{Trazemos hoje uma entrevista com R.Cavalheiro F. com perguntas a propósito dos livros Debruçados sobre a escrivaninha 1 e 2 pela Editora Livrorama}}

 

P-Debruçados sobre a escrivaninha, tanto na sua parte 1 como na 2 não tem o formato de uma história ou um relato convencional. Como é isso afinal?

R-Não tem mesmo. Começaram e depois continuaram como um relato de anotações e tinham endereço certo. Guardar a memória de fatos ocorridos para que não se perdessem na lenda e na invencionice. São textos que não primavam por censura ou camuflagem de algumas verdades e alguns deslizes.

P-De onde surgiu essa abordagem e o que podemos esperar de “Debruçados...” ?

R-Era uma herança dos tempos da Ditadura e até mesmo postural das pessoas de época. Não era cabível apontar “fulano é comuna” ou “beltrano é homossexual” ou pior ainda “cicrana dorme com fulano”. Isto era uma transgressão. Podemos ter agora uma versão mais maleável dos acontecimentos e que talvez seja mais divertida pois retrata situações que se repetem mesmo em nossos dias talvez em outras formas.

P-Quem você espera alcançar neste texto?

R-Todos que percebem que suas imagens retratam uma situação que somente através do conhecimento social pode ser trabalhada para evoluir. Quanto mais luzes criamos mais a escuridão é diminuida.

P-Diga, como funciona isto, você retrata uma situação, um grupo ou  tudo é uma brincadeira?

R-Quando funcionário de estatal recordo de uma situação que exemplifica muito bem um perfeito retrato do pensamento burocrático escritorial. Certa ocasião necessitei um documento, uma copia de um texto publicado no Diário Oficial do Município, jornal oficial da Prefeitura que todo município que se preza tem. Acho que o tamanho e a periodicidade  depende da Edilidade. O exemplar era antigo, mas afinal quem deve dar conta disto é o arquivo morto. O funcionário que me atendeu ao telefone sentiu-se  acuado, desesperado, até surpreso.

Dizia-me: “isto aqui é imenso, enorme, é um pequeno mundo, não dá pra te atender...”. Uma situação surrealística.

Outro exemplo característico era a reunião de ‘escracho’ do Diretor com os chefes de área mudos e servientes realizada mensalmente. Esta história mereceu um conto no site. Uma história tenebrosa.

O relato do ‘Anjo exterminador’ e da Série A9 são acontecimentos do nivel de um ET de Varginha. Você não tem alternativa: acredtita ou não, é zero ou um. É o que dá força ao texto.

P-Havia vilões, herois e bandidos no povo do escritório. Tal como para Miss Marple a miniatura do mundo era  a aldeia de Saint Mary Mead.

R-Isso é verdade.

P-As suas capas são bem significativas. Kafka era um funcionário de escritório e falou da solidão e da luta do ser oprimido e sem reconhecimento. Como no ‘O processo’. Noutro a sala de reuniões dos assim chamados reuniólogos.

R-Sim, a primeira mentira que uma secretária aprendia a dizer era que o ‘chefe estava em reunião.’

P-Você não aborda relacionamentos amorosos e pessoais no Debruçados… Porque?

R-Porque são comportamentos inter-pessoais que em nada acrescentam ao quotidiano quando colocadas na vitrine exceto quando a finalidade é justamente discutir isto. Um DDR em público quero dizer. Tudo tem seus limites e contornos. Não se deve derrubar credibilidades pessoais.

P-As situações são reais ou ficcionais ?

R-Um amigo chamou estes textos de epopéia, outro de memória. Bem devo dizer que nenhum escrito é no meu entender totalmente ficção ou totalmente real. Só pelo fato de ter a forma e a marca de sua pena, ou da sua digitação como quiserem  já diferencia o imáginário e o concreto. A ficção é correlacionada a realidade. É a ‘licença poética’ do conto por assim dizer.  Uma releitura do real apresentada de uma outra forma. A epopéia é um documento que preserva e exalta os vencedores. Seu compromisso é com esses. A memória tem compromisso apenas com o real.

P-Quanto a forma que você criou? Como foi isso?

R-Saiu naturalmente. Quando vi já estava sendo feita. O tempo passava lá fora e as coisas aconteciam. Era isso. Era a nossa vida. Segundo um conhecido cálculo passamos um terço da vida dormindo e um terço no escritório. É um bocado de tempo. Alguns de nós que se utilizavam de ônibus fretados deviam acrescentar mais um sexto a esse tempo.  Um total de cinco sextos: é quase o bolo inteiro. Achei portanto que devia mencionar o fretado. Acho que ele até merecia uma história a parte. Foi isso. Assim estabelecemos a linha do tempo. Outros autores já mencionaram linhas em seus livros. Em outro enfoque.

P-Bom , agradeço por ter colaborado conosco e desejo que alcance seus objetivos.

R-Muito obrigado a você.

Antoine Dubois

A.Dubois realizou est entrevista com o colega e é tambem escritor.

Mini-Biografia

R. Cavalheiro F. (Santos, 2 de abril de 1945) é contista e cronista brasileiro. O curso médio, antigo colegial ou científico  concluído na escola pública no I.E.E. Canadá referência do ensino santista. Após os cursos de engenharia e Física Teórica na USP fixou-se profissionalmente em São Paulo onde fez parte dos quadros de empresas públicas e consultorias..

Trabalhou na area de informática, de inteligência artificial e física nuclear. Participou da fundação da Associação Brasileira de IA.

Pesquisador e estudioso de história, arquitetura e memória urbana, fotografia e cinema. Fotógrafo amador participou de diversas mostras no Brasil e no exterior. Suas fotos feitas nos últimos 30 anos foram já utilizadas como imagem de capa em suas obras. Também utilizou fotos de domínio público.

Contos e narrativas estão presentes em premiações escolares e menções recebidas  e concursos literários nacionais e estrangeiros que mereceram premiações e menções honrosas. A memória viva da cidade constantemente permeia parcela bastante significativa de sua obra.em textos e temas.

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