Esse estudo objetiva analisar as diferentes concepções que os termos relacionados ao trabalho e ao não-trabalho – ócio, preguiça, lazer, etc. – assumiram ao longo da história, bem como compreender as transformações de sentido que esses termos tiveram dentro da sociedade capitalista burguesa da Europa do século XIX, estritamente ligada ao contexto da Revolução Industrial e ao universo do trabalho. As discussões serão fundamentadas nas teorizações de Joffre Dumazedier, Max Weber, Karl Marx e Paul Lafargue, em que buscaremos inferir a forma que estes influenciaram na compreensão das atividades relacionadas ou não ao trabalho.

O século XVIII marca o início de um processo lento de transformações econômicas no domínio do trabalho, que provocou inúmeros desdobramentos sociais. O homem pré-Revolução Industrial, caso fosse camponês, trabalhava no campo, conforme as condições da natureza, ou, caso fosse artesão, em casa, sob a demanda dos clientes de seus produtos. Ambos não sabiam previamente o tempo que disporiam seus trabalhos, pois dependiam de condições alheias a eles; logo, poderiam se organizar seus tempos de lazer e descanso.

Decca (1996) destaca que as primeiras transformações da Revolução Industrial não foram tecnológicas, mais em relação às noções de tempo e de espaço. O trabalhador, inserido num ambiente fechado, como a fábrica, por um determinado número de horas, tendo o seu trabalho controlado pelo relógio e pelo supervisor, perde a temporalidade da vida do campo, em que o trabalho (e o lazer) eram ditados pelo ritmo da natureza.

O controle e o poder do empresário capitalista, citados por Decca, representavam uma maior hierarquização e disciplina do trabalho, através da vigilância do processo produtivo e uma série de regras e normas impostas por contra-mestres e supervisores. Implicava a implantação de um "relógio moral" nos trabalhadores, em que o novo tipo de disciplina se baseava na pontualidade, nas regras de cuidado e limpeza, na diminuição do desperdício e na proibição de bebidas alcoólicas. Além disso, a divisão do processo produtivo em etapas retirava do trabalhador o "saber técnico" da produção, transferindo-o ao controle do empresário.

No sistema de fábrica, o capital encontrou as bases para seu domínio e expansão. Com as novas relações sociais vigentes – abolição das guildas e corporações de ofício –, o crescimento das cidades, a tecnologia permitiu o desenvolvimento contínuo da produção e do consumo de bens que visavam atender a mercados cada vez mais promissores, na América, na Ásia e na África, fontes de valiosas matérias-primas e compradores dos produtos industrializados. Além disso, o domínio burguês consolidou um novo estilo de vida baseado na posse de bens materiais – objetos, tecidos, mobília – sinais de status e riqueza. Todo esse processo era possibilitado graças à nova divisão social do trabalho e a busca constante pelo lucro.

As significações relacionadas à noção de trabalho, essenciais para compreender a gênese do capitalismo e da industrialização, tiveram, porém, diferentes sentidos ao longo da história, e merecem ser analisadas, tendo em vista que, em cada espaço e temporalidade, assumiram variadas formas e representações.

A visão do trabalho teve um caráter negativo durante muito tempo. Segundo a tradição judaico-cristã, a expulsão de Adão e Eva do Paraíso traz consigo o castigo do trabalho imposto: "Com o suor do teu rosto comerás teu pão" (Gn, 3: 19). Dessa forma, o não-trabalho, a preguiça, transforma-se num dos pecados capitais do período medieval, a "mãe de todos os vícios".[1]

A própria palavra latina que dá origem ao nosso vocábulo "trabalho" é tripalium, instrumento de tortura usado para empalar escravos rebeldes e derivada de palus, estaca, poste onde se empalam os condenados. E labor (em latim) significa esforço penoso, dobrar-se sobre o peso de uma carga, dor, sofrimento, pena e fadiga. (CHAUÍ, 1999, p. 12).

