Ensino da Literatura Infanto-Juvenil no ensino Básico moçambicano: Uma estratégia de iniciação da leitura e da escrita

I.              INTRODUÇÃO

Pretendemos com  a presente reflexão, intitulada Ensino da Literatura Infanto-Juvenil no ensino Básico moçambicano: Uma estratégia de iniciação da leitura e da escrita.”  reflectir sobre o ensino-aprendizagem no ensino básico, focalizando aspectos inerentes às competências exigidas e às adquiridas hoje em maior número das escolas do país pelos graduados deste subsistema.

 O ponto é: os graduados do ensino básico não possuem competências mínimas de leitura e escrita.  As razões deste desconforto têm sido várias. Uns apontam para deficientes programas de ensino, outros para a má qualidade de formação de professores, outros ainda para as condições físico-materiais das escolas impróprias para aprendizagem das crianças. Porém, é preciso olhar-se também para aspectos político-históricos da política e da filosofia de educação no país e das escolhas feitas na língua de ensino.

Em Moçambique, a adopção do Português como língua de ensino impõe que se leve em conta a realidade linguística nacional, onde o Português, Língua oficial e de Ensino, coexiste com outras línguas sem prejuízo da qualidade e dos objectivos do ensino básico. Aliás, uma das principais competências e habilidades básicas definidas no plano curricular é expressar-se oralmente e por escrito, em diferentes situações ler e interpretar mensagens de natureza diversa(PCEB,2003).

Estudos que têm sido realizados, sobre a língua de ensino e aquisição de competências de leitura e escrita por vários pesquisadores e consultas feitas a diferentes actores educativos, revelam a necessidade de se repensar no plano curricular, nos programas de ensino e nas formas de tornar estes instrumentos relevantes para as necessidades dos alunos e da sociedade. É verdade que formar leitores hoje se torna uma difícil tarefa, já que a televisão massifica com sua imagem colorida e movimentada. Por este motivo, os professores devem ter consciência de que cada vez mais o processo de leitura e escrita na escola deve ser  um acto agradável e estar dentro de um contexto que remeta a criança a ter prazer em escrever e ler.

Nos enunciados de ROLDÃO (1999:39), “Assumindo o currículo como uma unidade integradora do que se quer fazer aprender a todos os alunos de forma eficaz, não pode mais entender-se o professor como o detentor de uma espécie de propriedade solitária de uma disciplina...” e adianta que a escola deve ser o centro fundamental de decisão educativa diferenciada e contextualizada. O que por outras palavras significa que não é bastante desenhar um currículo bonito, programas excelentes sem que haja sinergias no acto da execussão destes documentos orientadores da prática educativa.

1.1.Problema

O problema levantado neste Ensaio centra-se no seguinte enunciado: os legisladores e os técnicos do MEC[1] definem o ensino da Língua Portuguesa como sendo meio incontornável para dotar os alunos de capacidades e habilidades para comunicar, oralmente e por escrito, de modo a participar integralmente na vida social, cultural, económica e política do país e do mundo.[2]Porém, os actores principais destes desafios rendem-se perante fragilidade da implementação do desejo do governo e da sociedade; As crianças no fim do processo não sabem ler nem escrever. Qual é a razão deste dilema? Que características o currículo em acção neste subsistema apresenta? Qual tem sido o papel da escola, do professor e da sociedade perante esta situação?

1.2.Justificativa

A importância deste Ensaio justifica-se pelo impacto que poderá trazer na reflexão sobre a qualidade de aprendizagem no ensino básico e a necessidade de adoptar as melhores estratégias para o cumprimento dos objectivos da educação básica moçambicana como pressuposto para novas aprendizagens. Porque é função da Escola levar os alunos a "aprender a aprender", e, por isso, neste caso, reflectir e aprofundar a discussão sobre o processo de aprendizagem da escrita, que se dá através da leitura e vivenciá-lo, é tarefa que se impõe em nossas aulas de Língua Portuguesa.

