Bioética e o Biodireito

            É cediço que o progresso da ciência tem influenciado no agir da medicina tradicional. Isto porque atualmente, podemos verificar uma evolução no que diz respeito a formas de tratamento, clonagem de seres humanos para a reposição de órgãos, tecnologias desenvolvidas com relação ao DNA, técnicas de cirurgia de transplantes de órgãos, situações que tem gerado uma inovação nos procedimentos da ciência médica e biológica.

            Não há dúvidas que tais avanços científicos ocasionam grande repercussão social, pois geram problemas de difícil solução causando polêmicas na sociedade. Surge, portanto, o desafio na elaboração de normas, no intuito de atender as necessidades e defesa dos princípios constitucionais consagrados na Constituição Federal.

            Nesse sentido, é incontroverso que deve existir um equilíbrio no que tange a atividade biomédica, pois sua total proibição ocasionaria uma repressão no progresso científico, entretanto, sua total liberdade poderia ocasionar graves prejuízos à humanidade. 

                O artigo 5°, inciso IX da Constituição Federal, sedimenta a liberdade da atividade científica, porem, existem outros valores que são assegurados, no dispositivo constitucional, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana, que é fundamento do Estado Democrático de Direito.

            Ressalta-se que a bioética visa trazer uma reflexão sobre tudo o que possa interferir na qualidade e na dignidade do ser humano. Assim, objetiva equilibrar o descontrolado crescimento da tecnologia, preservando as relações dos seres humanos, vez que seria uma resposta da ética às novas situações vindas da ciência, na esfera da saúde.

            Com efeito, faz se necessário a intervenção do Estado por meio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para frear o poder da ciência, no intuito de coibir o desrespeito da dignidade da pessoa humana, em virtude do mal uso da biotecnologia.

            Por seu turno, a bioética e o biodireito devem caminhar juntos, uma vez que não é possível separar a ciência do direito.

O direito à vida

            O direito à vida está consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal e abrange tanto o direito do ser humano não ser privado de sua vida, bem como o direito dele ter uma vida digna.

            É o ensinamento de Fernando Capez que “o direito à vida é o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela morte espontânea e inevitável, o qual é considerado o direito fundamental mais importante”.

Mister se faz ressaltar que, a proteção jurídica da vida humana, bem como da integridade física, tem previsão expressa na Constituição Federal, no Código Civil e no Código Penal.

            Assim, o Estado deve assegurar o direito à vida em duas acepções, a primeira está relacionada ao direito que o homem tem de continuar vivo, e a segunda está ligada ao direito que ele tem de ter uma vida digna, tendo, portanto, garantida a sua subsistência.

Com efeito, o direito à vida é supremo e sedimentado em qualquer ordenamento jurídico pátrio e inclusive nos tratados internacionais.

Nesse contexto, a Declaração Universal de Direitos Humanos, que foi adotada e proclamada pela Resolução, nº 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1.948, da qual o Brasil é signatário, traz em seu artigo III, o direito à vida.

Concluindo, o direito à vida é um direito intrínseco do ser humano, o qual é anterior a norma posta. Por sua vez, o legislador deve resguardar esse bem supremo, por meio da criação de leis eficazes, em virtude de tal direito dar sentido a todos os demais direitos fundamentais inerentes ao homem.

 

A responsabilidade civil do médico e dos hospitais públicos   

            Prefacialmente cumpre tecer algumas considerações acerca da responsabilidade civil dos médicos e dos hospitais, a fim de que possa ser analisado cada fato controvertido.

O artigo 951 define que: “O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício da atividade profissional, por negligência, imprudência e imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.

Nesse sentido, é de se verificar que, serão civilmente responsabilizados quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: negligência, imperícia e imprudência.

O artigo 14, § 4°, do Código de Defesa do Consumidor, sedimenta a responsabilidade subjetiva para os profissionais liberais prestadores de serviço.

Dessa forma, o médico como prestador de serviço, tem a sua responsabilidade, embora subjetiva, sujeita ao CDC, que permite a inversão do ônus da prova, conforme dispõe o artigo 6°, VIII do CDC. Entretanto, devem estar presentes os requisitos previstos no referido dispositivo.

De acordo com o artigo, 6°, III, do CDC, cabe aos médicos o dever de informar e orientar o paciente e seus familiares a respeito dos riscos existentes, quanto ao tratamento e aos medicamentos a serem indicados.

Ademais, o médico não se compromete a curar, mas a prestar os serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo cuidados e conselhos. Logo, sua obrigação é de meio, e não de resultado.

Cumpre destacar que à luz da legislação pátria vigente, a responsabilidade civil dos médicos é subjetiva, sua obrigação é de meio, e estão sujeitos às regras da legislação consumeristas.

            É de se verificar que, a responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que decorre de um comportamento (culposo ou doloso) contrário ao direito, que tenha ocasionado um dano, atingindo a esfera material ou a esfera moral de terceiro.

            Com efeito, a aludida teoria encontra-se sedimentada no artigo 927, do Código Civil, o qual dispõe sobre o dever de reparação do dano em virtude da pratica de um ato ilícito.

            Ademais, o artigo 186 do Código Civil dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

            Outrossim, podemos verificar que os elementos caracterizadores da responsabilidade subjetiva são: ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo causal e dano.

            Nesse sentido, para que haja a efetiva responsabilização, será necessário que o prejudicado demonstre que o agente agiu com a intenção de causar prejuízo (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia.

Corroborando o assunto, é evidente que o fundamento para responsabilidade subjetiva é a culpa, pois sem a comprovação da culpa, não há que se falar em dever de indenizar.

De outra face, os hospitais, como prestadores de serviços, respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes.

É do magistério de Sérgio Cavalieri Filho, “Os estabelecimentos hospitalares são fornecedores de serviços, e, como tais, respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes. É o que o Código chama de fato do serviço, entendendo-se como tal o acontecimento externo, ocorrido no mundo físico, que causa danos materiais ou morais ao consumidor, mas decorrentes de um defeito do serviço (In: Programa de Responsabilidade Civil, 7ªed., Editora Saraiva, 2007, pág. 371).

Cumpre destacar que a responsabilidade objetiva configura-se pela obrigação de indenizar, tendo como pressuposto a mera relação causal entre o comportamento e o dano ocasionado por um comportamento lícito ou ilícito.

Destarte que a responsabilidade civil do Estado, afigura-se como sendo objetiva, sendo, portanto, mais favorável ao particular, já que independe da aferição da culpa ou dolo.

Assim, na responsabilidade objetiva a ideia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre a prestação do serviço público e o dano sofrido pelo administrado. Dessa forma, torna-se indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.

            É de se ressaltar que o Estado tem a sua responsabilidade civil delineada no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal, o qual dispõe que as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Diante disso, o Estado, em todas as suas atividades, tem o dever de responder pelos prejuízos ocasionados aos particulares, independentemente de se comprovar a culpa ou o dolo dos agentes públicos. Entretanto, será necessária a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta omissiva ou comissiva e o dano ocorrido.

Por fim, nos casos de responsabilização estatal, poderá o Estado entrar com uma ação de regresso contra o médico que ocasionou o dano. Entretanto, a demanda somente será possível, quando o ato praticado for ilícito.

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