1 INTRODUÇÃO

           

            Analisa-se cada uma das espécies de usucapião, com o intuito de esclarecer as suas características e mostrar quais as condições necessárias para que possam ser utilizados nas diversas situações apresentadas na realidade social. Cada modalidade apresenta requisitos diferenciados que merecem uma abordagem específica.

2 Usucapião extraordinária

           

            Um dos requisitos marcantes na modalidade de usucapião extraordinária é o tempo, pois isso é bem evidente já que no art. 550 do CC/16 o requisito era de 30 anos, requisito este que foi reduzido para 20 anos por força da Lei n° 2.437/55, até que finalmente entrasse em vigo o CC/2002, no qual consta no art. 1238 o seguinte texto de lei:

Art. 1238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

            Observa-se nitidamente que houve uma considerável redução no requisito formal- temporal, pois o prazo chega a ser reduzir a um terço do tempo, mas, a partir do Código Civil de 2002, surgem os requisitos suplementares, como a moradia habitual no imóvel ou a existência de algum serviço produtivo no terreno. A norma atual prestigia a função social da posse, elevando a um novo status diferenciado, garantindo um menor prazo para o requisito formal de tempo.

            Outro requisito necessário é a posse e com isso deve-se ressaltar que os meros detentores não poderão se utilizar do instituto da usucapião. Os detentores são aqueles que se encontram em estado de subordinação aos verdadeiros possuidores (art. 1198, CC/2002), os que estejam na coisa em razão de permissão ou tolerância ou que estejam se utilizando de violência ou clandestinidade (art. 1208, CC/2002) e os indivíduos que mantenham poder de fato sobre os bens de uso comum do povo e os de uso especial (art. 100, CC/2002). 

            É importante frisar que em caso de ausência de função social, o possuidor ainda possui legitimidade para proposição da ação de usucapião, contudo os requisitos temporais serão superiores àqueles demarcados aos que prestigiam a função social. Ademais, a usucapião extraordinária e a ordinária são as únicas modalidades que dispensam o fator moradia do usucapiente.

            Portanto, o exercício da posse simples, durante o período de 15 anos, seria condição suficiente apta a gerar o direito de usucapião extraordinária, lembrando apenas que não podemos deixar de lado alguns requisitos complementares, que também são essenciais para a transformação da posse em propriedade.

            Caio Mário da Silva Pereira (2003, p.416) fundamenta a usucapião extraordinária, argumentando que:

...o seu princípio básico está, portanto, na valorização do trabalho humano. Aquele que por quinze anos tem como seu um imóvel, rural ou urbano, cultivando-o ou tratando-o, tornando-o útil à comunidade, não pode ser compelido a deixá-lo à instância de quem o abandonou sem consideração pela sua utilidade econômica.

Orlando Gomes, assevera que a denominação “extraordinária” foi muito mal empregada, pois de acordo com o autor houve uma inversão de nomenclatura com o tipo de usucapião “ordinária”.

Orlando Gomes (2007, p.191) justifica sua conclusão da seguinte forma:

A terminologia não é muito feliz. A chamada usucapião extraordinária requer apenas o concurso dos requisitos essenciais. Os outros requisitos, sendo suplementares, não deveriam configurar a forma ordinária da usucapião, justo porque lhe falta o cunho da generalidade. Todavia, o uso consagrou as expressões com o sentido invertido.

            Em se tratando da nomenclatura dos tipos de usucapião extraordinária, os autores José Fernando Simão e Flavio Tartuce denominam o tipo do caput do art. 1238 como sendo usucapião extraordinária regular ou comum e classificam a do parágrafo único do mesmo artigo como usucapião extraordinária por posse-trabalho. A autora Maria Helena Diniz nomeia a do caput como usucapião extraordinária geral e a do parágrafo único como sendo usucapião extraordinária abreviada.

