Epocler
Publicado em 17 de fevereiro de 2008 por Sérgio Lisboa
Há uns anos atrás era vendido nas farmácias, um remédio, que vinha em pequenos frascos, em dose única, chamado Epocler (era pronunciado com "e" aberto no final: clér).
Este remédio era indicado, segundo os anunciantes, como auxiliar na má digestão e nos excessos gastronômicos e etílicos, ou seja, desembrulhava o estômago e era bom para a ressaca, sendo amplamente comercializado em todo o país.
O povo adorava o Epocler, cujas propriedades curativas, segundo boatos, já alcançava até reumatismos e câncer de próstata (esse, se estivesse no estágio inicial, é lógico!).
Já havia até crianças batizadas com esse nome, bem sonoro, por sinal: Epocler.
Lindo, não? "Epocler! Vai chamar a tua irmã, a Novalgina!"
Foi uma época mais feliz do que muitas. Inflação lá em cima, instabilidade geral e o povo mandando ver no Epocler, para agüentar tudo isso.
Já teve até quem gritasse um dia: - "Epocler para presidente!"
Não sei se por causa disto, mas para a surpresa de todos, um dia o governo anunciou que tiraria de circulação o remédio Epocler, pois havia sido provado que o mesmo não passava de um suco barato e que não atendia os requisitos curativos a que se destinava.
Meu Deus do céu!
O que se viu naqueles dias, foi a mais tresloucada corrida das pessoas às farmácias, para comprar todo o estoque que ainda restava nas prateleiras, antes do mesmo ser recolhido.
O câmbio, naquele dia de crash da bolsa de inversão de valores, chegou a duas carteiras de cigarro para cada dose de Epocler.
Foram dias de glória para o Epocler.
Contrariando todas as evidências científicas e todos os padrões de razoabilidade, as pessoas querem acreditar, talvez porque, tudo o que elas possuem seja de fato a sua fé, a sua esperança naquilo que vêem como certo, do mesmo modo em que a filha, contrariando todos os apelos de amigas, irmãs, mãe, pai, avô, avó, cachorro e até da família do próprio, se casa com o maníaco do Parque.
O dono da igreja "Deus Tá No Teu Bico", quando desmascarado, filmado, gravado, periciado, autopsiado, dizendo que criou aquela seita para fazer dinheiro em cima de alguns ingênuos, e em função disso, comemora-se, que pelo menos aquela seita se desintegre e desapareça, os seguidores alegam que estão sendo atacados por satã, que quer desviá-los do caminho certo e que, com o líder ou sem ele, eles vão levar adiante a pregação.
Tem coisas que são imponderáveis, mas pelo menos, fica mais fácil entender o porquê do fascínio pelo Epocler, pois em caso de um mau casamento, uma escolha religiosa errada ou o convívio diário com as mazelas que nos cercam, é preciso ter sempre, à disposição, um bom remédio para o estômago e para ressaca do dia seguinte, do resto de nossas vidas.
Sérgio Lisboa.