Os gregos denominavam de ócio o tempo livre, atribuindo-lhe maior valor que à vida de trabalho. A etimologia da palavra "ócio" orienta-se no mesmo sentido: o ócio se diz em grego skolé, de onde vem a palavra "escola". Para os eles, só era possível dedicar-se às atividades intelectuais e artísticas se não se estivesse escravizado pela obrigação de trabalhar. Dessa forma, o ócio não significava estar ocioso no sentido de não fazer nada, mas, conforme Bacal (2003, p. 43) "dedicar-se operações de natureza intelectual e espiritual que se traduziam no exercício da contemplação da verdade, do bem e da beleza, de forma não utilitária".

Constata-se que a concepção clássica de ócio, entre gregos e romanos, está penetrada de idéias de contemplação. O filósofo Sêneca elaborou uma distinção entre otium e negotium: "o ócio, para ele, se contrapõe ao negócio, ou seja, o homem ocupado com diversas atividades – exército, comércio, Estado – encontra seu descanso e diverte-se pelo ócio" (BACAL, 2003, p. 46).

No mundo medieval, a nobreza, como nova classe ociosa, considerava uma honra e um mérito não precisar trabalhar, desmerecendo o trabalho. A contemplação transfere-se para a busca de Deus e o cultivo da fé.

Para Dumazedier (1999), o tempo fora do trabalho é, evidentemente, tão antigo quanto o próprio trabalho, porém o lazer[2] possui traços específicos, característicos da Revolução Industrial, e não dos períodos anteriores:

Nas sociedades do período arcaico, o trabalho e o jogo estão integrados às festas pelas quais o homem participa do mundo dos ancestrais. [...] O lazer é um conceito inadaptado ao período arcaico. Nas sociedades pré-industriais do período histórico, o lazer não existe tampouco. O trabalho inscreve-se nos ciclos naturais das estações e dos dias. [...] Seu ritmo é natural, ele é cortado por pausas, cantos, jogos, cerimônias. Em geral, se confunde com a atividade do dia: da aurora ao pôr-do-sol. Entre trabalho e repouso, o corte não é nítido. [...] Os festejos são indissociáveis das cerimônias; dependem geralmente do culto, não do lazer. [...] A ociosidade das classes aristocráticas da civilização tradicional (filósofos da Grécia antiga ou fidalgos do século XVI) não pode, igualmente, ser considerava lazer. [...] Esta ociosidade não se define em relação ao trabalho. Ela não é nem um complemento, nem uma compensação; é um substituto do trabalho. (p. 26-7).

Dessa forma, para Dumazedier (1999), "o lazer não é a ociosidade, não suprime o trabalho; o pressupõe" (p. 28). Essa ligação estreita entre trabalho e não-trabalho (lazer, ócio), rompe-se no período moderno, quando o trabalho adquire um sentido primordial na existência humana. Essa mudança é verificada a partir da Renascença, quando, em decorrência de razões políticas, econômicas e sociais, a própria atitude do homem em relação aos valores que regem a vida é modificada. A desarticulação do processo feudal, o crescimento comercial e das cidades, as grandes navegações, a Reforma religiosa e o desenvolvimento do capitalismo mercantil vão modificar todos os fatores do contexto.

Essas transformações são profundamente analisadas por Weber. Este enfatiza que o "espírito do capitalismo" existiu nas mais diversas classes sociais, em todas as épocas e nações, mas foi no Ocidente, na era moderna, que se desenvolveu um capitalismo completamente diferente, através da organização racional do trabalho livre (formalmente, ao menos), da separação dos locais de trabalho daqueles de residência e da criação de uma contabilidade racional. "O capitalismo racional moderno baseia-se nos meios técnicos de produção e em um determinado sistema jurídico, além de uma administração orientada por regras formais" (WEBER, 2003, p. 13).

Weber está interessado em verificar qual a influência da religião na origem do moderno sistema econômico capitalista-industrial, mostrando como se dá o progresso da racionalização no Ocidente, fato que não aconteceu no Oriente. Para Weber, essa resposta estava nas características da ética protestante, principalmente a de raiz calvinista.

