no começo da década de 70 devido as inovações tecnológicas decisivas.

Nessa época os primeiros lasers comerciais estavam aparecendo e um físico brasileiro radicado nos Estados Unidos, Sergio Porto, publica o primeiro espectro Raman excitado por laser.

Ainda na década de 70, durante a famosa "polêmica sobre a existência da poliágua" o uso da espectroscopia Raman foi fundamental ao mostrar que as propaladas anomalias nas propriedades físicas da água, na verdade eram induzidas por impurezas provenientes do capilar de vidro

O terceiro período, que se inicia por volta de meados dos anos 80 até nossos dias, poderia ser chamado de "período de universalização da espectroscopia Raman". Esse período se caracteriza pela aplicação quase universal da técnica - sistemas biológicos, aplicações biomédicas, aplicações arqueológicas, validação de obras de arte, aplicações forenses e criminalísticas,

Isso se tornou possível principalmente pelo uso da excitação com lasers no infravermelho próximo e técnicas de transformada de Fourier (espectroscopia Raman FT), que virtualmente eliminou a limitação encontrada com amostras fluorescentes, e ainda pelo uso dos detectores multicanal de alto desempenho, que conduziu a um espetacular aumento da sensibilidade da técnica

O acoplamento de um microscópio ao espectrômetro Raman nos levou a microscopia Raman, que adicionou o elemento de resolução espacial, permitindo a obtenção de espectros de alta qualidade de regiões microscópicas da amostra sem perder sensibilidade e flexibilidade.

O Laboratório de Espectroscopia Molecular do Instituto de Química da USP (LEM) utiliza espectroscopia Raman para realizar pesquisas de ponta em diferentes áreas do conhecimento.

Quando um feixe de luz monocromática atinge um meio material, uma fração muito pequena dessa luz sofre uma mudança na sua freqüência (espalhamento inelástico) e o conjunto dessas freqüências modificadas constitui o que se chama de espectro Raman (absorbância x comprimento de onda), que contém informações a respeito da estrutura das moléculas que constituem esse meio material."


Apenas uma fração mínima de luz sofre o efeito Raman, logo é necessário o uso de fontes de luz de muito intensidade e detectores de altíssima sensibilidade. Atualmente, isso é feito por meio do uso de lasers como fontes de luz monocromática e detectores multicanal.


ANÁLISE DE DROGAS E SUBSTÂNCIAS ILÍCITAS


Quando falamos de Drogas não nos referimos apenas a maconha, cocaína entre tantas outras que diariamente são citadas na televisão. Os medicamentos, até mesmo os de uso diário também estão inclusos nessa lista, sendo que a falsificação de remédios é um problema mundial.

Pesquisadores britânicos desenvolveram uma nova forma de espectroscopia Raman, uma ferramenta baseada na radiação eletromagnética capaz de identificar as moléculas dos produtos químicos. O método já existente, a espectroscopia Raman, permitia também autenticar os remédios, mas era preciso retirar os comprimidos das caixas, o que impedia que as drogas autênticas pudessem ser comercializadas novamente, uma vez que tinham sido abertas.

A nova técnica, chamada espectroscopia espacial compensada Raman, permite obter dados sobre a composição química dos remédios através do frasco de vidro, de vasilhas plásticas, do invólucro da cápsula e das caixas.

A E.R dispõe de um sistema de filtragem exclusivo, permitindo a visualização bidirecional direta para a rápida localização do material suspeito.

Enquanto a imagem obtida por microscópio convencional para uma amostra de cocaína mostra uma massa de material indiferenciado, a imagem captada através da ER revela partículas de cocaína (regiões de maior luminosidade).


ANÁLISE DE EXPLOSIVOS

Através da ER pode-se analisar todos os explosivos normalmente utilizados, sendo esses vestígios detectados e identificados, por métodos não destrutivos, numa ampla variedade de materiais: tecidos têxteis, metais e superfícies pintadas, sem qualquer necessidade de preparação da amostra.

Entre os compostos puros de maior importância comercial e militar figuram o RDX (ciclotrimetilentrinitramina); PETN (tetranitrato de pentaeritritol)‏. Com o analisador Raman, nota-se uma partícula de explosivo RDX, com o diâmetro de alguns micrometros claramente revelada na imagem. 


ANÁLISE DE TINTAS E PAPEL MOEDA

Muitas tintas parecem idênticas quando observadas a olho nu ou mesmo sob a óptica de um microscópio convencional. Entretanto, as respectivas composições moleculares das tintas variam consideravelmente.

A ER permite, distinguir e identificar as tintas aplicadas em papel e outros substratos ou materiais questionados. Sendo possível estabelecer a fonte de fabricação das tintas usadas nas falsificações e, também, estabelecer conexões entre criminosos e quadrilhas de falsificadores.

Através da E.R. pode-se detectar, distinguir e identificar tintas, pigmentos e papeis de "aspecto legal" e os realmente autênticos.


