“Entreatos” acompanha passo-a-passo o cotidiano agitado da campanha de Luiz Inácio “Lula” da Silva e te conduz a realidade envolvente dos bastidores, das histórias, as estratégias e as brincadeiras da equipe de campanha e do carismático candidato que por muitas vezes demonstra ser brincalhão e sensível e ao mesmo tempo também sagaz. Ao apresentar os bastidores da campanha você é colocado ao lado de Lula, permitindo assim, perceber a aura que se estabeleceu em relação ao ex-líder sindical que de forma invejável conseguiu superar todas as dificuldades de sua vida pobre até atingir o cargo máximo da república brasileira. Sua grande aceitação popular é decorrente de toda a trajetória de vida, desde particular/singular quanto à marcada por lutas sindicais/políticos-históricos. Consciente disso, Lula demonstra no documentário, saber representar toda essa história, tanto dos movimentos a ele associado, quanto da esperança depositada para o sonho da superação da pobreza.

A construção de “ficções” no campo da política perpassa pelo rearranjo de signos e imagens, pelas formas de ver, dizer e fazer. Fragmentar signos e gestos significa dar sentido a um universo. Sendo assim, através da mídia e dos diferentes tipos de materiais e signos por ela produzidos torna-se possível pensar a história e estabelecer uma rede de reconhecimentos de ações e sujeitos, e reforçar idéias e temas a eles vinculados. As imagens são racionalmente selecionadas e nos remete a concepções contemporâneas da construção do mito político e da imagem: imagem evocada pela intuição dos sentimentos a possibilidades de incitar a luta política. É evidente que jogos de cenas são elaborados, porém, ao emocionar-se nos comícios, abraçar as pessoas nas ruas e ter lágrimas nos olhos ao relembrar sua trajetória de vida, Lula não está tentando criar manchetes ou encenando para vender uma imagem sua que não condiz com a realidade, o que se vê é o homem real e cidadão humilde.

Ao assistir este documentário, percebe-se o quanto foi importante o direcionamento da mensagem ao público, seus discursos elaborados, e os contínuos ajustes e acertos para conclusão de uma mensagem final perfeita. Podemos considerar como ponto crucial destes discursos, a insistência de Lula em memorar suas histórias de operário, as trajetórias políticas e principalmente a relação com artistas nacionais que mesmo sem diplomas acadêmicos, legaram grandes feitos para a cultura brasileira. Este raciocínio comparativo almeja suscitar um conjunto de valores a sua imagem necessários a identificação social, sobressaindo o sujeito simples e bem-humorado, que continua indo a mesma barbearia e contador de boas histórias sindicalistas. Mais tarde, o mundo veio a reconhecer que pela primeira vez na história, por vias diretas, um representante do povão chegou à presidência da República. Goste-se ou não, o momento que Lula protagonizou é histórico. A bordo do avião de campanha, o candidato trava uma discussão política animada, e faz uma análise histórica sem falsa modéstia de seu papel na história política brasileira, e avalia seu momento: “O único político de prestígio nacional no Brasil de hoje sou eu”, diz Lula, que ainda deixa claro nas entrelinhas que sua época mais feliz acabou muito antes da Presidência. “Sempre sonho em almoçar sozinho e depois fumar minha cigarrilha sem falar com ninguém, mas sei que não vai acontecer, e não reclamo. Essa vida fui eu que escolhi”.

A imagem de “Lulinha, paz e amor” na verdade passou a ser construída desde 1979, quando ele deixou a fábrica. “30 anos de “macacão” não acostumei, mas 3 dias de gravata curti”, diz Lula. Esta construção é perceptível através de cada fala policiada, postura, vestimenta, a impecabilidade de tudo. Lula tem que se tornar um “produto” a ser vendido aos eleitores, seu nome, uma marca, tem de estar associado à esperança, ao novo, às respostas dos anseios sociais, à construção de um mito, por isto, o rigor no policiamento de suas falas. Neste momento suas crenças pessoais e ideologias já não importam mais, mesmo seus interesses políticos naquele primeiro momento são descartados, o que vale são os interesses de uma sociedade carente, dar o que eles (sociedade) querem.

Enquanto que, nas eleições anteriores, procurava-se por um representante que fosse intelectualizado para transmitir esta impressão aos outros países, a imagem associada ao candidato petista e transmitida a população em 2002 é que mais do que estudo, o governante deveria ter a compreensão dos problemas do povo, e que tivesse sentido na pele tudo isso, mesmo que para isto, o mesmo não tivesse gozado de instruções.

Entre “supostas” verdades e mentiras, Lula elegeu-se Presidente do país com grande aceitação nacional e internacional. Três anos após a eleição o partido e o candidato “do povão” estavam envolvidos em escândalos e crimes de corrupção como o do mensalão, correios e telégrafos. Todos seus “companheiros”, assim chamados por Lula (José Dirceu, Duda Mendonça, Antônio Palocci, Sílvio Pereira), antes mesmo de acabar o primeiro mandato foram desligados dos cargos. Inúmeros brasileiros questionaram a confiança e importância de seus votos: será que votamos em um candidato inocente, traído? Ou em uma figura/imagem especificamente criada por um “marketeiro”? “Marketeiro” este, que deu maior credibilidade a banalização dos votos ao confessar mais tarde, que a campanha fora paga com dinheiro advindo de “paraísos fiscais”. O filme deve ensejar debates que nos permitam compreender e participar mais ativamente da política nacional com o objetivo de exigir mais ética, dignidade, respeito e, evidentemente, atitudes lícitas que melhorem a qualidade de vida de nosso país e de todas as pessoas que aqui vivem.

Portanto, podemos fazer diversas reflexões sobre diversos aspectos. Será que as regalias trazidas pelo poder e as oportunidades de enriquecimento ilícito valem a pena? Para tal resposta, deve ser levado em consideração o atual momento vivido pelo ex-metalúrgico, nascido em família pobre e considerado por muito “semianalfabeto”, hoje titulado Doctor honoris causa e ganhando R$ 500.000,00 para ministra palestras.