TÍTULO: Ensino Médio, na média?

ÁREA TEMÁTICA: Educação

AUTOR: David Antonio Lustosa de Oliveira

ENDEREÇO ELETRÔNICO: [email protected]

 RESUMO:

Este artigo traz uma reflexão sobre as principais debilidades verificadas na atual forma de organização e de efetivação do ensino médio das escolas, sobretudo no que tange às incoerências conceituais que tratam dessa etapa de ensino e da não compreensão, ou definição, de suas finalidades sociais. O texto faz referência ao pensamento sociológico de alguns dos principais intelectuais dos séculos XIX e XX, a saber Durkheim, Marx, Weber, Bourdieu, Gramsci e Mannheim, e suas contribuições para pensar a educação a partir de sua função social. Por esse viés será levantada a reflexão do papel social requerido e dispensado ao ensino médio na atualidade.

PALAVRAS-CHAVES: educação, ensino médio, expectativas, trabalho, formação, sociedade, debilidades, deficiências.

ABSTRACT:

This article reflects on the main weaknesses observed in the current form of organization and establishment of secondary education in high schools, especially related to conceptual inconsistencies of this phase and not understanding or definition of its social purposes. The text refers to the sociological thought of some leading intellectuals of the nineteenth and twentieth centuries, namely Durkheim, Marx, Weber, Bourdieu, Gramsci and Mannheim, and their contributions to thinking about education considering its social function. Trough this bias, it will increase the reflection on social role afforded to high school and required from it.

 KEY WORDS: education, secondary education, expectations, work, education, society, weaknesses, deficiencies.

 Introdução

Este artigo traz uma reflexão sobre as principais debilidades verificadas na atual forma de organização e, sobretudo, de efetivação do ensino médio das escolas, sobretudo no que tange às incoerências conceituais que tratam dessa etapa de ensino e da não compreensão, ou definição, de suas finalidades sociais.

Visa clarificar, resumidamente, a distância existente entre as diretrizes gerais preconizadas para essa etapa de ensino e o que efetivamente é verificado na práxis.

Para tanto vale-se de uma breve análise das perspectivas sociológicas, de alguns dos principais pensadores dos dois últimos séculos, e suas implicações para uma visão de educação com  relação ao papel social esperado dessa.

 1.         Educação pra quê?

A consciência da necessidade de educar ultrapassa os limites geográficos, culturais e temporais da humanidade.

Sem envidar muitos esforços de raciocínio, é possível observar que as diversas formas de organização das civilizações que povoaram o globo pelos séculos, valeram-se da educação como forma de dar coesão a todo o sistema funcional daquelas sociedades, fazendo-a meio de preparação ou adestramento dos mais novos para a continuidade das estruturas existentes. Essa visão encontra esteio no pensamento de Durkheim (1858-1917) e Bourdieu (1930-2002), como se verá a seguir.

Enquanto, para os índios, por exemplo, essencial à vida e, por conseguinte, à perpetuação de suas gerações, era a caça, a pesca, a auto defesa, o culto às divindades da natureza, o saber das finalidades medicinais das ervas, raízes, e paus, as tarefas domésticas, bem como a sujeição às autoridades estabelecidas, seguramente, o ensino dos pequenos índios, apesar de não necessitar de uma sala de aula, laboratório, ou horário específico, era, e é indispensável para que tal sociedade possa manter sua cultura, sua forma de vida, de relação com a natureza e com o outro.

Na sociedade medieval do feudalismo, onde a existência dos senhores feudais, do clero, e dos servos de gleba era claramente delimitada, e a inclusão da pessoa num ou noutro estamento era alheia a sua vontade, uma vez que o nascimento determinava tal separação, falar e fazer educação não poderia dispensar tais distinções de propósitos. Enquanto do servo era exigido prestação de serviços à nobreza e o pagamento dos tributos a esses, do clero se esperava que tratassem das questões religiosas. A função da nobreza, por fim, era a guerra, por meio da qual se conquistava e se mantinha as posses, além de deterem os meios de produção e, desse modo, como diria Marx (1818-1883),  o poder sobre o trabalho dos servos.

