ENSINO JURÍDICO: UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL

Adão José Bezerra Cutrim Pinto

Maria Eduarda Costa Carneiro1

 

 

Sumário:  1 Introdução ; 2 Contexto histórico da origem do ensino jurídico; 2.1 A origem do ensino jurídico no Brasil; 3 A crise do ensino jurídico; 4  Situação do corpo docente; 5 Propostas para melhoria do ensino jurídico; Conclusão.

 

Resumo

O presente trabalho tem como função fazer uma análise crítica-reflexiva sobre o ensino jurídico no Brasil, analisando o contexto do seu surgimento, a crise enfrentada por este, e possíveis soluções.

Palavras Chaves

Ensino Jurídico no Brasil. Crise do ensino jurídico. Alternativas de solução. 

 

1 INTRODUÇÃO

Primeiramente, será abordado neste artigo o contexto histórico do surgimento das Universidades de Direito, mais detalhadamente no Brasil, uma vez que esta foi a primeira área de ensino superior implantada no país para, então, se compreender a origem do nosso ensino jurídico tal como se encontra atualmente, analisando também a influência do método dogmático no Direito Brasileiro, e a passagem  para o método dialético.

Em seguida, analisar o crescimento em descompasso dos bacharéis em direito com as oportunidades oferecidas no mercado de trabalho durante a década de 80, os quais encontravam-se despreparados para lidar com a sociedade em transformação e nela desempenhar seu papel.

Dessa forma, deverá ser compreendido os motivos que geraram significativas mudanças na história da educação superior na década de 90, como a instauração do "Provão" pelo MEC, e a forte influência na avaliação e seleção de futuras gerações profissionais pela OAB, para conter essa desmedida ampliação no número de cursos, visando um reconhecimento dos mesmos.

Por fim, serão apresentadas medidas para resolução dos problemas enfrentados pelo ensino jurídico brasileiro , a partir da formulação de novos métodos de ensino, e da aplicação dos conhecimentos na sociedade.

 

2 CONTEXTO HISTÓRICO DA ORIGEM DO ENSINO JURÍDICO

As Universidades, em especial os cursos jurídicos surgiram em um determinado contexto em meados do século XI, no entanto, existem diferentes hipóteses para explicar quais foram as necessidades de existência do conhecimento jurídico. Segundo GIORDANI2, a Querela das Investiduras foi um fato importante para o seu surgimento, já que cada um dos lados envolvidos no conflito buscava fundamentar suas teses nos diferentes tipos de Direito como canônico, romano e imperial.

LE GOFF3, que acreditava que o desenvolvimento das atividades comerciais foi a base do crescimento das faculdades de Direito, pois houve divergência entre os interesses da Igreja Católica e os da burguesia, logo as faculdades mais procuradas seriam as que gerassem mais lucros, como as de Direito que formavam notários.

Outro momento em que se fez necessário o surgimento das regras de Direito encontra-se no período de transição  do modo de produção feudal para o capitalismo, em que sua disciplina interna diferenciava-se muito da vassalagem, assim para ragulamentar essa nova forma de produção autônoma era primordial o uso das regras de Direito, em especial o romano. Ainda GIORDANI, afirmou que esse cenário urbano que se estabeceleu com o advento do capitalismo propiciou um ambiente bastante favorável para a incidência de Universidades.

No século XII, no período do Renascimento, houve uma transição entre o pensamento teleológico-filosófico de Santo Agostinho, para o qual o Direito é resultado da vontade divina, devendo ser aceito sem nenhuma análise, de forma dogmática, para a concepção escolástica de S. Tomás de Aquino  baseada na Lógica dialética, que associa o Direito a uma ordem natural das coisas, obtida pela razão através da investigação intelectual e da interpretação. Logo assim ficou reconhecido o Direito daí em diante, pondo fim ao conflito entre razão e fé, e restabelecimento a crença nas ciências profanas  na razão.

 

2.1 A ORIGEM DO ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

Os movimentos para o surgimento do Ensino Jurídico no Brasil começaram pela Faculdade de Direito de Coimbra, pois até a sua independência não havia nenhum estabelecimento de ensino superior no Brasil Colonial, em contrapartida a América espanhola  já contava com 26 universidades.

