O escopo do presente trabalho é a análise do que vem a ser esclarecimento, e de como a educação pode influenciar na formação do indivíduo "esclarecido".

Inicialmente temos que analisar o que vem a ser o esclarecimento, para isso retomamos a meados do século XVIII, época do iluminismo, onde o termo era amiúde usado.

Foi neste período que os mitos e o conhecimento religioso naufragaram frente à outra fonte de conhecimento, a ciência. Foi assim que a meta da primazia da ciência sobre as demais fontes do conhecimento teve gênese.

Com o passar do tempo, os mitos, em certo ponto, foram substituídos pelas crenças religiosas, que possuiam o mesmo cerne fundamental, ou seja, se ocupavam da explicação de fenômenos desconhecidos.

O conhecimento através dos mitos, que se baseavam em "histórias" com bases antropomórficas, criadas na intenção de superar o não conhecido, sendo assim, os mitos possuíam uma função, em certo sentindo, esclarecedora, porém, não nos termos iluministas.

Mas em que sentido era usado este termo pelos iluministas?

O termo possuía o conteúdo de livrar o homem da ignorância que era proporcionada pelos mitos, ou seja, pela imaginação do saber.

Apoiados na primazia da ciência sobre as demais formas de conhecimento, os iluministas acreditavam que era somente através dela que o homem conseguiria emergir sobre a ignorância, livrando-se dela e tornando um ser autônomo, portanto, esclarecido.

Sendo, por conseguinte, o saber, atributo "sui generis" ao homem, e é desta forma que o homem impõem sua superioridade sobre os outros seres. E esse saber desconhece qualquer tipo de barreiras.

Immanuel Kant, paradigma desta época, afirmava que o homem somente conseguiria alcançar a maioridade intelectual através do esclarecimento, tornando-se ser autônomo, livre de qualquer resquício de uma menoridade dependente.

Para este filósofo o que impede o homem de alcançar tal estado de maioridade é o medo dele frente à empreitada que enfrentará em busca do saber, e o comodismo causado pela menoridade, ou seja, no estado de menoridade o ser humano se torna dependente, hipossuficiente, destarte, é mais cômodo a ele ser dependente de outros, do que enfrentar o terreno insalubre onde se encontra o conhecimento.

Foi somente com o advento dos ideais iluministas que a ciência começou sua hegemonia, e assim foi imposta sua superioridade sobre tudo àquilo que não é científico. É com isso também que surge o conceito de esclarecimento que nos é importante neste momento.

E assim tal meta do esclarecimento guiou nossa humanidade por mais de dois séculos, e quando tínhamos que a ciência poderia se a solução de todos os problemas, nós deparamos com barbárie. Eis que teve origem as I e II Guerra mundial, milhões de pessoas mortas cruelmente, miséria, degradação da dignidade do ser humano, e tudo isso graças ao avanço da ciência, e seguindo a linha iluminista, graças a nosso esclarecimento, que proporcionou paralelamente a condições mais dignas de se viver, a criação de bombas cada vez mais devastadoras, armas cada vez mais mortíferas.

No momento que superamos essa triste passagem de nossa história que passamos a questionar, até que ponto o esclarecimento é positivo? Como podemos usar ele para o bem coletivo, e não para a auto-destruição do humano?

É neste cenário que surge o papel da educação dos seres humanos, e que segundo Adorno, a "educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma auto-reflexão crítica[1]", e, por conseguinte, "o campo da educação tornou-se estratégico para a constituição de um novo ser social[2]".

Assim, necessário se faz, repensarmos os processos pedagógicos de nossa sociedade atual, onde "um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez mais socializadora, como uma rede densamente interconectada. Quanto mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que precisamente a sua densidade impede a saída. Isto aumenta a raiva contra a civilização[3]".