Nesse modelo de organização social, educar o nobre para o exercício de sua nobreza seria diferente de educar o clérigo, e, sobretudo o servo, uma vez que deste se esperava o cultivo da terra. Assim, as técnicas de arar, adubar, plantar, colher, criar animais, seriam indispensáveis de serem aprendidas pelos pequenos servos para o esperado exercício de sua função social. Nesse viés, ao camponês não era desejoso ensinar o uso de espadas, arcos e flechas, lanças, ou prepará-lo para desenvolver as habilidades físicas requeridas de um guerreiro, sob pena de, quem sabe, criar armas contra a manutenção das próprias estruturas vigentes.

Percebe-se desses dois simples exemplos, que pensar a educação numa sociedade deve considerar os aspectos históricos, sociais, culturais, econômicos e estruturais dessa sociedade. Para além duma análise meramente metodológica de ensino, deve-se pensar a educação a partir das estruturas sociais existentes, das expectativas dos indivíduos em relação aos demais, e do papel que essa exerce na permanência ou ruptura dos padrões previamente estabelecidos.

Para tanto, antes de partir para uma reflexão específica sobre o ensino médio brasileiro, cabe perpassar alguns pensadores da sociologia e sintetizar como percebem a educação a partir dessa ciência.

1.2.      Durkheim e a solidariedade para coesão social

O pensamento sociológico de Durkheim parte da idéia de que a sociedade teria seu funcionamento semelhante ao do reino mineral ou vegetal. Para ele, as interações sociais, por exemplo, teriam suas “leis de funcionamento” que deveriam ser alvo do estudo científico nos mesmos moldes metodológicos de interpretação utilizados para a investigação dos fenômenos da natureza, destituídos de juízo de valor, de maneira a enxergar os fatos sociais como “coisas” propriamente ditas.

Desse modo, ao perceber a sociedade como uma “coisa” e buscando-se desvendar suas leis, objetiva-se não questionar tais regras, ou mesmo cogitar sua mudança, mas compreendê-las para melhor viver, isto é, melhor se adequar a elas. Para Durkheim o indivíduo sofre coerção exterior dos fatos sociais que, por si só, possuem vida própria independente da vontade individual.

A sociologia durkheimiana, nesse contexto, reconhece a existência de dois seres em cada individuo: o ser individual, dotado de representações mentais próprias, e, concomitantemente, o ser social, que compartilha crenças, valores, tradições, etc. com os demais participes da sociedade e dependerão da sociedade em que está inserido.

Para o sociólogo, a vida em sociedade só é possível a partir da cooperação solidária dos membros que dela fazem parte, de maneira que essa solidariedade, ainda que diferenciada, a depender, por exemplo, de sua forma de organização, é o que possibilita a existência do consenso e, conseqüentemente, de ajuntamento de pessoas em prol de uma vida social.

Para Tosi (2008) a interpretação dada por Durkheim à educação como mecanismo de propiciar, pelo ensino, a manutenção da coesão social resultante do consenso coletivo previamente estabelecido pelas gerações passadas. Assim, educar, longe de representar apenas treinamento para o exercício de tarefas profissionais necessárias à preservação das estruturas sociais existentes, assume o papel de socializar o indivíduo, por meio da transmissão dos valores, costumes, tradições, regras, que constituem toda a base que permite a existência do consenso entre os membros da sociedade.

Assim, a educação, para Durkheim, não se resume à educação escolar formar tipicamente oferecida pelo Estado moderno, mas é obtida de diversas formas e em diversos meios morais de convivência – Igreja, escola, trabalho, clube, família, etc.

 1.2.      Marx e a dominação de classes

Karl Marx se dedicou ao estudo histórico do desenvolvimento da humanidade nos séculos, com vistas a compreender, analiticamente, através da dialética herdada da filosofia de seu professor Hegel (Georg Wilhelm Friedrich - um dos mais importantes e influentes filósofos alemães do século XIX) as características e o porquê da organização social estruturada nos moldes capitalistas.