De acordo com a doutrina de Calvino, todos os homens são pré-destinados por Deus para a salvação ou para a condenação. Somente Deus, na sua sabedoria e bondade eterna, sabe e escolhe quem será salvo ou não (doutrina da pré-destinação). Nada do que o homem fizer por esforço próprio faz diferença: tudo depende de Deus. Apesar de só Deus possuir essa resposta, os calvinistas acreditavam que obtendo sucesso no trabalho, Deus estaria lhes fornecendo a salvação. Poupar, não esbanjando dinheiro em atividades desonestas ou luxuriosas, gastando somente o necessário.

Para Weber, esta ética do trabalho acabou dando suporte para um comportamento indispensável para a origem do capitalismo: a busca do lucro, através do trabalho metódico e racional. Mesmo com o progresso de secularização da vida, a ética do trabalho se expandiu e se consolidou no Ocidente. Com o tempo, a motivação da busca do lucro se desligou da religião e ganhou vida própria.

Dessa forma, é possível compreender como uma nova moral de trabalho fundamenta a ação dos indivíduos e Estados capitalistas a partir da intensificação do processo da Revolução Industrial. Possibilita também entender a razão do "triunfo do capitalismo", pois, segundo Hobsbawm (1996), representava

[...] o triunfo de uma sociedade que acreditou que o crescimento econômico repousava na competição da livre iniciativa privada, no sucesso de comprar tudo no mercado mais barato (inclusive trabalho) e vender no mais caro. Uma economia assim baseada e, portanto, repousando naturalmente nas sólidas fundações de uma burguesia composta daqueles cuja energia, mérito e inteligência os elevou a tal posição, deveria – assim se acreditava – não somente criar um mundo de plena distribuição material mas também de crescente esclarecimento, razão e oportunidade humana, de avanço das ciências e das artes, em suma, um mundo de contínuo progresso material e moral. (p. 19).

Essa "paixão" pelo trabalho não deixou de contaminar os trabalhadores que, mesmo explorados, foram modelados a seguir a disciplina e o controle das fábricas. Como observa Hobsbawm (2000), o prazer no trabalho era mais comum do que se possa pensar. "O estigma moral contra a moleza era e permaneceu muito grande entre esses grupos." (p. 405). O discurso moralizante e de crítica à ociosidade está presente no irônico poema citado por Thomson:

"Preguiça, silenciosa assassina, não mais

tenha minha mente aprisionada

Não me deixes nenhuma hora mais

contigo, sono traidor". (E.P. Thompson, p. 282. In: DECCA, 1996, p. 16).

A ética burguesa do trabalho que Weber analisa, ignora a formação histórica do capitalismo e a luta de classes que Karl Marx critica em sua obra O Capital. Dessa forma, Weber não faz uma crítica ao sistema capitalista como faz Marx, pois não questiona se a sociedade é racional para os produtores de capital, isto é, para a classe trabalhadora.

Para Marx, o trabalho, em si mesmo, é uma das principais dimensões da vida humana, pois é através dele que o homem domina a natureza e satisfaz suas necessidades vitais básicas, além de externar sua capacidade inventiva e criadora, ou seja, o sujeito se reconhece como produtor do objeto. No trabalho alienado[3], segundo Chauí (1999)

[...] ao contrário, o trabalhador não se reconhece como produtor de obras, pois a divisão social do trabalho, imposta pelo capitalismo, obriga que ele desconsidere as aptidões individuais e o force a alienar (vender) seu trabalho para uma outra classe social, a burguesia. "Reduzido à condição de mercadoria que produz mercadorias, o trabalho não realiza nenhuma capacidade humana do próprio trabalhador, mas cumpre as exigências impostas pelo mercado capitalista. (p. 35).