                Em relação aos requisitos necessários à usucapião no campo processual, o tempo é o único que, quando não demonstrado, conduz à improcedência da pretensão sem qualificar a sentença pela imutabilidade. Contudo, poderá o possuidor ajuizar uma nova demanda ao completar o prazo faltante sem que se cogite de coisa julgada material, pois já não estará apresentando a mesma ação, na medida em que contará com uma nova causa de pedir, que certamente conterá elementos da antecedente.

            Se o prazo for complementado no curso da lide, entretanto, entende-se que o juiz deverá sentenciar no estado em que se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, utilizando-se do artigo 493 do Código de Processo Civil de 2015:

Art.493. Se depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de oficio ou requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de oficio o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir.

            Isso tem como objetivo, evitar ainda mais demora na resolução da questão, garantindo o princípio da segurança jurídica e a celeridade do processo, pois entre as modalidades da usucapião, a que requer um maior lapso temporal, como requisito para proceder com a ação, é a usucapião extraordinária.

3 Usucapião ordinária

           

            Nesta espécie de usucapião, o legislador preocupou-se com a exigência da posse continua e incontestada, durante um período de cinco ou dez anos, além dos requisitos da boa-fé e do justo título, como exposto no art. 1242 do Código Civil de 2002 nos seguintes termos:

Art. 1242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

           

            É possível observar-se que o instituto usucapião ordinária se fundamenta principalmente na qualidade do justo título e da forma da posse praticada pelo usucapiente. O requisito temporal apesar de sua necessidade presente neste instituto, sofreu uma redução e durante a aferição do tempo não será mais necessária a presença ou ausência do proprietário.

            Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016, p.411) encontra-se uma definição precisa do que seria justo título, quando afirmam nos seguintes termos:

Justo título é o instrumento que conduz um possuidor a iludir-se por acreditar que ele lhe outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade, malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição. Em outras palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade por padecer de um vício de natureza formal ou substancial.

                É necessário que o justo título seja um instrumento extrinsecamente adequado à aquisição do bem por modo derivado. Além do que basta que o documento tenha aparência de legítimo e válido ao ponto de induzir qualquer indivíduo incorrer em engano sobre a sua real situação jurídica perante ao bem.

            Outro elemento necessário para a aquisição da propriedade pela usucapião ordinária é a boa-fé. A boa-fé seria o estado subjetivo de ignorância do possuidor em adquirir o bem para si como se fosse o proprietário mesmo, ou seja, ao obter coisa eivada de vícios, o possuidor acredita piamente que o bem possuído lhe pertence, mas para isso é necessário haver um título preexistente, não se aceitando boa-fé em um negócio proveniente de um título putativo. Devemos ter o cuidado em diferenciar boa-fé de animus domini, pois enquanto o primeiro acredita que a coisa já lhe pertence; o segundo busca a coisa para si.

            Apesar da existência de casos em que o detentor de justo título tem o conhecimento dos vícios e defeitos da posse, fato que poderá acarretar a má-fé. É dispensado o possuidor de comprovar a boa-fé, cabendo à parte contrária provar a má-fé do usucapiente.

É importante a demonstração da ciência de que, apesar de a coincidência do requisito formal de tempo e do requisito de função social da propriedade entre a usucapião ordinária e as espécies de usucapião especial urbana e rural, existem especificidades que acabam por diferenciar as diversas modalidades.

3 Usucapião especial urbana

           

            É nesta espécie de usucapião que se consagra o princípio da função social da posse e da propriedade, bem como a efetivação dos princípios da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental social à moradia, pois garante o direito à aquisição por usucapião com requisito temporal de 5 anos para aqueles indivíduos que utilizam o imóvel como moradia e que não possuem um outro imóvel urbano ou rural. Isso é descrito no art. 183 da Constituição Federal de 1988 com as seguintes palavras:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.§ 1° - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2° - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3° - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

             É previsto também no artigo 1240 do Código Civil sem qualquer alteração com relação ao texto da Lei Maior, com o intuito de reafirmar o que foi escrito na Constituição Federal de 1988. Já o art. 9° do Estatuto da Cidade (Lei n˚ 10.257/01) trouxe inovações para conceder efetividade à função social da propriedade, pois se refere não só a área, mas à edificação urbana de até 250 metros quadrados, regulamentando o exposto no art. 183 do Texto Constitucional.