1.3.Hipóteses

Tentando encontrar as explicações tangíveis sobre a dificuldade de leitura e escrita no Ensino Básico e, baseando-me no princípio de que a escola é o centro das aprendizagens significativas e por isso centro de convergência de sinergias, coloco as seguintes hipóteses: i) os alunos não recebem suficientemente a motivação para uma aprendizagem da língua mais lúdica, mais interessante e mais atraente, dai não adquirirem competências mínimas de leitura e de escrita; ii) os professores não estão motivados para desempenharem o seu real papel de mediadores do processo de aprendizagem; iii) a sociedade não  desempenha o seu papel de colaboradora para uma educação útil e relevante para si e para as crianças e jovens.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

II. Conceitos

2.1 Currículo

A educação escolar concretiza-se em planos e programas de formação visando adquirir e desenvolver saberes, competências, atitudes e valores que se aceitam como importantes para educar as gerações novas. Porém, como projecto sistemático educativo, o currículo é o programa que a escola apresenta como meio de cumprir os seus propósitos. A escola, através do currículo, é um veículo de socialização das crianças e jovens.

Segundo RIBEIRO, A.(1999:39)[3], “existe uma variedade de acepções sobre a definição do currículo”. No entender deste teórico, o currículo é “o conjunto de experiências planeadas bem como de resultados de aprendizagem previamente definidos, formando-se uns e outros mediante a reconstrução sistemática da experiência e conhecimento humanos, sob os auspícios da escola e em ordem ao desenvolvimento permanente do educando nas suas competências pessoais e sociais”.

Para COLL, C.(2003:85)[4], “ [...] entendemos o currículo como o projecto que preside as actividades educativas escolares, define suas intenções e proporciona guias de acção adequadas e úteis para os professores, que são directamente responsáveis pela sua execução. Para isto, o currículo proporciona informações concretas sobre o que ensinar, quando ensinar, como e o que avaliar (...)”. Este autor avança o papel que desempenha o currículo dizendo o seguinte: “A primeira função do currículo, a sua razão de ser, é a de explicitar claramente o projecto, o objectivo, as intenções e o plano de acção que preside as actividades educativas escolares”.

Entretanto, o currículo caracteriza-se através de plano de estudos ou programas escolares do professor ou do aluno e dos livros de texto traduzidos em plano ou programa de ensino-aprendizagem. Por conseguinte, seguem-se percepções de alguns estudiosos sobre planos ou programas de ensino-aprendizagem

2.2. Programa de Ensino

O programa no contexto educativo significa conjunto de conteúdos que devem ser ensinados, isto é, o que ensinar em cada uma das matérias ou disciplinas e para cada uma das classes ou anos de escolaridade de um determinado sistema educativo.

Nesta perspactiva, o sistema educativo na opinião de RIBEIRO (2003:31) é “ O conjunto de meios pelo qual se caracteriza o direito à educação que se exprime pela garantia de uma permanente acção formativa orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade”.

REIS e ADRAGÃO (1992:18)[5] comparam o ensino-aprendizagem da língua a um rio e os alunos as margens na tentativa de demonstrar a complexidade da programação de ensino de uma língua e afirmam que, “ Organizar conteúdos programáticos para as diferentes etapas de aprendizagem é como cortar o rio com barragens e propor cada secção como objecto de estudo.”

No entanto, estes autores apontam que esta tarefa, mesmo com toda a sua aparência de objectividade, tanto o rio quanto as margens são sequências não seccionáveis. O que me deixa a reflectir sobre a real importância dos programas de ensino que, aliás, aparecem hermeticamente tabelados para o cumprimento dos professores no processo de ensino-aprendizagem.

2.3 Ensino-Aprendizagem

O sistema educativo, o currículo, os programas escolares concorrem para a materiaização da relação ensino/aprendizagem em sala de aulas. Deste modo, reflecti sobre ensino-aprendizagem como processo posterior aos programas de ensino.

Nas últimas décadas, a relação ensino/aprendizagem tem levantado parte das reflexões didácticas. Ora, o que sugerem estes conceitos?

Para  REIS e ADRAGÃO (1992:14): “Ensinar é preciso para que se cumpram as normas determinadas e se assegure a fieldade aos princípios e conteúdos pré-estabelecidos [...] aprender é indispensável para que o aluno/ aprendente satisfaça as suas necessidades e se organize autonomamente na relação com as pessoas e as coisas.”

Na opinião de GOMES et al (1995:5)[6] ensino é o conjunto de acções que se destinam a fornecer informações e a transmitir conhecimentos e definem a aprendizagem como o conjunto de acções que levam as pessoas a adquirir conhecimentos com o apoio do professor ou por si sós.