O postulado das leis sociais, segundo o filósofo, seria: “o que move a história é a luta entre as classes”, argumento esse que poderia demonstrar as formas de arranjo social do capitalismo – e dos demais sistemas sociais que o antecederam - admitindo-se, nessa ótica, que a sociedade era resultante de interações sociais de cunho eminentemente econômico e material.

Em suas dissertações, o filósofo alemão percebia o trabalho como a forma pela qual se afirmavam as interações do homem com a natureza e do homem com seus semelhantes, e os meios de produção, ou forças produtivas, desenvolvidas pela humanidade durante todo o decurso de sua história – machado, arado, máquina a vapor, indústria, etc – como mecanismos cruciais para a efetivação do trabalho, pois deles adviriam maior produtividade e rendimento na realização das tarefas.

No sistema capitalista, a propriedade privada desses meios de produção, restrita aos burgueses, estava entre os principais aspectos denunciados por Marx como origem das desigualdades sociais, uma vez que, necessários para efetivação do trabalho e estando nas mãos de poucos, a propriedade privada delimitaria claramente duas classes no sistema capitalista: a dos “donos” das fábricas, burgueses, e a dos trabalhadores dessas, o proletariado.

 A divisão do trabalho, segundo Marx, usurpava do trabalhador a possibilidade de compreender o conjunto dos processos existentes na fábrica, dada a especificidade de seus trabalhos. Tal fragmentação impediria o alcance da plenitude do desenvolvimento humano uma vez que o trabalho dissociado – manual e intelectual – fazia dos trabalhadores meras máquinas de repetir, alheios de toda realidade que os cercavam e de qualquer tentativa de emancipação, fadados a permanecerem no exercício das tarefas mecânicas até fim de seus dias.

 Com a existência das duas classes sociais no capitalismo – burgueses e proletariado – e partindo da premissa marxista de que as mudanças na história decorrem dos conflitos entre as classes, depreende-se não apenas a existência das classes sociais, mas o domínio de uma sobre a outra, tendo o Estado como mantenedor da ordem social em consonância com os interesses dos dominantes.

 Esse regime de exploração do trabalhador demonstrava, para Marx, a insustentabilidade do sistema capitalista e a iminência de um processo pelo qual se haveria de insurgir uma revolução para reestruturar essa sociedade em prol dos trabalhadores, abrindo caminho para uma nova forma de organização social que seria o comunismo.

 Assim, na visão de Marx, fator determinante para a inexistência de contestação por parte dos trabalhadores em relação à classe que visceralmente lhes usurpava no capitalismo, é a (in) consciência que tinham sobre o funcionamento e relações de poder que sustentavam tal regime de exploração.

 Para Marx, a educação – ou a falta desta – levava à assimilação daqueles fatos como normais, naturais ou mesmo necessários, percebendo a existência do capitalismo e das formas de exploração não como uma construção histórica capitaneada por interesses da classe dominante, mas como resultante do acaso, sendo “algo posto” não passível de questionamento ou de transformação pelos explorados.

 Assim a educação, a depender dos conteúdos e do público a que se destina, poderia servir para alienar ou para emancipar o ser humano.

 Como em Durkheim, na visão marxista, a educação escolar, obtida com a freqüência à escola, não é a única forma de educação possível. O trabalho, para Marx, permite a aprendizagem das técnicas manuais necessárias ao desenvolvimento integral do homem.

 Além de uma educação mental, ou intelectual, sugere o ensino técnico e a educação física, sem as quais, segundo o economista e filósofo alemão, não se poderiam alcançar os trunfos esperados para o comunismo e a emancipação do novo homem.

 1.3.      Weber e a ação social

 Diferente de Durkheim e Marx, que percebiam a sociedade basicamente como agente coercitivo sobre os indivíduos, ainda que, para esse último, decorrente da dominação de uma classe sobre outra e passível de embate a partir da emancipação, Weber propõe uma sociologia que se ocupa primariamente do estudo da ação social dos indivíduos como determinantes para a construção social e não no compreendimento da sociedade como um todo, para ele impossível de ser concebido.

