As Faculdades Reunidas Urimonduba abriram o curso de escritor profissional nos campus Vila Nova e Jardim Jacira. Inaugura-se assim, o fim ou o começo de um ato que nunca teve nenhum dos dois.

No séc. XIX, São Paulo, capital,  ostentou a alcunha de “Burgo de Estudantes”, sendo ínfima a população da cidade e irrisória sua relevância face ao império, em meados de 1380. Um leitor atento e com cultura adequada dirá: espere, São Paulo não existia em 1380. Exato, assim, o escritor profissional necessita de um revisor, pois motivos não faltam para que uma palavra seja digitada errada. Voltando, em 1830, havia em São Paulo a Academia de Direito (leia-se hoje “São Francisco”), e lá se estudava Direito. Formar-se-iam, pois, advogados profissionais. Sabe-se que, entre 1830 e 1875 foram  diplomados quase 2.000 bacharéis. Ocorre que uma leva considerável, os formandos do burgo tornaram-se escritores, ou antes, escreveram livros. “Ou antes”, será correto?

O que torna um escritor, profissional?   
 
De qualquer forma, quando se coloca o profissional depois do escritor, isso não em termos semânticos e ou românticos mas meramente em termos de grafia, chega-se numa classificação. E toda classificação é arbitrária.

Enquanto se investiga essas respostas, outra questão, para ser ruminada durante a leitura: Mario de Andrade era profissional?

Apenas 20% dos graduados na Academia de Direito eram paulistas. Gilberto Freyre disse que os que saíam dali iriam “aperfeiçoar num Brasil ainda informe em sua vitalidade mestiça, aquilo que se denomina civilidade“.

Escrita, sem sombra de dúvida, é ferramenta civilizatória.

Não faz muito tempo, numa conversa informal com um jornalista peso pesado, hoje um senhor aposentado, ele me contou que acabaram com o jornalismo quando profissionalizaram a carreira. Ele ia dizer profissão. Depois  retomou a palavra e emendou: quando criaram a faculdade de jornalismo.  Caridosamente olhei para ele, como se olha para um idiota que não compreende que se puser  a mão em tinta fresca vai se sujar. Noutras palavras, os tempos mudaram, é necessário acompanhar a evolução. No entanto nada foi dito. Mas ele me olhou como se tivesse ouvido meu pensamento e concluiu: “veja, na época, se o cara gostava de teatro, ia para o teatro, se enfronhava entre atrizes e diretores, e escrevia sobre teatro. Se o negócio dele era polícia, se mandava para as delegacias, travava amizade com investigadores e delegados,  então escrevia sobre policia. Quando profissionalizaram a coisa...” Não era preciso dizer mais nada, exceto que o óbvio me saltou aos ouvidos: era necessário escrever. Então, a faculdade de jornalismo já estava criando o curso de escritor profissional?

Profissional. Definição da palavra: respeitante ou pertencente a profissão, ou a certa profissão. Pessoa que faz uma coisa por oficio. O Aurélio encerra assim a questão, e eu teria, por ignorância,  craseado os as.

Lá pelos idos de 77, 78, chegava do colégio ávido por ler Cláudio Abramo e Lourenço Diaféria, entre outros. Não era uma questão de Nomes, isso pouco importava. Era o que eles escreviam. Ocorre que aqueles conteúdos eram escritos por eles. Hora de indagar: eram profissionais? E se eram, deve-se isso ao fato exclusivo do ofício? E o  conteúdo?

Robert B. Parker, escritor, num de seus romances, brinca com a questão: a personagem central, que tem a pintura como um hobby, é interpelada: - por que você pinta, se  não ganha nada com isso?

- Eu gosto – responde ela -  Eu sei como fazer e gosto de fazer.

Georges Simenon escrevia um livro em 11 dias. Seu médico lhe obrigava a um repouso forçado depois do “parto”.

Escritor canaliza, essa é a verdade. Quando baixa o santo, tem de ter a ferramenta de gravação à disposição: lápis, papel, caneta, gravador, computador, etc. Canaliza,  ou se preferir, escritor é um intermediário. A coisa muda de figura quando colocam no seu caminho o trinômio: preço/prazo/qualidade. Que é o que define o profissional de qualquer(?) área.

