ENTREVISTA AVALIATIVA SOBRE LÍNGUA PORTUGUESA FEITA AO ACADÊMICO MANOEL HUIRES ALVES


Tutor: Segundo o linguista John Lyons "A Linguística é descritiva, não prescritiva". Explique por quê?

Manoel Huires Alves: Quando John Lyons declara afirmativamente que "A Linguística é descritiva, não prescritiva", ele está consciente de que o objeto da linguística consiste em procurar construir teorias científicas da estrutura da linguagem humana.

A linguística, surgida entre fins do século XVIII e princípios do XIX, cujo objeto de estudo é a linguagem verbal, ou seja, a língua, não se interessa pelo que a língua deve ser, mas sim pelo que ela é, sendo assim, não estabelece juízos de valor a respeito da língua, mas sim juízos de fato: sua postura é descritiva e não prescritiva.

Portanto, a linguística, devido ao seu caráter científico, não recomenda nem proíbe este ou aquele uso da língua, mas se detém, num primeiro momento, descrever tal uso, e, num segundo, tentar explicá-lo, aonde tal abordagem deve ser neutra, objetiva e imparcial.

John Lyons, mesmo considerando a Linguística antes descritiva que normativa e fazendo distinção entre descrição e prescrição, ele não nega que exista nos estudos lingüísticos um lugar para a prescrição.

Tutor: Segundo a UNESCO seis mil idiomas do planeta estão ameaçados de desaparecer. Então, por que uma língua deve ser preservada?

M. H. A: Sim, porque uma língua deve ser preservada? Antes de qualquer conceito toda língua tem a sua importância etnológica para o seu respectivo povo. E isto vale para qualquer povo no mundo, tanto vale para os nossos índios brasileiros como, naturalmente, vale para aqueles que são os donos da língua inglesa.

Com o processo de globalização, que se desencadeou no século XX, verificam-se várias transformações. Umas positivas, outras negativas. Uma que eu classifico como negativa, é a hegemonia da língua inglesa nos meios eletrônicos de comunicação, pois na Internet este idioma predomina na maioria dos sites, asfixiando as culturas em desenvolvimentos e, tornando assim, uma das causas para a extinção das línguas.

Ao preservarmos a língua de um povo, estamos contribuindo culturalmente para a existência desse povo. A diversidade cultural se dá pelas diferentes línguas existentes no planeta. As línguas são os recursos mais importantes para a comunicação da humanidade e devem ser encorajadas para que sejam mantidas. Os conhecimentos, tradições e costumes de cada povo devem ser respeitados e a identidade étnica precisa ser valorizada e fortalecida.

A língua é a identidade de uma nação, um código onde todo o conhecimento de um povo está organizado e, consequentemente, ela deve ser preservada tanto na oralidade e principalmente na escrita, pois todo idioma tem seu valor e na medida em que o povo perde a sua língua empobrece cada vez mais de sua riqueza cultural.

Tutor: Há Diferença entre língua e linguagem? Qual?

M. H. A: Bom, o resultado da adição da língua e da linguagem é a comunicação humana, ou seja, montando a equação fica assim: língua + linguagem = comunicação.

Mas, enfim, há diferença entre língua e linguagem? Sim e vejamos: língua é o conjunto de sinais que uma determinada comunidade usa para se comunicar e interagir entre si, ou seja, é um sistema de signos cujo funcionamento repousa sobre certo número de regras, de correções, que são as regras gramaticais.

Por outro lado, linguagem, é a representação do pensamento por meio de sinais, que permitem a comunicação e a interação entre as pessoas de certa comunidade. E quando estes sinais são representados por palavras - escritas ou faladas - é chamada linguagem verbal, ou, linguagem não-verbal, se estes sinais forem representados por gestos, imagens, sons, cores, expressões, etc.

Tutor: Segundo Coutinho (1985), o idioma falado pelo povo romano (o latim), não morreu, como erradamente se pensa, mas continua a viver transformado, no grupo de línguas românicas ou novilatinas. Como explicar esta afirmação?

M. H. A: O latim, língua mater (língua-mãe), deu origem às línguas românicas, dentre elas, o português. Atualmente é considerada, por muitos, uma língua morta. Mas, embora, não estando tão vivo quanto o Português, ele também não está tão morto quanto a língua dos hititas ou dos etruscos.

Contrariando a tal opinião de que o latim morreu, mostrarei algumas palavras ou expressões latinas, principalmente as utilizadas nos produtos de consumo que não somente continuam vivas, mas também fazem parte do nosso cotidiano, eis: A priori (partindo do que vem antes), curriculum vitae (curso de vida), lato sensu (em sentido amplo), sui generis (exemplar, único), magistra (mestra), Regina (rainha), sine qua non (sem a qual não; indispensável), etc.
Sem contar que o latim é muito utilizado pelos humanistas, os filósofos e os teólogos da Igreja, como notou A. Bacci: "O latim não morreu, nem podia morrer, porque foi chamado a participar da mesma indefectível vida da Igreja".