 Nesse sentido, o comportamento humano que está associado à forma de subjetivação dada aos valores sociais pelo indivíduo, é fator chave para se entender as formas de organização e as dinâmicas da sociedade, sendo, imprescindível considerar, inclusive na investigação científica, que o investigador atribui valores aos atores sociais que podem não ser os mesmos considerados por esses últimos. Tal discurso contraria a visão durkheimiana de que para estudar a sociedade, dever-se-ia considerá-la uma “coisa” à qual o investigador estaria imune.

 O objeto de estudo da sociologia, para Max Weber, seria a análise dos comportamentos dos movidos pela racionalidade dos sujeitos com relação aos outros, isto é, da ação social racional e não meramente movida pela afetividade que para ele seria irracional e, portanto, distancia-se do escopo de análise sociológica. Referir-se ao indivíduo, porém, não implica num enfoque mais psicológico em detrimento ao estudo da sociedade, mas a sociedade só pode ser entendida, para Weber, a partir da interpretação da ação desse, uma vez que constitui o único portador de um comportamento provido de intencionalidade. Assim, a sociedade não teria desejos, vontades e comportamentos por si só, mas seria a composição do imbricado de interações dos indivíduos que, evidentemente, consideram o comportamento dos outros agentes sociais e as normas sociais já consolidadas.

 A sociedade, na visão weberiana, é constituída de normas que condensam as expectativas dos indivíduos em relação ao comportamento dos outros e, ao mesmo tempo que afetam a ação social, são resultado dessa, à medida que, por exemplo, as leis de direito que vigem no Estado são compilações dos valores, tradições e normas sociais de uma dada época, passíveis de serem modificadas historicamente quando esses  valores, tradições e normas passam por mudança, ou não satisfazem os anseios da sociedade. Somente com a existência desses regramentos e com a obediência racional dos indivíduos, é possível a preservação da ordem social que dá coesão ao ajuntamento humano.

 Segundo o raciocínio weberiano o interessante é que a organização da sociedade é possível quando os indivíduos racionalmente se sujeito à dominação imposta por instituição com o Estado, por exemplo, e essa dominação pode ser tipifica em três tipos: carismática, onde sua legitimidade se baseia no carisma, dotes ou talentos das autoridades, tradicional, que se ampara na tradição passada de geração a geração, e racional-legal, que se baseia nos regramentos, normas, ou seja, no direito. Essa última, conforme explica o autor, representaria o ápice, ou a evolução para onde tendem todas as relações humanas do Estado moderno.

 Com essa tipificação proposta por Weber, a educação poderia ter também esses três enfoques, a depender da forma de dominação e organização social do meio social. Ao identificar algum tipo de dote em determinado indivíduo, dever-se-ia prepará-lo para que desenvolva as habilidades para serviço de sua sociedade. Nesse caso trata-se de despertar o carisma do indivíduo.

 Já a segunda forma de educação seria a que visa à formação cultural do indivíduo, de modo a prepará-lo interior e exteriormente para certos tipos de comportamentos esperados. Por último, e a que causava certo descontentamento a Weber, a educação, ou como dizia, a pedagogia do treinamento, que objetiva preparar o indivíduo para, estritamente, ser um perito especializado em determinado campo de maneira a se enquadrar nas corporações capitalistas, ou no aparelho burocrático estatal, inerentes ao modo de vida imposto pela crescente racionalização da sociedade, prescindindo, desse modo, uma formação integral dos indivíduos em prol do preparo para obtenção do status privado.

 1.4.      Bourdieu e a violência simbólica

 Bourdieu, tendo por referencial teórico os trabalhos de Durkheim, Marx e Weber, reconhece o papel coercitivo da sociedade sobre os indivíduos como fator chave para entendimento dos processos educacionais que se dão nos sistemas de ensino. Nesse viés, considera que o sujeito individual nas sociedades modernas são submetidos ao controle das estruturas sociais (Durkheim) e que tal relação de dominação é impossível de ser superada, uma vez que a escola, educa para manutenção das estratificações delimitando o caminho a ser seguido pelas crianças em prol da preservação da forma de organização social vigente.