Diaféria e Abramo trabalhavam sob estes parâmetros.
Muita coisa de que gostava aos 18 anos hoje não me diz nada. Mas os textos do Lourenço Diaféria tem o mesmo sabor, senão melhor. Alguns anos antes despertara em mim o caminho de escrever coisas, por assim dizer. Em que momento isso se tornou profissional? Quando ganhei dinheiro por isso?
Toma lá, da cá, e pronto, num passe de mágica, o dinheiro na carteira, o texto entregue e posso ostentar o jargão profissional como um emblema indestrutível? E perene? O que o mantém perene é o fluxo de caixa?

Irving Berlin vendia canções à 10 centavos, nas esquinas de Nova Iorque. Isso fez dele um compositor profissional?

 
Julio Verne morava numa espécie de clarabóia e trabalhava num banco. À noite ele fazia o que só ele podia fazer. Que gênero de profissional é esse? E como remunerá-lo, já que estamos colocando o profissional depois do Ser. Ser escritor. Hemingway se trancava num celeiro com uma caixa de uísque.

Willian Waack, para escrever aquela reportagem sem igual sobre a Guerra do Golfo, teve de adentrar na nave mãe do US Army, e além de nos reportar a quantas andava o maior encontro militar da História desde o “Dia D”, nos brinda sobre os bastidores, e que  a coisa acontece como nos filmes, que de fato há um piloto mascando chiclete, com o pé no manche e olhando o retrato de uma tal de Lucy colado no painel.
Willian  não estava arriscando a vida dele para nos contar sobre os caprichos de um aviador, e sim sobre como as coisas acontecem na nave que gerencia as atividades de incontáveis naves, numa guerra. A reportagem, enfim, é do Willian jornalista. As nuances são do Willian escritor. No mundo pós-moderno e pré-pago, as nuances vem como um trocado, todo mundo quer e não se dá conta do quanto quer. Também não sabem que o custo dessa “ subjetividade” não tem parâmetro. Assim, não tem preço. Como se profissionaliza o que não tem preço?

Carlos Drummond de Andrade  indagava sobre a quantidade de termos esdrúxulos para definir a sua obra. Ele achava curioso tanta terminologia.
Albert Camus ganhou o Nobel com seu livro, “O Estrangeiro”. O que chama atenção é o padrão de premiação. Repare nos prêmios subseqüentes, nos de uma década atrás, nos de “hoje”... Por mais motivos políticos que possam existir, “O Estrangeiro” se destaca como um livrinho, fisicamente falando.
Exato, não é isso que define, mas chamo atenção para esse ponto: então nunca mais escreveram um livrinho, com tão poucas palavras e digno de um Nobel? Então tornamo-nos verborrágicos por excelência, e desse modo, só aceitamos os da mesma forma?
O detentor de poucas embora excelentes palavras
ainda é digno de nota?
Camus é um profissional?

São grandes nomes, concordo, mas urge que a leitura tenha uma empatia de decodificação rápida. Caso a mesma seja desconhecida, então aquele que lê precisa se aprimorar um pouco. Afinal estamos tratando de profissionais. Você já leu a “Popular Eletronics” deste mês? É necessário saber um pouco de eletrônica para tanto. Mas você já leu Goethe, certo?

Outra, de Robert B. Parker, com a mesma  personagem e a questão  da pintura: “eu mesma tenho que aprender como fazer o meu trabalho. Pintores mais experientes me dizem o que não fazer, mas nem eles sabem, exatamente, sobre como eles pintaram. Também nunca encontrei ninguém que me dissesse como fazer aquilo que eu fiz. Gosto muito de ler fulano de tal e seu discurso acerca da importância da pintura, dos grandes mestres, etc, mas aquilo não me ensina a fazer o meu trabalho. Tenho de descobrir sozinha. O resto é teoria, revisão e crítica.”

Acerca da disseminação vertical de estabelecimentos de ensino universitário no país,  já ouvi o seguinte: trata-se de um mal necessário. Pois bem, vejamos uma “reflexão” feita há cerca de 10 anos, sobre o “mal necessário”. Gilberto Dimenstein, num artigo, a meu ver, histórico, intitulado “Diploma de mentira, prejuízo de verdade”, nos conta que a “Justiça de São Paulo abriu 500 vagas para juízes. Mas não foram preenchidas. E por um simples e espantoso motivo: os milhares de candidatos não conseguiram a nota mínima.” O baixo nível dos candidatos estava, óbvio, associado aos institutos de onde vieram seus diplomas, que muito justamente e num fraseado à toda prova, nos são revelados pelo jornalista.
Em suma, diploma igual a profissionalismo. Será?

Você já perguntou para o sapateiro, da rua ali embaixo, se ele é pós-graduado em solado de borracha, antes de fazer o pedido?