O Ensino Superior no Brasil

Marília Costa Morosini é bacharel em Ciências Sociais, mestre em Sociologia Educacional, com doutorado e pós-doutorado em Educação. Tem vasta experiência na área de Fundamentos da Educação, atuando em educação e Ensino Superior, formação de professores, entre outros. Aborda o Ensino Superior no Brasil (in Histórias e Memórias da Educação no Brasil - o Ensino Superior, capítulo 20: 2009), do período colonial até a atualidade, esmiuçando a trajetória da transformação social, política e da globalização.

O trabalho, primeiramente, examina as cátedras aglutinadas, em seguida, a figura acadêmica administrativa central, e por último, o sistema de Educação Superior do séc. XXI. A abordagem subdividiu-se nos seguintes tópicos: períodos colonial, Imperial e Republica Velha, período republicano, período da modernização universitária, findando com a internacionalização do Ensino Superior.

Para maiores esclarecimentos e compreensão, Morosini vale-se de 2 quadros ilustrativos, demonstrando a origem do Ensino Superior no Brasil,  suas legislações, e ainda, de algumas fotos de constatação  e teor histórico.  Consultou várias fontes para o seu embasamento: dados de institutos e instituições, bem como, elucidações e visões de estudiosos, tais como: Mattos, Ribeiro, Azevedo, Campos, Cunha, Leite, Berger, Fávero, Vieira, Oliven, Luce, Dias e Stiglitz.

A origem do Ensino Superior no Brasil compreende o período de 1808/1889, com a chegada da família Real, apesar de tentativas anteriores no século XVI, com o Colégio dos Jesuítas, salvo alguns poucos cursos de extensão.  Os pertencentes às famílias abastadas formavam-se na Europa, pois não era conveniente intelectualizar a população. Mentes “pensantes” poderiam afastar o país da condição de colônia.

Como se cortaram relações com a Europa, precisou-se de profissionais capacitados para atender a família Real, que suprissem áreas, principalmente, de Medicina e Direito, assim, foram criados os primeiros cursos superiores no período colonial. Por  tal, seguem-se legislações para o Ensino Superior no Brasil a partir de 1808, com as cartas Régias, sendo a primeira do príncipe Regente, autorizando a criação do primeiro curso superior (São Salvador), e a Escola de Cirurgia, também na Bahia.

Os cursos eram bastante rudimentares, regulares, com duração de quatro anos, sistematizados em regime escolar, com aulas teóricas e práticas.  Vale salientar que os alunos deveriam ter conhecimento de língua francesa.

Uma segunda Carta Régia apresentava o primeiro Estatuto do Curso Superior.  Inaugura-se, no mesmo ano, a Academia da Marinha e Cadeira de Anatomia no Rio se Janeiro.  Seguem-se em 1809 a Cadeira de Medicina Teórica e Prática e em 1810 a Academia Real Militar, ambas no Rio. 1812 é a vez do Curso de Agricultura na Bahia. Em 1813, surge a Academia Médico - Sanitária (RJ) e a Reforma Álvares de Carvalho trazendo os Estatutos de Cirurgia.  Nesse sentido, com D. João VI inaugura-se a preocupação com a profissionalização no Ensino Superior.

O ano de 1814 trouxe o curso de Agricultura (RJ), na Bahia, em 1815, a Academia Médico - Cirúrgica e, 1817, no mesmo estado, o curso de Química (industrial Geologia e mineralogia). A Academia de Artes foi fundada em 1820 e em 1826, a de Belas Artes, ambas no Rio. Pernambuco recebeu em 1827 o curso de Ciências jurídicas e Sociais de Olinda e no mesmo ano foi fundado o curso de Ciências jurídicas e Sociais de São Paulo.

No regime imperial (1832), houve a Reforma Senador Vergueiro, apresentando a nova organização às Academias Médicas da Bahia e Rio . No referido ano também foram fundadas as Faculdades de Medicina (RJ) e da Bahia. Na mesma década, em 1833, aparece a Academia Naval Militar (RJ) e em 1839 a Faculdade de Farmácia (MG). Também no Rio de Janeiro funda-se em 1841 a Escola Nacional de Música.