Perante estas ideias, fica no ar a seguinte questão: Em que resulta a união  de Ensino+aprendizagem?

Segundo LIBÂNEO (1992:120), “o processo de ensino-aprendizagem como objecto da didáctica, preocupa-se com a intelectualidade e habilidades”, e acrescenta que, cada sociedade precisa de cuidar da formação dos indivíduos, auxiliar no desenvolvimento de suas capacidades físicas e espirituais, prepará-los para a participação activa e transformadora nas várias instâncias da vida social, pois, “não há sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade”

Dai que para GOMES et al (ibid), ensino-aprendizagem será o conjunto de acções em que se articulam as actividades de transmissão e de aquisição de informações e de conhecimento. E acrescentam que “ A eficácia do ensino-aprendizagem é medida pela quantidade e pela qualidade dos conhecimentos transmitidos e adquiridos.”

Para mim, não se pode falar de ensino-aprendizagem de uma língua sem se incluir a leitura e a escrita. A aprendizagem de uma língua integra um conjunto de comportamentos elementares adquiridos e quase automatizados. Como se pode observar, enquanto escreve, o sujeito vai articulando em silêncio, como se estivesse a falar o que vai escrevendo, isto na fase pré-automática da escrita e com o tempo há transposição directa da mensagem, portanto, a fase automatizada da escrita.

As discussões sobre “como se aprende uma língua?” e “o que é saber uma língua?” vêm desde décadas inquietando psicólogos e linguistas como SKINNER e CHOMSKY.

2.4.Escrita

Conforme GALLISSON e COSTE (1983:250), escrita é um “sistema de signos gráficos, que podem substituir à linguagem articulada – naturalmente fugaz – para fixar e conservar a mensagem, para comunicar à distância, etc.”

Para MARTINS et al (2005:11)[7], “A escrita é uma actividade de transposição para o código escrito de uma mensagem verbal organizada interiorizadamente.” Para estes estudiosos, o acto de escrita exige: a formulação «mental» da mensagem a transmitir; a sua condição linguística; a passagem da mensagem linguística para a modalidade escrita; e finalmente a sua execução motora no acto de «desenhar» as letras correspondentes à mensagem gráfica.

2.5. Leitura

No tocante à leitura, compreende-se que ler é tanto uma experiência individual e única, quanto uma experiência interpessoal e dialógica. E isso nos remete directamente à natureza do processo de leitura. Toda leitura é individual porque significa um processo pessoal e particular de processamento dos sentidos do texto. Mas, toda leitura também é interpessoal porque os sentidos não se encontram no texto, exclusivamente, ou no leitor, exclusivamente; ao contrário, os sentidos situam-se entre o texto e o leitor.

Uma leitura, igualmente, é decorrente do conjunto de conhecimentos e informações disponível no momento histórico em que a leitura se realiza, o qual constitui uma determinada forma de ver o mundo(SMITH, 1998).        

O ensino-aprendizagem da língua preocupa-se com a transmissão e recepção da mensagem. No contexto didáctico, a transmissão de conhecimentos e valores pressupõe a utilização de um código comum (nesta vertente verbal, o código oral e o código escrito).

No processo de ensino-aprendizagem do Português, não pode haver a transmissão de conhecimentos e valores significativos se o texto estiver dissociado desta prática educativa – para mim, não há ensino de português sem o texto. E, uma das áreas de ensino do português que aprofunda o tratamento de texto em contextos de transmissão de valores é a Literatura.

Como deixei claro na introdução, interessa-me reflectir sobre a aplicabilidade do ensino da literatura para crianças e jovens, faixas etárias férteis para uma aprendizagem sem barreiras e próprias para aquisição de competências de leitura e escrita. Para isso, importa também trazer os conceitos de Literatura, Literatura Infanto-Juvenil para melhor compreensão desta reflexão.

2.6.Literatura

A palavra Literatura vem do latim "litterae" que significa "letras", e possivelmente uma tradução do grego "grammatikee". Em latim, literatura significa uma instrução ou um conjunto de saberes ou habilidades de escrever e ler bem, e se relaciona com as artes da gramática, da retórica e da poética. Por extensão, se refere especificamente à arte ou ofício de escrever de forma artística.