            Tanto a usucapião especial urbana quanto a rural seriam consideradas espécies de “miniusucapiões extraordinárias”, pois ambas dispensam os requisitos de boa-fé e justo título, sendo apenas necessário a posse com animus domini, mansa e pacifica, além de cumprir o requisito temporal de 5 anos. Apesar de que se restringe a áreas de 250 metros quadrados, vem com o intuito de facilitar a aquisição da propriedade e tem como objetivo garantir o direito de morar com dignidade. Isso é bem observado nas palavras do autor José Carlos Cordeiro (2001, p. 205) quando ele escreve o seguinte:

Trata-se de uma maneira de promover o direito fundamental à moradia, assegurando-se um patrimônio mínimo à entidade familiar, na linha de tutela ao princípio da dignidade da pessoa humana. De fato, a utilização racional da propriedade sobre áreas urbanas estéreis e ociosas, ou mesmo as ocupadas irregularmente, demonstra que o Estado não quer apenas garantir direitos, mas fornecer os meios para o seu exercício.

            Nesta espécie é de grande importância a pessoalidade da posse, pois tanto na usucapião especial urbana quanto na rural ninguém poderá adquirir propriedade pela habitação no local por outrem. Essa demanda tem como o intuito de proteger o aspecto da garantia de moradia, pois desqualifica essa modalidade de aquisição para aqueles indivíduos que apenas eventualmente utilizando o bem imóvel em épocas de férias e feriados. É afastado o direito de usucapião especial também para aqueles que utilizam o bem imóvel para fins não residenciais, salvo nos casos em que o imóvel é utilizado para fins de trabalho e de moradia simultaneamente.

            Não se considera moradia, o terreno que não sofreu qualquer construção, tendo apenas cobertura provisória, como tendas de ciganos, barracas de acampamento e lonas de circo, pois o legislador busca a estabilidade a ocupação e não a transitoriedade.

            Nos casos advindos de posse do direito sucessório poderá somar-se a posse anterior, contudo para o herdeiro obter esse direito, ele deverá habitar o imóvel no momento da abertura sucessória, não necessitando que ele esteja morando na residência a cinco anos. Portanto, de acordo com o parágrafo 3° do art. 9° do Estatuto da Cidade, conclui-se que a união de posses nas modalidades especiais urbana e rural não ocorrerá na transmissão entre vivos, como foi estabelecido no art. 1243 do Novo Código Civil.

            No caput do art. 183 da Lei Maior encontra-se a expressa vedação à usucapião urbana quando o usucapiente já tiver a condição de proprietário de imóvel. Essa proibição vale durante o período aquisitivo de lustro legal, ou seja, se por acaso durante o período aquisitivo de cinco anos o possuidor adquirir imóvel por qualquer outro meio, ele perderá o direito de se utilizar do instituto da usucapião especial urbana.

            Um fator relevante e peculiar é a impossibilidade de se utilizar mais de uma vez o processo aquisitivo por usucapião especial urbana pelo mesmo possuidor. Isto é, caso o possuidor adquira o imóvel por esse processo e depois aliená-lo, ele não poderá adquirir um outro imóvel pela mesma modalidade de usucapião. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (p.431, 2016) compreendem que a restrição se aplica também a modalidade rural, mas o seu posicionamento doutrinário é minoritário. Esse mecanismo de impossibilitar de se utilizar mais de uma vez a modalidade de usucapião especial urbana ou rural tem como objetivo evitar o enriquecimento sem causa.

4 Usucapião especial urbana coletiva

           

            Através do art.10 do Estatuto da Cidade é inserido um tipo de usucapião que é denominada como usucapião coletiva urbana. Nessa modalidade é abrangida uma área maior do que duzentos e cinquenta metros quadrados, onde habitam populações de baixa renda, cuja área ocupada por cada família não esteja identificada. Essa modalidade de usucapião tem como objetivo regularizar a situação das famílias de baixa renda que ocupam assentamentos informais já consolidados dentro das cidades.