 Ainda nessa linha, a ação pedagógica seria um tipo de violência simbólica aos educandos uma vez que representa a imposição do arbitrário cultural que vige, de acordo com os interesses das classes dominantes da época (Marx), para que se apropriem desses da maneira mais natural possível, de forma a se tornar durável e perpetuado pelo indivíduo às próximas gerações.

 1.5.      Gramsci e a formação intelectual das classes

 Para o comunista italiano Antônio Gramsci, traz uma percepção mais moderna dos ideais marxistas, sobretudo no que diz respeito à questão educacional. Para ele, o caminho necessário à implementação das mudanças em prol da ruptura com os padrões dominantes capitalistas dependeria das formas de dominação existente e de estruturação das sociedades.

 Imediatamente, faz distinção entre o oriente e o ocidente, que, não apenas geográfica, delineia duas formas de organização social, uma onde o poder é estritamente exercido pelos estados que, em suma são autoritários e centralizadores, e outra, do ocidente, onde existe abertura para participação da sociedade civil como um espaço de manifestação de idéias que, consolidadas, por seus intelectuais, poderiam embater a dominação imposta pela classe dominante. Nesse pensamento, Gramsci deixa claro que as distinções não se dão apenas no âmbito econômico e material, mas, certamente, também, em nível intelectual, à medida que, para ele, agentes de determinante importância no cenário de perpetuação ou ruptura de idéias, seriam os intelectuais.

 Com isso, qualquer tentativa de mudança nos cenários históricos, sobretudo nas sociedades capitalistas modernas ocidentais, necessitam do exercício intelectual haja vista não ser factível ou desejável que os avanços desejados se dêem apenas pelas vias da guerra, da insurreição ou da luta armada, sendo desejável e possível, antes de tudo, o convencimento da sociedade com vistas a se obter um consenso libertário em contraposição às relações de dominação existentes. Dessa forma, o italiano defendia uma escola que, indistintamente de classes sociais, fosse acessível a todos e oferecesse um ensino de qualidade - que na concepção marxista visa o desenvolvimento intelectual, físico e profissional e na percepção weberiana deve primar tanto pelo ensino da cultura quanto do treinamento para o trabalho - de maneira que formasse intelectuais não apenas para classe dos dominantes que, como é de se esperar, sempre objetivariam manter as relações de classes, mas, sobretudo, formasse pensadores pertencentes às classes dominadas que, agiriam no campo das idéias e institucionalmente - pois são os intelectuais que apregoam o modo de pensar à sociedade - pudessem propor uma nova direção social.

 1.6.      Mannheim e a esperança na democracia

 Esse pensador, apesar de beber das fontes weberianas, afasta-se do pessimismo característico dessa corrente, apesar de reconhecer que a racionalização das relações sociais e as conseqüências advindas da institucionalização dessas nos próprios objetivos da educação, que passaram a se direcionar no sentido criar homens especialistas em tarefas e não na formação integral, inclusive cultural, dos indivíduos; percebe uma luz no fim do túnel que advém do nascimento dessa nova sociedade, pautada nos ideais democráticos.

 Mannheim considera que na democracia residem espaços de participação e de formulação conjunta dos princípios sociais que norteia a vida coletiva, de maneira, até então, nunca vistas, uma vez que o modelo de dominação tradicional, além de perpetuar os interesses das classes dominantes, impossibilitavam qualquer tentativa libertária das outras classes. Assim, ainda que se reconheça a existência, na atual sociedade, das mazelas sociais do capitalismo e da educação, sobretudo em seu viés tecnicista exigido pela sociedade industrial, Mannheim pensa que a democracia possibilita o caminho para a mudança mediante as interações sociais entre os diversos grupos e classes que a integram.