O termo Literatura também é usado como referência a um corpo ou um conjunto escolhido de textos como, por exemplo, a literatura médica, a literatura inglesa, literatura portuguesa, etc. "A literatura, e em especial a infantil, tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação: a de servir como agente de formação, seja no espontâneo convívio leitor/livro, seja no diálogo leitor/texto estimulado pela escola" (COELHO, 2003).

2.7.A Literatura Infanto-Juvenil

A literatura infanto-juvenil é um ramo da literatura, dedicada especialmente às crianças e jovens adolescentes. Isto incluem  histórias fictícias infantis e juvenis, biografias, novelas, poemas, obras folclóricas e/ou culturais ou simplesmente obras contendo/explicando factos da vida real (ex: artes, ciências, matemática, etc).

A literatura infantil é destinada especialmente às crianças entre dois a dez anos de idade. O conteúdo de uma obra infantil precisa ser de fácil entendimento pela criança que a lê, seja por si mesma, ou com a ajuda de uma pessoa mais velha. Além disso, precisa ser interessante e, acima de tudo, estimular a criança.

A literatura juvenil é um ramo da literatura dedicada a leitores entre dez a quinze anos de idade. Fatos comuns a obras literárias juvenis em geral incluem:
 Geralmente, apresentam temas de interesse ao jovem adolescente, muitas vezes controversos, como sexo, violência, drogas, relacionamentos amorosos, etc

  1. III.           Ensino da Literatura Infanto-Juvenil no ensino Básico moçambicano: Uma estratégia de iniciação da leitura e da escrita.

Partindo do pressuposto de que a obra literária possui significado político-pedagógico e contribui para elucidar a realidade social na qual tanto educadores (professores e pais/encarregados de educação) quanto educandos  se encontram inseridos. A prática docente é algo que se encontra em construção permanente, tanto no que diz respeito ao aprofundamento dos conteúdos quanto aos aspectos relacionados à actuação directa com os alunos.

          A literatura pode se constituir em factor de aperfeiçoamento educativo no ensino básico, sabendo-se que a Literatura Infantil são os livros que têm a capacidade de provocar a emoção, o prazer, o entretenimento, a fantasia, a identificação e o interesse das crianças.

Trata-se de saber quais as obras que melhor cumprem este papel e permitem um vínculo directo entre literatura e a actuação docente neste subsistema. Isto pressupõe a leitura e a análise política-sociológica das obras literárias, permitindo ao professor orientar e dialogar com os alunos sobre as mesmas e o seu significado para as disciplinas, a formação académica e a vida.

Na década de 80, muitos pesquisadores chegaram à conclusão de que leitura e escrita têm importantes relações uma com a outra: como habilidades, como processos cognitivos, como maneiras de aprender. Os pesquisadores destacaram a alta correlação entre bons escritores e bons leitores e viam a leitura e a escrita como um processo interactivo. Notaram que melhores escritores liam mais, melhores leitores escreviam prosa mais sintacticamente madura e as experiências com leitura melhoravam a escrita mais que a instrução gramatical ou exercícios de escrita.

Portanto, parece óbvio que aprendemos a ler, lendo e a escrever, escrevendo. E qual seria o lugar mais adequado para estas duas práticas ? A sala de aula, naturalmente. O linguista Sírio Possenti (2000), afirma que "ler e escrever não são tarefas extras que possam ser sugeridas aos alunos como lição de casa e atitude de vida, mas actividades essenciais ao ensino da língua. Portanto, seu lugar privilegiado, embora não exclusivo, é a própria sala de aula".

Um outro ponto relevante que SMOLKA (2003:66), chama a atenção, está relacionado à necessidade de se trabalhar a leitura e a escrita como práticas discursivas e dialógicas, onde a criança escrevendo, lendo, com e para o outro, apropria-se das convenções sociais da escrita e concebe a escrita com prática dialógica, ou seja, a criança aprende a dizer o que pensa e o que deseja pela escrita, na elaboração do discurso interior. Porém, de acordo com a autora, a escola ainda está muito atrasada nesse processo, os professores não têm compreendido as propostas das novas teorias curriculares, havendo uma distância entre o discurso e a prática.