Buscando explicar essa disparidade, CUNHA4 acredita na existência de um bloqueio por parte de Portugal ao ensino superior no Brasil, para que assim sua colônia não produzisse ciência e cultura próprias ficando sempre na condição de subordinado à metrópole. Assim, essa relação de dependência se fortalecia pelos portões das escadarias de Minerva onde passaram, até o início do século XIX, os estudantes brasileiros do curso de Direito.

A Igreja católica teve importante influência na implantação do ensino superior, através das Companhias de Jesus. Nessa, o método de ensino era baseado no princípio da unidade, ou seja, um mesmo mestre acompanhava um grupo de alunos no estudo de cada matéria. Estes jesuítas desempenharam um papél ideológico e burocrático para cumprir conforme CUNHA, uma tríplice função, que seria a de formar oficiais de justiça, da fazenda e da administraçao com papél de repressão, formar padres para a atividade missionária, e por fim estampar a classe dominante local, filhos de proprietários de terra e de minas e mercadores metropolitanos.

 As ações reformistas de Pombal tiveream forte influência no surgimento do ensino supeior no Brasil,. esta objetivava o incentivo às manufaturas da metrópole, assim como a acumulação de riquezas e de bens, para que fosse possível substituir a ideologia feudal pela capitalista. Para isso, Pombal precisaria aumentar o poder do Estado, o que seria feito por meio do aumento da exploração na colônia. Os colonos apoiaram essa idéia, por também desenvolverem atividades mercantis-capitalistas, no entanto, houve o choque com os jesuítas, os quais exploravam produtos.

Entretanto, era necessário que todos se submetessem ao poder do Estado, ao Rei. Entretanto, os jesuítas alegavam que só deviam obedecer ao Papa, e iniciaram-se vários conflitos que culminariam com a perda do controle da Universidade de Coimbra pela Companhia de Jesus, assim como a expulsão desta de Portugal. Com isso, em 1776, os franciscanos foram autorizados por Alvará régio a abrir, no Brasil, um curso superior que seguia o modelo da Universidade de Coimbra.

Isso perdurou até a nossa independência, após a promulgação da Constituição de 1824, documento que inaugura o Estado Brasileiro, mais precisamente com a sanção da Carta de lei de 11 de agosto de 1827, que instituiu mais dois cursos de Direito em São Paulo e Olinda, estes tinham por objetivo atender às finalidades eminentemente burocráticas do Estado recém-criado com a chegada da família real portuguesa.

Por muito tempo, os estudantes dessas instituições eram somente filhos das elites nacionais, portanto a escolha de São Paulo e de Pernambuco para a instalação dessas primeiras Faculdades de Direito no Brasil não foi por acaso, pois ambos eram grandes centros oligárquicos.

Observa-se que o surgimento do ensino jurídico herdou o caráter conservador da Universidade de Coimbra, com suas aulas-conferência, na qual somente    o professor era detentor do saber, cabendo aos alunos apenas “receber” o que lhe é colocado sem nenhuma análise crítica, ensino dogmático, mentalidade ortodoxa do corpo docente e descente, a serviço da manutenção da ordem estabelecida, atendendo às necessidades de uma elite cuja intenção era perpetuar a estrutura de poder da classe dominante.

 

3 A CRISE DO ENSINO JURÍDICO

Durante a  década de 1980, o ensino jurídico atravessava uma crise relevante, pois não estava mais satisfazendo os interesses das classes envolvidas na aplicação do Direito na vida profissional, pois este encontrava-se despreparado para lidar com o mundo profissional em transformação e nele assumir seu papel.

Joaquim FALCÃO5 (1988) entende “a crise como a perpetuação, continuada nos dias de hoje, das características fundamentais do modelo de ensino jurídico importado de Portugal para o Brasil em 1827”. Isto é, apesar da influência do cartesianismo e  empirismo que naquela época se desenvolviam, conservou-se o espírito da escolástica, onde os conhecimentos eram desvinculados da realidade.

RODRIGUES6 acredita que as principais características da crise no ensino jurídico atualmente são o tradicionalismo e conservadorismo, decorrentes da influência do positivismo; desconhecimento da realidade e das necessidades sociais; metodologia de ensino de aula-conferência; currículos voltados para disciplinas dogmáticas; estudantes acomodados; equipe de professores mal-preparada; mercado de trabalho semi-saturado; concepção ideológica do liberalismo, entre outros. Para ele, o Liberalismo deve ser compreendido como um paradigma político e ideológico do discurso jurídico, assim como a crise atual deve se basear no contexto da crise geral do capitalismo, se refletindo nos índices econômicos e sociais.