Tutor: Os soldados romanos dominaram, além do espaço geográfico dos povos vencidos, sua língua e seus costumes, isto é, romanizaram-nos. Para a romanização das populações nativas, alguns fatores foram preponderantes, entre eles, o recrutamento militar dos jovens, o excelente sistema rodoviário romano, o direito de cidadania concedido às urbes hispânicas pelos imperadores e, finalmente, o cristianismo. Esses fatores influenciaram a romanização dos povos conquistados?

M. H. A: Você já pensou sobre a força das palavras? Os romanos sabiam disto e com a romanização puderam estender a sua cultura alterando as estruturas socioeconômicas, linguísticas e culturais nos territórios que conquistavam.

Sendo assim, os romanos, ao submeter os povos pela força das armas, desenvolvia um processo de aculturação, o que levou à formação de sociedades onde, embora a diversidade fosse manifesta, havia uma matriz civilizacional comum.

Neste processo o Latim tornou-se indispensável e obrigatório, suplantando os idiomas já existentes, fato que favoreceu a divulgação dos elementos ideológicos romanos.

Tutor: O que significa o termo "gramática" para Chomsky?

M. H. A: Chomsky acrescentou certa vez que a linguagem é "a verdadeira distinção entre o homem e o animal" entendendo que nascemos com uma capacidade inata para adquirirmos a linguagem, pois, diz ele ainda, pela faculdade de linguagem que todo ser humano é dotado, que ele chama de gramática universal (GU), qualquer pessoa é capaz de aprender qualquer língua em particular.

Para, Noam Chomsky, a gramática deve ser plenamente explicitada, pois ela é um conjunto finito de regras que podem ser aplicadas para gerar somente aquelas sentenças infinitas em número, que são gramaticais em uma dada língua ou dialeto, e em outras não. Essa é a definição dada por quem popularizou o termo gramática.

Tutor: O que são os universais linguísticos?

M. H. A: Os universais linguísticos vêm sendo procurados desde a antiguidade. Chama-se universais linguísticos as semelhanças existentes entre todas as línguas do mundo e que permitem afirmar que, por exemplo, todas as línguas faladas têm vogais e consoantes.

Essas propriedades comuns existem em muitas línguas, mas, com o conhecimento e estudo de outras línguas, verifica-se que existem propriedades que na verdade não são universais, ou seja, inerentes a todas as línguas humanas e sim que sua coincidência nas línguas conhecidas deve ocorrer devido à difusão cultural.

Tutor: Agora, que tal um pouco de literatura. Que tem a ver a rigorosa fiscalização portuguesa no Brasil colonial com a literatura que se produzia no período?

M. H. A: No século XVIII, a ascensão da economia mineradora trouxe um intenso processo de criação de centros urbanos pela colônia acompanhada pela formação de camadas sociais intermediária. As famílias brasileiras e portuguesas aqui radicadas, favorecidas por esse desenvolvimento, passaram a enviar seus filhos para os cursos superiores em Portugal. Esses estudantes, formados pela Universidade de Coimbra e conhecedores dos ideais de igualdade e liberdade do pensamento iluminista, foram os principais responsáveis pelas manifestações literárias européias que aqui surgiram ao retornarem.

Devido a esses ideais iluministas, que eram contrários aos interesses da coroa, coube a metrópoles uma intensa fiscalização sobre o desenvolvimento literário produzido aqui, temendo um reforço da mentalidade intelectual destes intelectuais entre o povo.

Tutor: Que relação se estabelecia entre a elite cultural brasileira e o Iluminismo?

M. H. A: O Arcadismo, escola literária que surge após o barroco e formada por poetas como Cláudio Manuel da Costa, Basílio da Gama e Tomás Antonio Gonzaga e Silva Alvarenga, vem acompanhado de uma tendência artística chamada Iluminismo.

Esse movimento cultural definiu a fisionomia da Europa do século XVII e XVIII, centralizando-se em dois aspectos na tentativa de explicar todas as coisas: razão e ciência. Porém é no campo da filosofia que o Iluminismo se torna o precursor de ideários - principalmente na política - como a Revolução Francesa, a Independência dos Estados Unidos da America e, no Brasil, a Inconfidência Mineira.

Paralelamente ao momento histórico iluminista europeu, no Brasil, acontecia a queda da lavoura açucareira e a transferência do centro econômico para Minas Gerais, em razão da extração de minério. Nesta nova mentalidade comercial e burguesa, o Brasil - embora com uma elite cultural pequena - dá margem à repercussão do pensamento iluminista francês, na formação de varias bibliotecas particulares com uma vasta literatura francesa iluminista.

Tutor: Defina com suas palavras os termos Neoclassicismo, Arcadismo e Iluminismo.