Segundo as palavras de Carlos José Cordeiro (2001, p.252-253) é necessário mais do que a simples modalidade especial de usucapião para a inserção dessas famílias: “...para a plena transferência dos grupos favelados para o mundo jus-urbanístico, é preciso que o poder público tenha participação efetiva, por meio de intervenções que hão de ser corretivas e/ou restauradoras, eliminando os riscos, a insalubridade, o desconforto, bem como minimizado a agressão urbana.”

                Essa modalidade é um forte instrumento de função social de posse para imóveis particulares, posto que ela supera algumas dificuldades, como quando o imóvel encontra-se em loteamento irregular ou a área possuída é inferior ao módulo mínimo urbano, permitindo mais uma forma aquisitiva para os indivíduos que possuem apenas a posse do imóvel em que se efetiva sua moradia.

            Antes do surgimento desse tipo de usucapião especial era fato que muitos possuidores de áreas contidas em glebas não obtinham sucesso no ajuizamento de ações de demandas individuais, em razão de não conseguirem os documentos necessários para a propositura da ação de usucapião, como a certidão do Registro Imobiliário.

            De acordo com o §1° do art. 10° do Estatuto da Cidade, observa-se a exceção da acessão das posses em relação à usucapião coletiva, garantindo o direito ao novo possuidor somar a sua posse com a do antigo, aplicando regra semelhante ao do art. 1243 do Código Civil de 2002, salvo o fato de que no usucapião coletivo é necessário que as posses sejam contínuas, diferentemente do Código Civil que exige também a mansidão de ambas as posses. Devemos salientar que a regra de accessio possessionis   não se aplica aos outros tipos de usucapião especial.

            Observando a realidade atual da sociedade brasileira é importante frisar que existem vários possuidores que se encontram na posição de locatários dentro das favelas, sendo assim, devemos ter em mente que haverá dificuldade em se conceder a usucapião coletiva em favor desses possuidores, visto que se faz necessária a exigência de animus domini, característica não presente nos locatários. De modo igual, o locador não teria êxito na pretensão, pois faltaria o requisito de moradia, encontrado apenas no locatário, pedido pelo Estatuto da Cidade.

            O Ministério Público é indispensável nas ações de usucapião, pois é necessária sua intervenção nas ações que envolvam a ordem urbanística como também o registro imobiliário.

Conforme normatizado pelo CPC/2015 compete ao Ministério Público é fiscalizador nos litígios coletivos pela posse de terra urbana ou rural. Apesar de possuir apenas a função de fiscalizar, nada impede a legitimidade concorrente e disjuntiva do Ministério Público para propor a Ação Civil Pública, com isso poderá compelir o Poder Judiciário a conceder propriedade coletiva a favor daqueles que exerçam moradia em áreas abandonadas pelos proprietários, urbanizando espaços que envolvam interesses sociais.

5 Usucapião especial rural

           

            Essa modalidade especial surge anterior a CF/98, sendo recepcionada primeiramente pela Constituição Federal de 1934 e depois pelas Constituições de 1937 e 1946, além da Emenda Constitucional n° 1, de 1969.

            Atualmente, encontra-se normatizado no art. 191 da Constituição Federal de 1988, cujo conteúdo encontra-se replicado no art. 1239 do novo Código Civil:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

            Observa-se que o legislador teve como objetivo buscar a fixação do indivíduo na zona rural, privilegiando apenas aqueles que tornem as terras produtivas. Outro fato importante é a questão da moradia que é abordada em todos os tipos de usucapião especial, trazendo à tona o princípio da função social relacionado ao direito de moradia, assim, dando uma menor importância ao fator temporal. Corrobora com esse pensamento Caio Mário da Silva Pereira (2003, p.152) ao afirmar:

As características fundamentais desta categoria especial de usucapião baseiam-se no seu caráter social. Não basta que o usucapiente tenha a sua posse associada ao tempo. Requer-se, mais, que faça da gleba ocupada a sua moradia e torne produtiva pelo seu trabalho ou seu cultivo direto, garantindo desta sorte a subsistência da família, e concorrendo para o progresso social e econômico.