 WOLKMER7, explica a crise por sua origem, a mercantilista, contra-reformista e absolutista da formação social portuguesa que se pode buscar os primeiros fatores geradores de uma tradição político-jurídico-burocrática, individualista, erudita e legalista, ressaltando a contraditória convergência da herança colonial burocrático-patrimonialista e a tradição liberal na formação das instituições jurídicas, dando origem a um Direito voltado a defesa dos interesses da Oligarquia, favorecendo o clientelismo, o nepotismo, e a cooptação, além de introduzir um padrão de legalidade formalista.

A crise portanto, no âmbito do Direito, significa o esgotamento e a contradição do paradigma teórico-prático liberal-individualista que não consegue mais dar respostas aos novos problemas emergentes, favorecendo, com isso, formas diferenciadas que ainda carecem de um conhecimento adequado. (WOLKMER, 2005, p. 12).

A vida em sociedade mudou muito desde a criação dos cursos jurídicos no Brasil, principalmente com o advento da industrialização e da urbanização, alem da velocidade dos meios de informação, com a popularização do rádio e da televisão. Até mesmo o próprio Estado sofreu profundas mudanças, passando de Estado Liberal, para Estado Social e por último Estado Democrático de Direito, o qual a Constituição de 1988 constitui o marco do processo de reconstrução paradigmática de todo o sistema jurídico e da ciência do direito brasileiro. Com todas essas modificações o ensino jurídico não acompanhou tais mudanças, ficando estagnado por ainda sustentar-se nos pilares conservadores de uma sociedade ultrapassada.

Pode-se perceber então a existência de duas faces na crise da educação jurídica, a primeira se expressa pela crescente ineficiência da administração pública, que está longe de ser um aparelho estruturalmente homogêneo e coeso, coerentemente articulado, ao contrário apresenta-se como um Estado difuso e multifacetado. A segunda face se expressa pela sua incompetência na canalização e absorção dos interesses emergentes de um processo de industrialização complexo, sendo portanto uma crise da sociedade mais que precisamente do Direito, reforçando a própria decadência do mesmo por nao possuir instrumentos capazes de solucioná-la.

Agravando ainda mais, o crescimento do número de vagas e de faculdades de Direito em todo o país contribuiu para o crescimento considerável do número de alunos e dos profissionais que ingressavam anualmente no mercado de trabalho. Em 1987, o Direito foi o curso mais procurado em todo o Brasil, por ocasião dos concursos vestibulares, ainda que a interpretação crítica da ciência jurídica continuasse deixando a desejar.

 

4 SITUAÇÃO DO CORPO DOCENTE

            A capacitação didático-pedagógica do docente do ensino jurídico foi bastante negligenciada no Brasil, algumas possíveis explicações para tal descaso seria o público formado de pessoas maduras, e a heterogeneidade dos professores, como o profissional professor, e o professor profissional.

               O professor profissional estão vinculados a uma única instituição e dedica-se exclusivamente para esta, a fim de preparar aulas, extensão, e capacitação dos alunos, entretanto, gera a dúvida de como esses profissionais limitados ao ambiente de sala de aula e alunos é capaz de preparar o corpo discente para um mercado de trabalho que não conhece na prática diária.

                  Já o profissional professor, atuam em diversas áreas do mercado de trabalho como advogados, promotores, juízes, sendo a atividade docência apenas um complemento. Esta grupo de professores possui pouco tempo para preparação de aulas e  geralmente não estão preparados para de fato serem profissionais da educação, entretanto sua experiência profissional anima mais os alunos.

          Nota-se portanto uma nítida deficiência no próprio corpo docente, que despreparados para lidar com os alunos, devido a falta de capacitação didático-pedagógica tornam-se inseguros, recorrendo a atitudes incabíveis ao âmbito universitário, faltando um ambiente profissional que vise propostas de ensinos inovadores, que se sobressaiam ao método bancário, comparado segundo FREIRE em que os alunos são meros recipientes, dos quais os professores enchem esses recipientes por meio de sua narração.

