Universidade Federal de Mato Grosso Campus Universitário de Rondonópolis Instituto de Ciências Humanas e Sociais Departamento de Letras ENTRE O CEDO, ETERNAMENTE E SEMPRE: UMA AULA DE ADVÉRBIO Jane Rodrigues da Silva Ensaio acadêmico apresentado à disciplina Língua Portuguesa III, como atividade avaliativa, sob a orientação do Prof. André Luis Rauber. Rondonópolis-MT Dezembro-2008 Entre o cedo, eternamente e sempre: uma aula de advérbio. Em uma das minhas aulas de estágio de observação realizada no ano de 2008, aproximadamente no mês de outubro, me surpreendi com uma aula de gramática na sétima série do Ensino Fundamental, em que a professora explicava sobre advérbio, seus conceitos e suas classificações, com auxílio do livro didático e, após essa explicação, aplicou os exercícios contidos nele. O livro trazia um soneto de Luís de Camões, “Alma minha gentil que te partiste”, com apenas a primeira estrofe, e quatro perguntas relativas ao poema, mas não de interpretação e sim de morfologia, em que o aluno tinha que retirar as locuções adverbiais, os advérbios e atribuir suas classificações. Foi neste momento que ocorreu minha surpresa, como a professora conseguiria explicar e corrigir os exercícios tendo em mãos um soneto de Camões, que traz uma linguagem difícil, e também por se tratar de um soneto e trabalhar com ele numa aula de gramática e como os alunos iriam conseguir resolver com base apenas na explicação retiradas do livro didático? Talvez eles nunca tivessem trabalhado com um soneto, agora eles teriam que procurar advérbio nele. Percebi uma grande dificuldade tanto da professora quanto dos alunos em relação às atividades e um grande constrangimento da professora por não saber como trabalhar o exercício de acordo com que o livro pedia. Para demonstrar essa “pequena” dificuldade, vamos para a classificação primeiramente do que seja advérbio e depois sobre locução adverbial de acordo com o livro didático, utilizado naquela aula. Temos então a definição: “Advérbio palavra invariável que modifica o sentido do verbo, acrescentando a ele determinada circunstâncias (de tempo, de modo, de intensidade, de lugar etc.)” (AMARAL, FERREIRA e ANTONIO, 2003:425). Então, analisando a explicação, temos advérbio que não aceita alteração em sua forma, por isso é chamado de palavra invariável tendo como função modificar o sentido do verbo, “com distribuição e funções às vezes muito diversas” (CUNHA e CINTRA, 2007:556). Para explicar, o livro didático apresenta três tipos de exemplos, sendo eles: 1- As encomendas chegaram. As encomendas chegaram ontem. 2- Um lindo balão atravessava o céu. Um lindo balão atravessava lentamente o céu. 3- A platéia vibrou com o espetáculo. A platéia vibrou muito com o espetáculo. Nos exemplos, temos em destaque os advérbios modificando o verbo, respectivamente representando circunstância de tempo, modo e intensidade, modificando completamente o sentido das frases. Observem que o livro traz exemplos fáceis e bem simples para a linguagem do aluno e seguindo a definição do que seja advérbio. Então, até aqui tudo bem. Agora passemos para a classificação de locução adverbial, seguindo o mesmo material. Locução Adverbial é “toda expressão formada por mais de uma palavra e que funciona como advérbio” (AMARAL, FERREIRA e ANTONIO, 2003:425). Uma definição não muita clara, não especifica exatamente quais palavras seriam essas. Utilizando como reforço, CUNHA e CINTRA (2007:558) ressaltam que as Locuções Adverbiais “formam-se da associação de uma preposição com um substantivo, com um adjetivo ou um advérbio”. Porém, a partir da primeira definição, o livro didático traz como exemplo: 1. As notícias chegaram cedo. 2. As noticias chegaram de manhã. No primeiro exemplo, temos “cedo”, uma única palavra, advérbio de tempo, e no segundo “de manhã”, mais de uma palavra, locução adverbial de tempo. Neste exemplo, o livro trouxe duas frases que serviram de comparação para mostrar a diferença entre o advérbio e a locução adverbial. Depois dessas definições, chegamos ao “mote” para o grande problema que particularmente encontrei a partir desses exemplos, dessa explicação: resolver os exercícios procurando advérbios e locuções adverbiais no soneto abaixo, como havia citado: Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste. Analisando os exercícios retirados do livro didático, o qual serve de base para os alunos efetuarem os exercícios e para as atividades de exercitação, podemos observar quanta diferença temos entre os exemplos dados e a aplicação nos exercícios. Primeiramente temos os exemplos compostos por frases livres, descontextualizadas e que seguem a ordem estrutural direta (sujeito, verbo e objeto), e o advérbio sempre do lado do verbo, enquanto que os exercícios trazem um soneto, o qual possui um contexto, embora apareça somente a primeira estrofe e uma ordem estrutural inversa, dificultando assim a procura dos advérbios e locuções adverbiais. Se o objetivo dos exercícios era facilitar o entendimento e o desenvolvimento do aluno, acredito que causou muitas dúvidas e falta de interesse pela matéria. Penso que utilizar poemas e/ou sonetos em aula de gramática, para explicar substantivo, adjetivos, advérbios, ou seja, as classes gramaticais, talvez não seja a melhor solução para resolver as dificuldades dos alunos e para estimular o seu entendimento, pois, ao invés de estarmos atraindo, despertando a curiosidade para textos literários, estaríamos afastando-os, fazendo com que eles tenham desinteresse pela estética literária e pela importância da gramática, neste caso a gramática normativa para produções de textos. Entretanto se utilizássemos, como, por exemplo, o soneto, em sua estrutura completa, como aparece abaixo, discutíssemos com os alunos sobre o significado do poema, sobre o autor, o contexto histórico, enfim, fizéssemos uma análise livre do poema, em que cada aluno pudesse expressar o seu ponto de vista e a partir da discussão pedir uma produção textual aos alunos, este poderia ser utilizado como objeto de trabalho do professor para estudar gramática com os alunos, através das dificuldades gramaticais encontradas em seus textos. Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida, descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste. Se lá no assento etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente Que já nos olhos meus tão puro viste. E se vires que pode merecer-te Alguma cousa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou. (Luís de Camões) Assim como um poema, uma crônica, um conto, ou seja, diversos textos literários utilizados como pretexto para depois aproveitá-los para elaboração de um texto, possa ser uma forma a partir da qual o professor poderia estimular os alunos para a leitura e como uma conseqüência para uma boa elaboração de textos e trabalhando assim a gramática, rompendo um pouco ou completamente a estrutura de aplicações de exercícios trazidos no livro didático, facilitando assim o trabalho do professor e do aluno evitando transtornos e a falta de entendimento para ambas as partes diante do conteúdo exposto em sala de aula. Portanto, acredito que ainda podemos encontrar soluções, metodologias que sejam capazes de fazer com que aula de Língua Portuguesa não seja uma mera “transmissão de conteúdos expostos no livro didático em uso” (NEVES, 2002:238) e que num futuro bem próximo possa dizer “Entre o ontem, hoje e amanhã uma nova aula de advérbio”. Referências bibliográficas AMARAL, Emília; FERREIRA, Mauro; LEITE, Ricardo e ANTONIO, Severino. Novas palavras. 2.ed. São Paulo: FTD, 2003. CUNHA, Celso e CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 4.ed. Rio de Janeiro: Lexicon Editora Digital, 2007. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Unesp: 2002.