ANÁLISE DE OBRAS DE ARTES

A análise de pigmentos em obras de arte é de grande importância para a sua autenticação e datação, assim como para possíveis intervenções de conservação ou restauro, uma vez que permite uma caracterização detalhada dos materiais constituintes e das camadas policromadas

A micro-espectroscopia Raman permite a análise não destrutível e reprodutível de partículas muito pequenas em laboratório, sem necessidade de preparação das amostras Como cada composto dá origem a um espectro Raman característico, é possível identificar pigmentos orgânicos e inorgânicos, assim como aglutinadores e vernizes, por comparação com espectros obtidos de bases de dados

Há poucos anos, pesquisadores do LEM tiveram a oportunidade de colaborar com o Museu da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, no processo de autenticação de um retrato do poeta Murilo Mendes, supostamente pintado por Portinari na década de 30.

Foram retirados minúsculos fragmentos do quadro e os espectros obtidos através da espectroscopia Raman permitiram identificar os pigmentos utilizados, que apontam na direção da originalidade da obra.

Pesquisadores europeus e norte-americanos usando E.R. determinaram pela primeira vez os principais tipos de pigmento usados para desenhar as figuras que adornam sete das chamadas Bíblias de Gutenberg, publicadas no século 15.

A origem de sete cores foi determinada com precisão e de duas forma aproximada.

O vermelho-claro deriva do cinabre (minério do mercúrio).

O amarelo vem de compostos com chumbo e estanho.

O preto se origina do carbono e o branco, do carbonato de cálcio.

O azul decorre do emprego de azurita, um tipo de carbonato de cobre.

O verde-oliva, da malaquita, outro carbonato de cobre.

O verde-escuro, do etanoato de cobre (verdete).

De origem incerta, os tons dourados parecem vir do próprio ouro e os vermelhos de pigmentos extraídos de plantas ou insetos.


ANÁLISE DE PEDRAS PRECIOSAS

Atualmente, existem muitas discussões entre a comunidade de gemólogos sobre um novo tratamento para diamantes de baixa qualidade que permite modificar sua aparência e torná-la semelhante à de pedras preciosas.

Os gemólogos utilizam os microscópios Raman para identificação das pedras preciosas e para determinação de sua origem, através da análise das minúsculas inclusões contidas nelas.

Na E.R. sua base de dados de materiais inorgânicos permite a rápida determinação da composição de pedras sob suspeita. Sua elevada resolução possibilita aos peritos forenses detectar os defeitos microscópicos em pedras preciosas, bem como identificar as resinas, e outros materiais de enchimento, utilizados na ocultação destes defeitos.

Através da base de dados, os peritos forenses poderão identificar em poucos segundos se uma pedra é preciosa ou não. Na imagem a seguir, tem-se um suposto diamante lapidado. A partir do espectro, é identificado em questão de segundos como sendo um simples zircônio.


ANÁLISE FUTURAS

Em países mais desenvolvidos, a E.R. tem sido amplamente utilizada nos laboratórios de desenvolvimento de novos produtos das indústrias de alta tecnologia, como a de semicondutores e a farmacêutica. Em ambos os casos, tem sido utilizada para planejar a estrutura molecular para que o material tenha o melhor desempenho possível.

"A espectroscopia Raman é uma das técnicas que, por excelência, permite o conhecimento detalhado da estrutura molecular e supramolecular dos materiais, o que explica a sua incorporação pelos laboratórios de desenvolvimento na tecnologia de ponta

As capacidades dos instrumentos foram ampliadas, incluindo uma ampla gama de lasers, novos acessórios e sistemas de filtragem óptica, níveis de automação mais elevado e softwares mais potentes – facilitando cada vez mais a utilização dos instrumentos.

Esta tecnologia permitiu desenvolver também diversas aplicações médicas, sendo uma das mais notáveis a detecção de células cancerosas e pré-cancerosas. Num futuro não muito distante, existe a expectativa que pequenas sondas de fibra óptica e sistemas microscópios automáticos possam ser utilizados para recolher espectros dos tecidos humanos, permitindo assim um rápido diagnóstico de potenciais cânceres em ambulatórios médicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL 24/09/2007 Cientistas projetam laser capaz de detectar remédios falsos sem abrir frasco. Disponível em: www.clicabrasilia_com br.htm acess. em 10/06/2008

BRASIL 26 de julho de 2000 n.568/00 Laboratório do IQ é um dos mais avançados do mundo. Disponível em: http://www.usp.br/agen/agweb.html acess. 09/06/2008

SANTOS, P.S. Espectroscopia Raman: Uma viagem através do tempo. 24ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química

SOUZA, C. M. O uso das radiações em ciências forenses. 2007. 100 f. Monografia para o ensino de física – Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2007.

SOUZA, C. M. C.S.I. Investigação Criminal: A Física a serviço da Lei. Disponível em http://www.webartigosos.com/articles/6138/1/csi-investigacao-criminal/pagina1.html acess. 12/06/2008