                Em relação à possibilidade de aquisição da propriedade rural menor do que o módulo rural fixado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(Incra) a teor do art. 65 da Lei n° 4504/64 que diz: “O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva de módulo de propriedade rural”. O Objetivo dessa norma é evitar a formação de minifúndios improdutivos, acabando por violar o princípio da função social da propriedade rural (Art. 20, inciso I do Estatuto da Terra).

            Apesar disso, se faz necessário fomentar a possibilidade de usucapião em terrenos menores que o módulo rural, pois forneceria um mínimo necessário para que uma entidade familiar pudesse ter moradia e prover seu próprio sustento. Compartilhando desse pensamento temos Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016, p. 450):

Aliás, se na própria usucapião coletiva urbana do Estatuto da Cidade (art. 10, Lei n° 10.257/01) é admissível que uma coletividade adquira a propriedade mesmo que a área individualmente ocupada por cada possuidor seja de metragem bastante reduzida, não se colhe motivo para que a doutrina crie um óbice onde a própria Constituição Federal não criou.

                Nessa linha de pensamento, tem-se o Enunciado 594 da VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal em que diz: “É possível adquirir a propriedade de área menor do que o módulo rural estabelecido para a região, por meio da usucapião especial rural.”

            Então, é de se observar que a usucapião especial rural tem por finalidade executar uma política de fixação em toda a zona rural, seja em propriedades menores que o módulo rural estabelecido ou maiores que atinjam até o limite de 50 hectares, preocupando-se com o caráter social.

6 Usucapião familiar

           

            Surge em 16 de junho de 2011, a Lei n° 12.424, acrescentando uma nova norma no art. 1240-A do ordenamento do Código Civil de 2002. Essa norma trouxe uma nova forma aquisitiva originária de propriedade: usucapião familiar. De acordo com o artigo:

Art.1240-A. Aquele que exerce, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade dívida com ex-cônjuge ou ex - companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. §1° O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor por mais de uma vez. §2° No registro do título do direito previsto no caput, sendo o autor da ação judicialmente considerado hipossuficiente, sobre os emolumentos do registrador não incidirão e nem serão acrescidos a quaisquer títulos taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência, fundo de custeio de atos gratuitos, fundos especiais do Tribunal de Justiça, bem como de associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou denominação.

            Observando os requisitos necessários para se valer judicialmente dessa forma de usucapião. O aspecto que nos chama inicialmente a atenção é o quesito prazo, pois o requisito lapso de tempo de dois anos do usucapiente sobre o imóvel é considerado o menor prazo existente entre todas as demais espécies de usucapião, pois anteriormente a modalidade que possuía o menor prazo era o usucapião especial urbano em que se ocorria a prescrição aquisitiva em 5 anos. Ademais vale a pena referir que para bens móveis o quesito temporal é de 3 anos. Então fica evidente o quanto foi reduzido a prescrição aquisitiva ao se tratar do usucapião familiar.

            O segundo aspecto da norma a se destacar é o afastamento do lar de um dos consortes pelo lapso temporal de 2 anos, ou seja, o cônjuge abandonado adquire direito a propriedade que pertencia ao outro em um prazo de dois anos, sem atendimento de requisitos que comumente são exigidos para os demais tipos de usucapião.

            O terceiro quesito é sobre a restrição do tamanho da propriedade urbana que é de até 250 m². Infelizmente a lei não contempla as situações dos imóveis rurais que muitas vezes são utilizados apenas como moradia, não possuindo atividades laborais.

            Outro fator preponderante é quando a lei se refere a imóvel cuja propriedade seja dívida com ex-cônjuge ou ex-companheiro, pois sugere o pressuposto de ser o imóvel comum. Portanto, o instituto deve ser analisado com cautela, visto que irá determinar a perda da propriedade do outro num prazo muito curto, considerando-se, para essa qualificação, a especifica ambiência do Direito de Família.