A experiência  própria do meu primeiro contacto com o mundo da leitura e escrita se deu de forma marcante e significativa contribuindo de certa forma para a escolha deste tema: .

Tudo começou da seguinte forma: o meu pai lia para mim e meus irmãos, todas as noites, inúmeras histórias de patinhas e contava oralmente os mais variados contos populares, contos de fadas, fábulas, lendas, adivinhações, superstições, piadas e outros.

A literatura infanto-juvenil e o privilégio dos textos folclóricos, as tradições orais representam conteúdo e recursos didácticos da melhor qualidade para trabalhar a oralidade e a escrita da criança de forma significativa e motivadora. Mas que é uma forma também de valorizar a cultura popular e o conhecimento do aluno e superar as dificuldades no processo ensino-aprendizagem.

 Pesquisas demonstram que essas narrativas possibilitam o desenvolvimento da criança como um todo. Por meio dos contos dos casos, as crianças podem aprender a lidar com as suas próprias emoções, sentimentos e desejos, e ainda elaboram o seu mundo da imaginação, indo além do sentido habitual das coisas, ampliando o conhecimento de si e do mundo.

O que se tem notado nos dias que correm, a escola, em geral, não tem despertado no aluno o gosto e o prazer pela leitura e escrita. A criança, quando inicia a sua vida escolar demonstra muito interesse e muita expectativa em relação à escola e aos professores, mas, aos poucos, vai perdendo o entusiasmo.

Por que tudo isso acontece? Por que as crianças não aprendem? Por que a maioria tem tanto medo e dificuldades de ler e escrever? E o que a escola e o professor podem fazer para superar essas dificuldades e oferecer um ensino de qualidade? E ainda, como trabalhar a língua escrita para que a criança tenha um bom desempenho? Como a escola pode garantir a todos o direito de aprender ? Como tornar essas crianças leitoras e escritoras?

POSSENTI (2000:48) afirma que o domínio da linguagem escrita de acordo com o modelo padrão, não se aprende através de exercícios, actividades de cópia e memorização, nem através do ensino de gramática como é geralmente costume dos professores de Língua Portuguesa. A competência da leitura e escrita se constrói através de prática significativa, contextualizada e efectiva de textos variados.

Na contribuição de  BARBOSA (1990:7) é um equívoco ensinar a língua escrita a partir de partes menores, letras, sílabas, palavras de forma separadas, pois na vida a criança fala e interpreta, aprende a ler, ver as coisas no seu sentido completo e por inteiro e não parte, por parte. Segundo este teórico, as pesquisas demonstram que perceber as coisas por inteiro é mais significativo e relevante para as crianças. Elas entendem com mais facilidade quando têm a visão do todo.

            Nesse sentido, o texto é mais fácil de compreensão do que letras, sílabas e palavras. Deve-se, portanto, ensinar a partir de textos variados e significativo para as crianças.

Pesquisas demonstram que muitos professores não têm considerado a escola como um espaço de produção do conhecimento. Acreditam ainda que a criança precisa apenas codificar a escrita e o significado deve ser deixado para depois. A aquisição da língua escrita implica desde a sua génese a construção de sentido num processo de interlocução com o outro.

Quando a criança escreve palavras soltas ou ditadas pelo adulto, a característica da produção é uma, evidencia-se mais facilmente a ocorrer correspondência entre dimensão sonora e extensão gráfica. Mas quando a criança escreve o que pensa, o que quer dizer, contar, narrar, ela escreve porção de fragmento do discurso interior. SMOLKA(2003:75). E é esse discurso interior que pode dar as pistas para que o professor possa percorrer o percurso da fala da escrita e da leitura da criança.

Por falta de conhecimento, o professor atribui a dificuldade da criança em aprender, à sua falta de capacidade, rotula-a como deficiente. No entanto, as dificuldades que as crianças apresentam, muitas vezes, estão relacionadas a procedimentos inadequados de ensino. Se não sabe, logo significa que não foi lhe ensinado e o professor precisa ensinar.