M. H. A: Bem, o Neoclassicismo (neo = novo) foi um movimento cultural nascido na Europa entre o final do século XVIII e início do século XIX, caracterizando-se principalmente pela revalorização dos valores artísticos gregos e romanos, onde nas duas últimas décadas do século XVIII e nas três primeiras do século XIX, esta nova tendência estética predominou nas criações dos artistas europeus, identificando-se com a retomada da cultura clássica por parte da Europa Ocidental em reação ao estilo Barroco.

No Brasil Neoclassicismo chegou juntamente com a Missão Artística Francesa, grupo de artistas convidados por Dom João XI para fundar uma academia de artes no Rio de Janeiro, a Academia de Belas Artes.

O Arcadismo, também conhecido como Neoclassicísmo, surgiu no continente europeu no século XVIII, durante uma época de ascensão da burguesia e de seus valores sociais, políticos e religiosos. Esta escola literária caracterizava-se pela valorização da vida bucólica, dos elementos da natureza e pela busca da restauração dos ideais de sobriedade e equilíbrio da antiguidade clássica em contraposição aos excessos do período anterior, o Barroco. O nome originou-se de uma região grega chamada Arcádia.

No Brasil, o arcadismo chega e desenvolve-se na segunda metade do século XVIII, em pleno auge do ciclo do ouro na região de Minas Gerais. É também neste momento que ocorre a difusão do pensamento iluminista, principalmente entre os jovens intelectuais e artistas de Minas Gerais.

Já o iluminismo foi um movimento intelectual ligado aos valores da burguesia que ganhou força no final do antigo regime nos séculos XVII e XVIII na Inglaterra, caracterizando-se pelo racionalismo, antimercantilismo, antiabsolutismo e o anticlericalismo, que culminou com a Revolução Francesa, em 1789.

No Brasil não houve Iluminismo. Ele ocorreu na França e seus ideais foram espalhados a todo mundo, chegando aqui no Brasil através de franceses.

Tutor: Quais são os temas mais comumente explorados pelo Arcadismo?

M. H. A: O Arcadismo, além de temas amorosos, fez do bucolismo um tema privilegiado, em que a natureza era vista como um refúgio das noções de verdade e beleza. Daí a preferência por temas pastoris e pelas cenas da vida campestre, com suas paisagens, seu gado, simplicidade e costumes da vida rural, onde "o belo é o racional (verdadeiro) e o racional é o natural".

Adotou o termo latino "Inutilia Truncat" - corta o que é inútil - como lema, pois buscavam uma vida simples, bucólica, longe do burburinho urbano. Outro lema desse movimento é "Aurea Mediocritas" - mediocridade áurea - determinando a simplicidade e o ideal de uma existência tranqüila, sem excessos associados à natureza. Ou "Carpe diem" (aproveitar o dia), tema que foi estimulado por Horácio, um personagem que aparece bastante na Lírica ocidental, com um lugar-comum que mostrava a duração da vida, ou seja, o quanto ela era passageira. Viver o momento presente com grande intensidade foi uma atitude inteiramente assumida por esses poetas (Arcadistas). 


Por fim, outros temas, são:

- Fugere Urbem, que significa "evitar a cidade", ou seja, evitar contato com a sociedade, onde busca clareza e diz que o contato com a natureza era considerado uma alternativa saudável em uma cidade que estava em desenvolvimento urbano - época da industrialização - tornava intranqüila a vida nas cidades.

- Locus Amoenus, que significa lugar calmo, que usava a natureza como um cenário agradável. Devemos observar que no Arcadismo a natureza é artificialmente imitada da Literatura clássica, ou seja, o poeta não descreve uma paisagem realmente como ela é, mas a idealiza, passando a idéia de irreal, usando até entidades mitológicas.

Tutor: Em que consiste a despersonalização do lirismo (no Arcadismo)?

M. H. A: A ânsia do universalismo pela objetividade temática é o que consiste na despersonalização da poesia lírica, considerando que o lirismo é a expressão das emoções e da subjetividade e poderia tornar o poeta um individualista.

E um dos recursos de apoio para a despersonalização do lirismo foi a utilização de temas e personagens antigos - como o mito, a lenda e a história antiga - elementos da linguagem universal, como veículo da emoção. Outro apoio utilizado foi a adoção de gêneros e espécies tradicionais, onde permite, ao poeta, criar pontos de referência para explorar as particularidades dos sentimentos, propiciando e reforçando a comunicabilidade (um dos alvos do Arcadismo).

Tutor: Que é delegação pastoral, e qual é seu objetivo?

M. H. A: O poeta, travestido de pastor que abdica de sua voz própria e de sua biografia, a fim de abrir caminho, no poema, à imitação dos bucólicos antigos, tais como Teócrito e Virgílio, é o que podemos chamar de delegação pastoral.

E nesse entrelaçamento aonde as coisas que parecem distanciadas voltam a se reunir em unidade, o poeta sendo pastor, passa a "delegar" (objetivo da delegação pastoral) a sua voz a uma personalidade fictícia, que a filtra e a mantém em projeção, tornando-se diáfana ao ponto de não a comprometer entre o poeta-criador e o pastor-criação