O Novo Estatuto dos cursos Jurídicos é apresentado pela Reforma Luiz Pereira de Coito Ferraz em 1854, ano da fundação das faculdades de Direito de Recife e de São Paulo.  Neste período, ressalta-se uma tendência de concentração de poder nas mãos dos lentes proprietários e/ ou catedráticos, denominação pós-1854, com a referida reforma. (MOROSINI, 1990: 323)

Os decorrentes vinte anos trazem a Escola de Aplicação do Exército (RJ -1855), a Central-Curso de Matemática e Ciências Físicas e Naturais (RJ- 1858), Politécnica  (RJ-1874), e em 1875 seguem a Escola Superior de Agronomia ( BA ) e a  de Minas e Metalurgia (MG).

 Fundado o Curso de Odontologia (RJ-1878) e a Escola de Medicina Veterinária e Agricultura Prática (1883- RS), de Farmácia (RJ- 1884) e a Politécnica na Bahia (1888), findam-se as Legislações da época do Império com a Reforma Leôncio de Carvalho de 19 de abril1879.Esta reforma só foi completada em 1884 no decorrer de outras legislações e através dela houve a Criação de faculdades livres. Apesar da permissão para as escolas livres, poucas dentre elas vingaram devido ao reduzido número de alunos, por conta do desânimo estudantil devido aos atemorizadores exames.

Vale também ressaltar que havia valorização das ciências exatas e desvalorização das humanas, da Filosofia e da Teologia. Adotou-se o padrão francês para estas universidades, fugindo assim da adequação à realidade brasileira, o que se repete na atualidade, assim como também o distanciamento entre currículo e prática, problemática que se estende até a atualidade da educação brasileira e mesmo em outros níveis de ensino.

 Quanto à docência no Ensino Superior, os primeiros tinham formação européia.  A expansão dos cursos trouxe a necessidade de mais contratações. O título de primeiro professor de Ensino Superior foi concedido em 1808 com o estabelecimento das determinações para o desempenho dessa função. Os convidados eram profissionais de sucesso reconhecido em suas atividades, o que demonstra a Carta Régia de 1808:

“Na conformIdade das instruções que lhe remeto, esperando do seu zelo, da sua conhecida instrução e estudos luminosos e mesmo de seu patriotismo e desempenho do conceito que faço de sua pessoa”. (CAMPOS, 1941, apud MOROSINI: 1990: 20)

 Na década de 70 exigia-se o bacharelado. Só recentemente passou a ser exigido mestrado e doutorado. No geral, até bem pouco tempo, os critérios adotados para este profissional levavam suas aulas a serem expositivas e palestradas. O paradoxo existente permite afirmar que: o que não era exigido é o requisito principal, ou seja, que fossem professores.

O novo contexto educacional do séc. XXI estabelece tendências e correntes pedagógicas influenciadas pela interatividade. O professor é guia, é condutor e desbravador do conhecimento e os alunos são solucionadores de problemas. Interagem num ambiente colaborativo, promovendo a aprendizagem cooperativa.

As reformas educacionais desde Couto Ferraz (o organizador),  até Leôncio de Carvalho (o inovador),  de cunho político burocrático e centralizador, pouco contribuíram para a melhoria do Ensino Superior no país.  

As reformas indicam influências transitórias dos gabinetes ministeriais que...não fizeram mais do que conservar, aperfeiçoando-as, as instituições fundadas por D. João VI ou criadas no Primeiro Império, com os cursos jurídicos.(AZEVEDO,1976:107apud MOROSINI, 1990:308).

A Primeira Republica (1891), deixa a Reforma Benjamin Constant a qual apresenta o Regulamento Instituição de Ensino Jurídico. A troca do Regime político, abolição dos escravos, mão de obra livre, imigração, e a industrialização mudam o cenário do país.  A aliança entre os militares, os setores médios e a burguesia cafeeira faz com que se assuma uma postura descentralizadora. No entanto, partindo-se da Constituição de 1891, a  qual teria deixado para a União somente a responsabilidade de criar instituições de ensino superior nos estados ,  pela  Reforma Epitácio Pessoa de 1901 mantém-se o controle legislando o ensino superior.

Seguem-se no período várias reformas: Reforma Rivadávia Corrêa (transição entre a oficialização completa do ensino à sua total independência - 1911), a Carlos Maximiliano (restabelecimento da fiscalização - 1915), e a  Rocha Vaz  ( criação de universidades-1925).

 

Nos Estados, esse período se caracteriza pela política dos governadores, pela qual se tratava de entregar a cada estado federado... a tarefa de solucionar os problemas desse estado...é um período fértil para a expansão do ensino superior que de 1907 a 1933 passa de 25 para 338 instituições de ensino superior  e 17 universidades e de 5.795 para 24.166 alunos. (LEITE/CUNHA/MOROSINI, et  al  , 1997 apud MOROSINI, 1990: 308).