            Por último e mais polêmico, a lei se refere ao abandono do lar como início da contagem do prazo prescricional. Portanto, o fato que autoriza o reconhecimento de usucapião de bem comum a um dos condôminos é o abandono da posse, pois pode um dos consortes se afastar do lar conjugal e continuar exercendo posse, mesmo que indireta sobre o bem imóvel.

7 Outras modalidades de usucapião

                        A usucapião urbana administrativa vem com o intuito de regularizar os assentamentos fundiários localizados em áreas urbanas. É uma forma de garantir a propriedade àquelas populações predominantemente de baixa renda que vivem em assentamentos urbanos. Essa modalidade de usucapião foi trazida pela Lei n° 11.977/09 e depois foi alterada pela Lei n° 12.424/11.

                        Os art. 46 a 68 da referida lei regulam todas as fases necessárias a objetivação da usucapião administrativa, mostrando os requisitos necessários, os legitimados para a ação e o conceito, como podemos observar o art. 46 ao retratar o seguinte:

Art. 46.  A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

                        É um processo aquisitivo originário da propriedade, de forma a evitar a via judicial, além de célere, mas com o caráter de não litigioso. O que acaba por ficar claro a preocupação do legislador em não apenas garantir o direito da propriedade aos indivíduos de baixa renda, mas também buscar uma maior agilidade da efetivação dos direitos.

                        Já a usucapião extrajudicial que foi introduzido pelo Código de Processo Civil de 2015, vem com o objetivo de ampliar o método extrajudicial de se ingressar com a usucapião, pois anteriormente só era possível nos casos de regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas (usucapião administrativa). Agora com a chegada da modalidade de usucapião extrajudicial é possível a utilização de qualquer espécie de usucapião pela via extrajudicial, seja ela ordinária, extraordinária, urbana ou rural. O que poderá garantir um processo bem mais célere para obtenção do direito de propriedade.

                        Essa modalidade requer que seja consensual, entre proprietário e possuidor, sendo um pressuposto para a afirmação da via administrativa da usucapião extrajudicial, sendo feito em dois momentos. O primeiro momento seria dar consensualidade através da assinatura do titular do imóvel na planta. Então caso o proprietário não assine a planta, haverá o surgimento do segundo momento em que o proprietário será notificado para manifestar seu consentimento expresso em 15 dias, em caso de não houver resposta, o seu silêncio é tratado como discordância.

                        Fica claro que dificilmente o proprietário e o possuidor terão interesses convergindo em uma mesma direção, salvo nos casos em que o requerente adquiriu o imóvel de forma onerosa ao pagar o proprietário ou aos herdeiros do bem.

                        Outro modelo de usucapião que será mencionado é a usucapião indígena que se encontra no art. 33 da Lei n° 6.001/73, denominada “Estatuto do Índio” com a seguinte redação:

Art. 33. O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinqüenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às terras do domínio da União, ocupadas por grupos tribais, às áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

                                                                                                    

                               Essa modalidade da usucapião encontra-se totalmente sem eficácia, depois do surgimentos das outras espécies, haja vista que a usucapião rural possui um lapso temporal reduzido pela metade ao ser comparado à usucapião indígena, portanto o índio pode obter o direito da propriedade rural inferior a cinquenta hectares de forma mais célere.

                        Apesar disso é interessante observar que mesmo que o índio tenha o comportamento de tomar posse do terreno, ocupando-a. No lapso temporal de dez anos acabará por usucapir o imóvel, resultando no efeito jurídico da norma, mesmo que o índio não tenha ingressado com a ação da usucapião.

 

8 CONLUSÃO

 

            Percebe-se que existe uma enorme variedade de espécies de usucapião, com o intuito de facilitar a buscar pelo título de propriedade através do instituto apresentado. Observa-se que nas novas modalidades apresentadas, o legislador busca se utilizar de vias não judicias, garantindo um processo mais célere aos requerentes.

            Ademais, demostra-se que a valorização do direito à moradia, a função social da propriedade, acabam por ser hierarquicamente superiores do que apenas a questão patrimonial.