             

5 PROPOSTAS PARA MELHORIA DO ENSINO JURÍDICO

                É preciso superar a crise existente em nível da educação jurídica, para alcançar tais objetivos faz-se necessário estabelecer prioridades traçando medidas a curto e médio prazo. Como primeiro passo, deve-se estabelecer os objetivos e as funções a serem desempenhadas pelo curso de Direito, estes devem ser analisados por um sistema mais aprimorado de avaliação periódica pelo INEP e MEC, aos quais se reprovados na avaliação, tenham de passar por um período de acompanhamento e caso não consigam superar sua falhas sejam devidamente fechados.

                   O MEC também deve fixar sua proposta curricular a ser respeitada pelos cursos, fazendo cumprir integralmente diretrizes e conteúdos estabelecidos, além de que deve ser permitida a ampliação de vagas existentes apenas em cursos com avaliação positiva em todos os critérios. Só deve ser perimitida a abertura de novos cursos caso estes alcancem os parâmetros de excelência devidamente exigidos.

                       Além disso, é necessária uma reforma no corpo docente, a fim de que estes tornem-se aptos a magistrar portando formação e capacitação didático-pedagógica, devendo-se conciliar a didática, ou seja o tecnicismo, com o conhecimento teórico e prático da disciplina a fim de alcançar um ensino de Direito qualificado. superando-se asim as barreiras para um modelo pedagógico mais estimulante, que seria o rompimento com positivismo normativista, e a educação bancária, substituindo tal modo por um modelo mais critico e reflexivo, por um pensamento lógico e dialético.

                       Por fim, deve-se investir ainda mais no método de pesquisa e extensão, que tornaram-se obrigatórias nas horas complementares dos currículos, essa metodologia tem instigado muitos estudantes por ser uma forma inovadora de ensino fora da sala de aula, permitindo suma intervenção positivamente nas comunidades, interagindo e compartilhando da solução dos problemas, mediante o saber qualificado que foi produzido e transmitido nos cursos, enriquecendo-se com o saber popular com que se deparam. Significa, também, promover atividades de formação continuada e promoção de eventos que beneficiem a comunidade geral e jurídica, para conhecimento de seus direitos.

 

CONCLUSÃO

                 O Direito serve como instrumento para gerar a paz e harmonia nas diversas relações sociais, não devendo refletir interesses individuais, mas sim interesses de toda a coletividade, que muitas vezes colidem com os interesses individuais, sendo portanto indispénsavel à sociedade.

                     Por ser fruto da elaboração humana, sofre influencia do tempo e do local, e por isso, ele deve estar sempre aberto às mudanças que ocorrem durante as diferentes épocas. O tempo faz surgir inúmeras e constantes transformações, e devido a isso, o Direito deverá estar sempre atualizado, portanto precisa ser compreendido diante do fato social, para assim torná-lo efetivo e atender às necessidades sociais impostas pela dinâmica social.

                    Com isso, devem ser tomadas medidas para solucionar essa crise que o ensino juridico enfrenta, a fim de que os dogma e o ensino bancário, aonde somente uma parte da relação pedagógica detenha o conhecimento, seja substituido por um modelo eficaz que propicie a promoção da vida boa para todos os seus cidadãos.

 

REFERÊNCIAS

 

RODRIGUES,Horácio(org.). Ensino Jurídico Para Que(m)? Florianópolis: Fundação Boiteux 2000.

 

 

 COLAÇO,Thais(org.). Aprendendo a ensinar direito o Direito. ed. OAB/SC.

 

FARIA, José ; CAMPILONGO,Celso. A Sociologia Jurídica no Brasil. ed. Sergio Antonio Fabris,1991.



1 Alunos do 1º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

2 GIORDANI, Mario Curtis. História do Mundo Feudal. Petrópolis: Vozes, 1982. V.II/1.

3LE GOFF, Jacques. Mercadores e Banqueiros da Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

4 CUNHA, Luiz Antonio. A Universidade Temporã. 2. Ed. Ver e ampl. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.

5 FALCÃO NETO, Joaquim de Arruda. A Realidade Política e o Ensino Jurídico. In:
Revista da Faculdade de Direito, n. 82, 198-212, São Paulo: FADUSP, 1987

6 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico para Que(m)? Florianópolis: Fundação Boiteux,2000.

7 WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998.