Até 1930 ocorreram significativas transformações históricas, políticas, sociais e econômicas, no entanto, no que concerne ao Ensino Superior, as modificações foram apenas superficiais.

 As Universidades do Rio (1920), Federal de Minas (1927), de São Paulo (1934) e a Federal do Rio Grande do Sul, também em 34, podem ser citadas como as primeiras universidades do país destacando-se a USP.

A Universidade de São Paulo, hoje a maior universidade do Brasil e da América Latina...obedecendo ao Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931... incorporou a Faculdade de Direito (1827), a Escola Politécnica, A faculdade de Medicina...de Farmácia e Odontologia, O Instituto de Educação...a Escola Superior de Agricultura de Piracicaba, e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.  (MOROSINI, 1990: 310)

O período de 1930 a 1964 pode ser dividido em três fases iniciadas por tentativas de democratização (instauração do Estado Novo), depois pela redemocratização (efervescência social e discussões sobre modelos de universidade); e a terceira fase que culmina em 68 com a Reforma Universitária (nº 5.540).

Após 1930 a reforma do Ensino Superior foi estabelecida e representada no Estatuto das Universidades brasileiras (1931), tendo como modelo a Universidade do Rio de Janeiro. Cria-se a partir daí o Conselho Nacional de Educação, e as normas gerais para organização.

Segundo FÁVERO (1997:36, apud, MOROSINI, 1990:310) “esta reforma do ensino superior reflete as ambigüidades do momento histórico caráter dúbio de certas afirmações, o reforço a um tipo de educação humanista e elitizante, entre outros, são sinais que refletem uma época”.

As legislações universitárias refletem, após 1945, a democratização política e econômica, propiciando uma mudança de atitudes para ascensão social.  Diplomas escolares e cursos superiores passam a representar critério para cargos.  A federalização de muitas universidades aconteceu na década de 50. Darcy Ribeiro concebeu a universidade como instituição de pesquisa e centro cultural. Porem com o golpe e implantação militar (1964), os princípios idealizadores foram substituídos por discussões universitárias de cunho técnico.

Salienta-se que nas décadas de 60 a 90, o Ensino Superior relacionava-se com interesse geoeconômico. Sua expansão até 94 mostra qualidade insuficiente por falta de avaliações institucionais. A partir de 95, orientava-se pelos princípios de expansão, diversificação, qualificação e modernização

De 1968 a 1990 acontece a modernização da universidade conforme se modernizava a própria sociedade, baseada na industrialização e internacionalização. Seguidas a lei 5.540, muitas alterações e normatizações se apresentaram conforme o contexto socioeconômico do país.  

No Século XXI eclode a internacionalização do Ensino Superior. Os modelos universitários são discutidos mundialmente. A partir dos anos 90, percebe-se que imutabilidade do sistema universitário cai por terra a nível global. Uma das missões para o Ensino superior, apontadas pela Unesco é a de  disseminar os conhecimentos entre os países.

No Brasil, a influência internacional compreende desde as orientações para o desenvolvimento de uma instituição universitária eficiente, empreendedora e sustentável, até a constituição de uma instituição de caráter transnacional. 

A veloz dinâmica das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais evidencia a importância do Ensino Superior e a oportunização de ingresso. Nesse sentido, atualmente, exigi-se discussões e soluções quanto a sua implementação, visto que é etapa final de formação cultural e profissional do cidadão para a investigação científica, produção e difusão do conhecimento, integrando qualificação profissional e gerando o saber.

Os estudantes precisam de formação sintonizada com a nova configuração do mercado (produção e comercialização). É necessário flexibilidade, novas modalidades pedagógicas, e aproximação dos conteúdos disciplinares às ciências e tecnologias atuais.

REFERÊNCIAS

BENTES E STEPHANU, Maria Helena Câmara e Maria. (orgs) Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol.III: sec. XXI. 3 ed. Petrópolis. RJ. Vozes 2009.

FELTRAN, Regina Délia de Santis. (org.) Avaliação na Educação Superior. Campinas. SP. Papirus. 2002. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico)

MASSETO, Marcos (org.) Docência na Universidade. Campinas, São Paulo. Papirus. 1998. (Coleção Práxis)