Destarte, para nós a único pode para fazer o bem comum, ou seja, usar do esclarecimento para o bem estar e não para a barbárie, é segundo a expressão Kantiana, "o poder para a reflexão, a autodeterminação, a não-participação[4]", poder esse adquirido somente, através duma educação adequada, centrada não para a repetição mecânica de nosso "tão maravilhoso progresso científico", como ocorre amiúde em nossa sociedade onde a educação escolarizadora "instalou(-se) como contínuos estágios de reprodução de conteúdos de conhecimento produzidos fora da escola, do mesmo modo que deixou fora dos muros da escola o mundo da vida[5]". Destarte, setorna ineficaz, frente aos novos anseios da sociedade, esta "pedagogia tradicional, enfatizando a transmissão do saber, colabora(ndo) na perpetuação dos padrões culturais dominantes"[6], e assim sendo, para esse sistema, "quanto mais educação,(...) mais conformidade (...)quanto mais conformidade e adaptação mais educado é o indivíduo[7]". Observamos então a impossibilidade do pensar crítico frente à pedagogia tradicional.

Assim, devemos galgar uma pedagogia calcada na auto-determinação crítica do indivíduo, instigando-os a pensar, e assim, o esclarecimentoestará "associado à emancipação da vontade e demanda e sua educação para que em todas as circunstâncias da vida a pessoa saiba eleger o que é correto, justo e bom[8]" .

É neste panorama então que surge a filosofia como pedra de toque para a educação básica do indivíduo, pois a "tarefa da filosofia e aquilo que a faz necessária na vida das pessoas é a sua função edificante, e edificar o homem outra coisa não é que torná-lo homem em conformidade com a razão[9]", porém, o indivíduo "não é um ser moral por natureza. Torna-se moral apenas quando eleva a sua razão até aos conceitos do dever e da lei(...) graças a uma força exercida sobre si mesmo[10]", assim, o caráter moral do ser humano não é inato, e sim construído socialmente e fazem parte essencialmente dessa construção a escolarização, a educação. Dessarte, para obtermos êxito, necessário se faz na vida dos indivíduos, a filosofia, que "através de sua história, constitui-se num esforço para demonstrar a cultura humana materializada pela reflexão filosófica[11]", portanto, determinante está o papel fundamental da filosofia na estruturação da educação do ser humano, logo na sua moral.

Somente assim, nós poderemos obter uma sociedade devidamente esclarecida, com senso crítico para determinar até que ponto o esclarecimento nos será maléfico, podendo de qualquer forma evitar que se repita a barbárie, fulcrada na antiga noção de esclarecimento, ocorrida em meados do século passado, proporcionando uma sociedade estabelecida na auto-determinação para o bem comum, e por conseqüência na dignidade da pessoa humana.



[1] ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação, Tradução : Wolfgang Leo Maar. Paze Terra., p.121

[2] CARVALHO, Celso. Os PCN para o ensino médio: Possibilidades e Limites. p.2

[3] ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação, Tradução : Wolfgang Leo Maar. Paze Terra.. p.122

[4] ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação, Tradução : Wolfgang Leo Maar. Paze Terra. p.125

[5] GHEDIN, Evandro Luiz. O Ensino da Filosofia e o Pensamento Reflexivo. p.1

[6] BENELLI. Silvio José. A Psicologia da Educação na Sociedade Contemporânea: Entre a Encomenda e Demanda Social. P.06

[7] BENELLI. Silvio José. A Psicologia da Educação na Sociedade Contemporânea: Entre a Encomenda e Demanda Social. P.06

[8] GUIDO, Humberto Aparecido de Oliveira. Da Necessidade da Filosofia, ou, a importância do Filosofar. p.09

[9] GUIDO, Humberto Aparecido de Oliveira. Da Necessidade da Filosofia, ou, a importância do Filosofar. p.09

[10] KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella Piracicaba: Editora UNIMEP, 1999. p.95

[11] GHEDIN, Evandro Luiz. O Ensino da Filosofia e o Pensamento Reflexivo. p.10