  1. IV.          CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar das discussões sobre a necessidade de mudança, o professor ainda está muito apegado à prática tradicional. Sabemos que a criança aprende sobre os usos e funções da escrita em seu mundo social através de conjunto das experiências vivenciadas pelas próprias crianças antes que se transformem em alunos, representando um reflexo de seu universo cultural[8] ao passo que na escola, o professor desconhece essa aprendizagem e impõe, pelos livros didácticos, conteúdos que nada dizem para a criança, com pretexto de cumprimento do programa, desprezando as necessidades reais dos alunos como o currículo aberto propõe e como as teorias construtivistas sugerem.

É verdade que o professor precisa de ver o seu estatuto como actor principal na implementação do currículo reconhecido e, por isso motivado e acompanhado pela melhoria de condições de trabalho bem como o envolvimento da sociedade nas acções de prática educativa, insisto em sugerir uma reflexão sobre as questões seguintes: Por que a maioria das crianças no ensino básico tem tantas dificuldades de ler e escrever? O  que a escola e o professor podem fazer para superar essas dificuldades e oferecer um ensino de qualidade? E ainda, como trabalhar a língua escrita para que a criança tenha um bom desempenho? Como tornar essas crianças leitoras e escritoras?

O que acho também ser relevante reflectir é a questão da violência psicológica a que as crianças estão sujeitas no processo inicial da aprendizagem da leitura e da escrita. Os erros não devem ser avaliados em termos de certo ou errado, pois as crianças estão em processo de construção. Essas novas teorias devem fazer parte da vida do professor, porém existem dificuldades em entendê-las, provocando uma série de problemas na vida da criança e ao professor.

A diferença de concepção de aprendizagem entre ambos têm implicações no ensino e aprendizagem da língua escrita. A perspectiva interaccionista, enfatiza e defende a presença do outro no processo da aprendizagem, ressalta a importância de se trabalhar a leitura e escrita com prática discursiva e dialógica. Assim, “a criança aprende a ler e escrever, com, e para o outro, e se apropria dos conceitos, elabora o discurso interior, aprende a falar e dizer o que pensa pela escrita”. (SMOLKA, 2003).

Como se pode perceber, falar em leitura e escrita, no ensino básico, significa falar em formação competente do professor para actuar significativamente. Essa interlocução professor-aluno-escola-formação-sociedade dão a medida certa, nesse momento, para a formação de leitor e escritor desde as classes iniciais do ensino básico, até os outros níveis subsequentes.

Referências Bibliográficas

ASSUNÇÃO, Maria Tereza de. VYGOTSKY e BAKHTIN. Psicologia e Educação: um inter-texto. São Paulo: Ática, 1994.

BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez, 1990.

COELHO, Nelly Navaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
COLL, C, Psicologia e Currículo, S. Paulo: Cortez, 2003.

GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação ( para além das teorias da  

GOMES, A. et al, Guia do Professor de Língua Portuguesa,2ºvol, II nível, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian 1995.

 

     reprodução) Petrópolis, Vozes, 1986.

INDE/MINED, Plano Curricular do Ensino Básico, 2003.

LIBÂNEO, J. C, Didáctica, 3ªed., S. Paulo: Cortez, 1992.

POSSENTI, Serio .Por que (não ) ensinam gramática na escola . 5 ed . Campinas São Paulo : Mercado Letras , 2000.

REIS e ADRAGÃO, Didáctica de Português, Lisboa: Universidade Aberta, 1992.

RIBEIRO, A. C., Desenvolvimento Curricular, 8ªed. Lisboa: Texto editora, 1999.

RIBEIRO, Planificação e Avaliação do Ensino-Aprendizagem, 1ªed, Lisboa: Universidade Aberta, 2003.

SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a ler.Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: Alfabetização como processo discursivo. Ed. São Paulo: Cortez, 2003



[1] Minitério de Educação e Cultura

[2] PCEB (Plano Curricular do Ensino Básico)

[3] RIBEIRO, A. C., Desenvolvimento Curricular.

[4] COLL, C., Psicologia e Currículo.

[5] REIS e ADRAGÃO, Didáctica do Português

[6] GOMES, A. et al, Guia do Professor de Língua Portuguesa.

[7] MARTINS, Maria et al, Para a Didáctica do Português, Seis Estudos Linguísticos.

[8] A este conjunto de experiências vivenciadas pelas crianças antes de alunos e que representa um reflexo de seu universo cultural, GIROUX chamou de Currículo oculto que contribui significativamente para aprendizagem.