 O filósofo percebe a educação como inevitavelmente dependente do contexto histórico-social em que está inserida e propõe que as mudanças devem-se efetivar pela formulação política democrática visando a oferta de um ensino não apenas especializado, mas também cultural, conforme a tipologia weberiana propunha.

 2.         As contradições do Ensino Médio brasileiro

             Ao perpassar as idéias dos pensadores da sociologia da educação e compreender sua relação com suas finalidades sociais, pode-se fazer uma breve reflexão sobre as debilidades da educação média brasileira e as implicações que tais deficiências trazem sobre a formação dos indivíduos.

             Inicialmente, cabe salientar que a oferta do ensino médio no Brasil, apesar de se intentar sua universalização, surpreendentemente, é confrontada pela inexistência de uma definição clara que, amparada na práxis, possibilite definir sua finalidade no processo formativo de educação dos jovens e adultos dessa etapa de ensino.

             A despeito de existir, nos documentos e legislações específicas que tratam da educação média no Brasil, conceituação desse fase como necessária à aquisição, pelos alunos, de conhecimentos básicos, preparação científica e capacidade de utilizar diferentes tecnologias, o que se observa nas escolas é um ensino pautado em modelos tradicionais de educação que valorizam a memorização, o adestramento e estudo de diversas disciplinas desconexas que, para o alunado, não possuem significância ou sentido algum no contexto social em que estão inseridos ou quanto as expectativas que a própria sociedade têm deles.

             Ao mesmo tempo que o aluno não vê sentido em ter que, subitamente, se defrontar com conteúdos mais avançados e, ao mesmo tempo, superficiais de Matemática, Física, Química, Biologia, Línguas, Literatura, Sociologia, Filosofia, Geografia, História e Artes, os professores confessam não ver razão para fazerem uma educação tanto conteudista e pouco formativa, principalmente, quando notam que, ao sair da escola, com poucos meses – ou dias – o esforço do triênio é resumido a quase nada na forma de pensar dos alunos, e que esses não conseguem usar os conhecimentos obtidos em outras situações requeridas.

             A formação técnica, conforme sugeria a visão marxista, necessária para que os alunos consigam ingressar no mercado de trabalho sem, necessariamente, terem de ingressar no ensino superior, também encontra suas limitações no ensino médio tradicional. Isso porque, em geral, os esforços governamentais para esse tipo de formação é fazê-la de forma dissociada do ensino médio, em institutos educacionais distintos e ainda com restrição de acesso apenas aos admitidos em provas de seleção. As disciplinas e conteúdos ministrados no ensino médio, não preceituam uma formação para o trabalho, no aprendizado de técnicas, habilidades e ou uso de tecnologias comerciais ou industriais, por exemplo, mas nos conteúdos das ciências que, em tese, deveriam permitir uma formação geral sobre as várias áreas científicas.

             Em se tratando da busca por uma formação científica como objetivo do ensino médio brasileiro, as limitações são ainda notórias. Isso porque, apesar da existência de parâmetros curriculares que prevêem a busca pela interdisciplinaridade e pelo ensino de temas integrados à realidade dos alunos, não poucos são os depoimentos de estudantes e educadores que se queixam da inaplicabilidade, incoerência e falta de sentido de aprenderem e ensinarem temas, cálculos e metodologias que “para nada servirão na vida”. Nesse bojo, o estudo de diversos temas das disciplinas de Matemática, Física, Química, Biologia, entre outras, que, muitas vezes, por sua complexidade conceitual e abrangência teórica, são meramente memorizados pelos alunos que apenas poderão compreendê-los se optarem por um curso de ensino superior, ou técnico, que abranja uma dessas áreas; parece mais desgastante que construtivo, mais obrigatório que necessário, mais aparente que verdadeiro.