O tempo das atividades realizadas fora do trabalho (o tempo liberado) consistia no tempo necessário e apenas suficiente para a recuperação das energias. Assim como a finalidade era produzir muito por um custo mínimo, a jornada de trabalho era extensa. Ia de 12 horas por dia, atingindo até 16 horas, utilizando usualmente o trabalho infantil e das mulheres, mão-de-obra abundante e barata. O lazer, portanto, nesse contexto, "é sinônimo de descanso, de revigoramento do físico para enfrentar uma nova jornada" (DUMAZEDIER, 1980, p. 38).

De acordo com as leis de mercado impostas pela sociedade capitalista, os trabalhadores viam-se obrigados a aceitar as piores condições de trabalho, com salários baixos, pobreza, miséria, fome, frio, doenças para terem o direito ao trabalho, com o que terão salário para comprar o mínimo daquilo que eles mesmo produziram. (CHAUÍ, 1999, p. 37). Esse direito ao trabalho foi o objeto de estudo e crítica de outro pensador importante do final do século XIX, Paul Lafargue[4], autor de O Direito à Preguiça[5]. Nesta obra, o autor intenciona resumir as idéias de Marx para divulgá-las entre os operários revolucionários franceses. O contexto em que Lafargue escreve é o da longa crise econômica francesa dos anos 70-80 do século XIX, quando

a burguesia explora ferozmente o proletariado. A baixa dos salários, a aumento do custo de vida, a jornada de doze horas, a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores, o deslocamento ou fechamento de fábricas, as greves locais e parciais reprimidas pelas forças da ordem com derramamento de sangue, e as guerras coloniais para a conquista de novos mercados, e evidenciavam que era a hora e a vez de a classe operária agir revolucionariamente. (CHAUÍ, 1999, p. 23).

O Direito à Preguiça visava alcançar o proletariado no sentido de lhe incutir as idéias de consciência de classe e luta contra a exploração do trabalho. Por isso a obra é uma crítica ácida à ideologia do trabalho, isto é, ao trabalho alienado, que empobrecia o proletário e enriquecia o burguês. Lafargue pensara em intitular seu panfleto como direito ao lazer e, depois, como direito ao ócio. A escolha da preguiça não foi casual.

Ao escolher e propor como direito um pecado capital, o autor visa diretamente ao que denomina "religião do trabalho", o credo da burguesia, (não só francesa) para dominar as mãos, os corações e as mentes do proletariado, em nome da nova figura assumida por Deus, o Progresso. (CHAUÍ, 1999, p. 24).

Para Lafargue, a religião é o instrumento de dominação de classe, porque parece confortar a massa proletária explorada através da tradição judaico-cristã de recompensa na vida eterna, mas que legitima a exploração do trabalhador pelo burguês. Esse anticlericalismo vai de encontro ao de Marx, quando afirma que a religião é o "ópio do povo".

Lafargue, com uma retórica elaborada, denuncia uma "estranha loucura" que se apossou da classe operária francesa, a paixão pelo trabalho assalariado:

E dizer que os filhos dos heróis do Terror se deixaram degradar pela religião do trabalho a ponto de aceitar, após 1848, como uma conquista revolucionária, a lei que limitava a doze horas o trabalho nas fábricas; eles proclamavam, como sendo um principio revolucionário, o direito ao trabalho. Envergonhe-se o proletariado francês! Somente escravos seriam capazes de tamanha baixeza [...] E se as dores do trabalho forçado, se as torturas da fome se abateram sobre o proletariado em número maior que os gafanhotos da Bíblia, foi ele que as invocou. O trabalho que, em 1848, os operários exigiam, armas nas mãos, foi por eles imposto a suas famílias; entregaram, aos barões da indústria, suas mulheres e seus filhos. Com suas próprias mãos, demoliram seus lares; com suas próprias mãos, secaram o leite de suas mulheres; as infelizes, grávidas, que amamentavam seus filhos, tiveram de ir para as minas e manufaturas curvar a espinha e esgotar os nervos; com suas próprias mãos, estragaram a vida e o vigor de seus filhos. Envergonhem-se os proletários! (p. 71).