             Aliás, pensar nesse modelo de “educação científica” que, para uma minoria de escolas públicas, é acompanhada, por exemplo, de estrutura de laboratórios adequada para aproximar os alunos do método científico e dos fenômenos naturais que estudam, apenas corrobora a memorização, ou em termos mais compreensíveis, “o decoreba”, que também é privilegiado pelos exames nacionais de avaliação e pelas provas de admissão das instituições de ensino superior ou técnico. Nesse último quesito, também, o ensino público é deficitário, ao se observar que aqueles que ingressam no ensino superior público são, em sua maioria, egressos de escolas particulares que, declaradamente, defendem essa bandeira em benefício da fama de suas escolas e dos conseqüentes ganhos financeiros que poderão auferir, quanto mais alunos inserirem na educação superior pública.

             Será, então, possível perceber o ensino médio brasileiro como necessário à constituição moral cidadã dos alunos? Ao concluírem essa etapa, é  possível afirmar que os alunos estão preparados para o exercício da cidadania? Para respeitarem as leis e diplomas legais ou, ao menos, questionarem sua existência propondo reformulações? Pode a democracia, a conquista do direito, a tolerância à diversidade, o respeito aos bens públicos serem  alcançados a partir da educação média?

             Responder tais questões talvez traga ainda maior descontentamento numa reflexão sobre o papel social do ensino médio brasileiro. Os alunos que saem das escolas, como entram, desconhecem integralmente diversos diplomas legais essenciais ao exercício da cidadania. À exceção daqueles que optarem por seguir a carreira jurídica, dificilmente os alunos terão no ensino médio, ou mesmo no superior, acesso à Constituição Federal, ao Código de Defesa do Consumidor, ou ao Estatuto da Criança e do Adolescente, desconhecendo, assim, principais mecanismos e instrumentos legais existentes que garantem seus direitos e exigem seus deveres. Dificilmente, por exemplo, sabem por quê e para quê são cobrados os impostos e contribuições e, tampouco, se esses estão sendo utilizados em conformidade com os objetivos previstos.

             Esse modelo de educação média, não consegue, portanto, preparar o alunado para a emancipação, para as mudanças e conquistas que se espera a partir do pleno exercício das funções cidadãs em suas comunidades locais.

             Mesmo a convivência em sociedade, que, nas palavras de Durkheim, pressupõe a existência de uma solidariedade entre os membros, parece não ser desenvolvida nos três anos que constituem o ensino médio. Não são poucas as manifestações de violência física ou simbólica, entre os próprios alunos ou entre esses os professores, no ambiente que deveria se pautar pela tolerância, respeito e solidariedade recíprocos.          Talvez na escola seja o primeiro ambiente em que os educandos são ensinados a adotarem posturas autoritárias, a tirarem proveito de situações, a desrespeitarem o próximo ou mesmo a tratar com desprezo o patrimônio público.

             Percebe-se, assim, que falta ao ensino médio brasileiro encontrar seu sentido de ser, seu objetivo social e, concomitantemente, meios para que a sociedade perceba tal finalidade e exerça seu controle em busca de um ensino que atenda as expectativas dos alunos, dos professores e da sociedade brasileira.

 3.         Considerações finais

             Pode-se observar que as debilidades verificadas na atual forma de organização e, sobretudo, de efetivação do ensino médio das escolas, dizem respeito sobretudo às incoerências conceituais que tratam dessa etapa de ensino e do não compreendimento de suas reais finalidades, existindo um fosso entre as definições previstas nas leis e políticas educacionais e a prática nas escolas.

             Faz-se necessário não apenas uma reformulação conceitual dos parâmetros que norteiam o ensino médio, de cunho eminentemente pedagógico e metodológico, como também uma nova forma de pensar a relação social dessa etapa de ensino, relativa ao que a sociedade deve esperar e exigir.

             Depreende-se, ainda, que o preparo dos docentes, que são aqueles que, efetivamente, “fazem as coisas acontecerem”, deve existir no sentido de que todos os esforços corroborem um ensino inovador, atrativo e que, numa perspectiva sociológica, atenda  os anseios e expectativas sociais.

 Referências

 RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: 6ª ed. Lambarina, 2008.

 DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos, [s.d.].

 MARX, Karl. O Capital. 9ª ed. São Paulo: Difel, V. I, 1984.

 BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio, 2000.

 SITE: pt.wikipedia.org.