Lafargue não se conforma com o fato de que os operários reivindiquem o trabalho como um direito, pois não aceita que aquilo mesmo que os destrói lhes apareça como conquista. Ele se caracteriza por ser um escritor exímio, que domina com requinte os instrumentos da retórica e é capaz de segui-la com sofisticação, pois sabe que a oralidade é essencial num panfleto revolucionário, escrevendo com as emoções, a fim de comover e persuadir. (CHAUÍ, 1999, p. 30-1).

Lafargue insiste no que chama de superprodução, isto é, um excesso de mercadorias continuamente lançadas no mercado, que os burgueses, sozinhos, não têm como consumir e que o proletariado está proibido de consumir porque seu salário não lhe dá direito a elas. É aí que se situa a principal crítica de Lafargue, que consciente de que o uso racional das máquinas, proporcionado pela crescente industrialização, poderia seguramente, reduzir a jornada de trabalho para, conforme seus cálculos, três horas e o ano de trabalho poderia durar apenas seis meses. Porém, Lafargue vê que o trabalhador não está consciente disso, pois

À medida que a máquina se aperfeiçoa e elimina o trabalho do homem com uma rapidez e precisão cada vez maiores, o operário, em vez de prolongar seu descanso na mesma medida, redobra seus esforços, como se quisesse rivalizar com a máquina. Que concorrência absurda e assassina! (p. 88).

Assim, enquanto o proletário vive na miséria e explorado por jornadas de trabalho cada vez maiores, alimentando a produção que as máquinas dariam conta, a superprodução que seu excesso de trabalho produz gera o superconsumo de uma burguesia que, com tanta fartura e riqueza, se entrega ao ócio e a preguiça, pois uma "classe doméstica" – as mulheres dos operários, em sua maioria – dedica-se a satisfazer seus gostos, caprichos e prazeres luxuosos e fúteis. Ao mesmo tempo, essa superprodução exige que a burguesia crie novos mercados nos outros continentes, através de necessidades fictícias e da exploração de outros povos, todos à mercê da burguesia. Diante disso, Lafargue se pergunta, e por fim, propõe:

Uma vez que o vício do trabalho está diabolicamente ancorado no coração dos operários; uma vez que suas exigências sufocam todos os outros instintos da natureza; uma vez que a quantidade de trabalho exigida pela sociedade é necessariamente limitada pelo consumo e pela abundância de matéria-prima, por que devorar em seis meses o trabalho do ano todo? Por que não distribuí-lo uniformemente pelos doze meses e forçar os operários a se contentaram com seis ou cinco horas diárias, em vez de terem uma indigestão de doze horas durante seis meses? Tendo assegurada sua porção cotidiana de trabalho, os operários já não terão inveja uns dos outros, já não brigarão para tirar o trabalho das mãos e o pão das bocas uns dos outros; e, então não estando esgotados do corpo e da mente, começarão a praticar as virtudes da preguiça. (p. 99-100).

Lafargue propõe, dessa forma, uma inversão paradoxal dos valores burgueses e operários, considerando o trabalho um vício diabólico e a preguiça a mãe das virtudes. Assim, intencionava estimular a diminuição do tempo de trabalho para que os operários começassem a praticar "as virtudes da preguiça" (boa mesa, boa casa, boas roupas, festas, dança, música, sexo, ocupação com as crianças, lazer e descanso) e tempo para pensar e fruir da cultura e das artes" (CHAUÍ, 1999, p. 44-5).

É nesse período da Revolução Industrial, também, que o termo lazer passa a ser mais utilizado, inclusive em substituição ao ócio. "A conotação desse vocábulo aproxima-se da idéia de licença, bem com de parcelas de tempo livre legalmente obtidas" (BACAL, 2003, p. 69). Bacal afirma que o fator preponderante na redução da jornada de trabalho foi o progresso técnico, que permitiu que, mesmo com a diminuição das horas de trabalho se aumentasse consideravelmente o volume da produção industrial.

Dumazedier (2000) também afirma que a instauração da jornada de oito horas, no início do século XX, provocou a esperança e também a inquietude dos reformadores sociais quanto à organização dos tempos dos lazeres, propondo um interessante questionamento: "o tempo liberado seria utilizado para o florescimento ou para a degradação da personalidade?" (p. 21).

Além de controlar o corpo e a mente dos trabalhadores por meio da organização do trabalho em "sistemas de fábricas", a sociedade burguesa também controlou "as conquistas proletárias sobre o tempo de descanso, ou o chamado "tempo livre". A indústria cultural, a indústria da moda e do turismo, a indústria do esporte e do lazer estão estruturadas em conformidade com as exigências do mercado capitalista, que foi moldado às custas da exploração do trabalho do operariado, que não conseguiu ter direito à preguiça reivindicada por Lafargue.

Referências

BACAL, Sarah. Lazer e o universo dos possíveis. São Paulo: Aleph, 2003;

CHAUÍ, Marilena. Introdução. IN: LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec; Unesp, 1999;

DECCA, Edgar Salvadori de. O nascimento das fábricas. São Paulo, SP. Brasiliense, 1996;

DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e Cultura Popular. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva: SESC, 2000;

____________________. Sociologia empírica do Lazer. São Paulo: Perspectiva: SESC, 1999;

____________________. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SESC, 1980;

HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital (1848-1875). 9ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996;

__________________. Os trabalhadores. Estudos sobre a História do Operariado. 2ª edição. São Paulo: Paz & Terra, 2000;

LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec; Unesp, 1999;

MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. Volume I. São Paulo: Abril Cultural, 1983;

___________. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. 5 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991;

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 2ª ed. Pioneira Thomas, 2003;



[1] A idéia do trabalho como desorna e degradação, não é exclusiva da tradição judaico-cristã. Ela "[...] aparece em quase todos os mitos que narram a origem das sociedades humanas como efeito de um crime cuja punição será a necessidade de trabalhar para viver. Ela também aparece nas sociedades escravistas antigas, como a grega e a romana, cujo poetas e filósofos não se cansam de proclamar o ócio um valor indispensável para a vida livre e feliz, para o exercício da nobre atividade da política, para o cultivo do espírito (pelas letras, artes e ciências) e para o cuidado com o vigor e a beleza do corpo (pela ginástica, dança e arte militar), vendo o trabalho como pena que cabe aos escravos e desorna que cai sobre homens livres e pobres." (CHAUÍ, 1999, p. 11).

[2] A etimologia da palavra lazer vem de loisir, que se originou de licet, que em latim significa "o que é permitido, licença". (BACAL: 2003, p. 69).

[3] As palavras "alienação" e "alienado" são derivadas de um pronome da língua latina, aluenus, aliena, alienum, que significa "outro, outra" no sentido de "alheio, alheia". (CHAUÍ: 1999, p. 33).

[4] Lafargue nasceu em Santiago de Cuba, em 1842, com descendência de mulatos, índios, judeus e franceses. Mudou com os pais para Bordeaux, em 1851 e iniciou, anos mais tarde, o curso de medicina em Paris, que veio a terminar em Londres, onde, em 1865, que conhece Engels e Marx, com cuja filha, Laura, se casou em 1868. Engajado no Conselho-Geral da Primeira Internacional, dirigida por Marx, em 1871, volta à França durante a Comuna de Paris e após a violenta repressão ao movimento, é obrigado a se exilar com esposa e filho, na Espanha e na Holanda, até voltar à Londres.

[5] Panfleto revolucionário escrito em 1880, publicado no jornal socialista L'Égilaté, numa série de artigos entre 16 de junho e 4 de agosto do mesmo ano, editado com brochura em 1881, revisto e reeditado em 1883, voltando a ser impresso em 1898 e 1900, O Direito à Preguiça teve um sucesso sem precedentes, comparável apenas ao do Manifesto Comunista, tendo sido traduzido para o russo antes mesmo desse último. Em 1968, traduzido para quase todas as línguas, O Direito à Preguiça foi panfletado pelos movimentos esquerdistas de praticamente o mundo inteiro e, desde então, tem sido constantemente republicado" (p. 16-7).