ENSINAGEM: RESSIGNIFICANDO A AUTORREGULAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Sebastião Maciel Costa*

                        Com base na visão prática que, nos últimos anos, tem norteado as ações da pedagogia em busca do alcance do “sentir” do aprendente, procura-se um novo modelo para que esse aprendente seja efetivamente, autor da própria aprendizagem, reconstruindo seu processo de aprender a aprender, ressignificando todas as possibilidades de ele mesmo avaliar o seu potencial de captação e retenção de conhecimentos. Essa ressignificação não polariza a discussão de que se pretenda tornar o aprendente, o  único responsável pelo processo de aprendizagem. Dar-se-á a oportunidade para uma ajustada interação entre a disposição do aprendente e a capacidade do ensinante em desenvolver mecanismos onde juntos: sistema + ensinante + aprendente possam doar-se em busca do conhecimento, sem traumas, frustrações ou dominação de um sobre outro. Traçar paralelos entre paradigmas e autores que discutem a autorregulação é pertinente. Uma vez identificado o perfil dos aprendentes autorregulados, criados  e desenvolvidos instrumentos próprios de trabalho que validem o conhecimento prévio desse aluno, reconheçam o nível de desenvolvimento de suas funções mentais por meio de práticas educativas mais presentes no seu cotidiano, trará um novo olhar para a autorregulação da aprendizagem que será bem sucedida, se devidamente aliada à motivação. A autorregulação deverá ser identificada como ferramenta proativa. Sentindo-se “capaz de”, “preparado para”, “apto a”, qualquer aprendente declarar-se-á motivado a superer novos limites. Refazer o caminho de volta no tempo da Educação precisa ser implementado a fim de  se descobrir o que dificulta o livre-trânsito entre mestre e aprendiz aqui tratados como ensinante e aprendente de um processo universalmente complexo.

PALAVRAS-CHAVE: conhecimento, aprendizagem, autorregulação, professor, aluno.

ASSENHORAR-SE DE CONTEÚDOS É UM CAMINHO

             A sociedade se torna a cada dia mais dependente do conhecimento precisa se mobilizar no sentido de encontrar soluções práticas que funcionem como atrativo para que a escola volte a ser espaço de interação, de ações positivas que deem prazer e promessas de um futuro melhor, principalmente para o jovem de classe média e baixa que têm na busca do conhecimento a única alternativa para resistir aos percalços de uma sociedade de consumo que se distancia a passos largos dos ideais de honra e formação cidadã.            Observando a educação no contexto da sala de aula, constatamos  que o processo fundamental de toda a conduta de aprendizagem consiste em que o sujeito aprenda a aprender e que isto se estenda por toda a vida. Para aprender, foi preciso apreender. E somente o que “em mim mora” está em minha memória, por isso me pertence. É esse sentimento de pertença que faz a diferença em ter quem estuda e quem aprende.

            A nossa escola, independente da rede a que pertença, traz em si, a dependência do saber do professor que estuda e muitas vezes, prepara, embala e faz a entregado conteúdo ao aluno. Esse, por não sentir-se envolvido no processo, nem imbuído de qualquer responsabilidade pela sua aplicabilidade, sucesso ou insucesso, age como mero espectador de um processo complexo que exaurido pelas dificuldades e esvaziado pelos resultados, coloca-se na defensiva, atribuindo a alguém a responsabilidade pelos resultados. De um lado a escola assegura que orientou, o professor assegura que ensinou, o aluno assegura que esteve na sala de aula. Foi ensinado, mas foi aprendido?

            A resposta sendo negativa, surge um novo dado: o grau de satisfação da família para com a escola e para com o aprendente tende a ser negativo. Responsabiliza a escola, pune o filho, estrangula o processo, afasta o aluno do foco de ver a escola como um ambiente prazeroso e aliado de sua formação. Está instalada a desmotivação. As pessoas só se envolvem se se submergem na situação, dando o máximo de si mesmas quando percebem um desafio e conhecem suas habilidades. (MONTERO, 1990, p. 436).

            Os aprendentes despertando para buscar informação, saber como utilizá-la, apropriar-se de tal experiência, deixar de ser receptor passivo e passar a ser buscador ativo, indiscutivelmente, a aprendizagem tornar-se-á mais presente dando-lhe oportunidade de comandá-la como se o comando do processo estivesse em suas mãos. Motivado pelo prazer de satisfazer suas necessidades e interesses, o aprendente terá no sistema e no professor instrumentos balizadores da condução de um currículo que sirva de norte para a aplicação do que se aprende em favor de quem detém o conhecimento.

O QUE ENSINAR E PARA QUE APRENDER

            A proposta que se estabelece neste trabalho nos remete a conceitos e definições que isolam as possibilidades de se identificar causas e monitorar efeitos do chamado “descaso” do aluno com os afazeres da escola. Quando se questiona o porquê de uma criança ou adolescente ver a escola como algo contrário aos seus sonhos e anseios, se é que se pode dizer que essas faixas etárias nutram algum sonho, é porque ali se discutem limites, regras, disciplinas, horários e tarefas, coisas que não fazem parte do seu mundo. Seja por falta de formação dos pais, seja pelas condições sociais ou estruturais em que vivem, seja pelas propostas que povoam o seu imaginário de que é possível “se dar bem”, seu estudos, sem princípios, sem valores, a escola é o pior espaço onde eles querem estar. Eles circulam livremente pelas ruas, shoppings, praias, festas, shows, entretenimentos e baladas sem que nada lhe seja impingido, sem que exemplos saudáveis lhes sejam apresentados como o melhor caminho. Torna-se uma luta desigual: de um lado a impotência da família, a força da mídia, os exemplos negativos como a banalidade do crime e a naturalidade da transgressão; na outra vertente, sozinha, a escola tentando “ensinar caminhos” impondo o que é abominável pela juventude: limites.

            Se o aprendente, enquanto cidadão do mundo avalia o custo-benefício dos seus atos, mister se faz que no que diz respeito à escola, seu desenvolvimento e seu futuro, haja igualmente uma responsabilização. Responsabilizar-se, no caso, é tornar-se senhor de atitudes, de expectativas e possibilidades. Se ao professor é dada uma responsabilidade com o processo ensino, na mesma medida deverá o aluno assumir o seu papel construto do processo aprendizagem, não obstante a sua condição de infante, menor, incapaz... são conceitos que certamente não agradam, pelo menos àqueles que dão respostas razoáveis ao chamamento das tarefas escolares. Eles querem sim, ser independentes e como tais, cabe ao professor conferir a honra aos que demonstrem maior capacidade de absorção de conteúdos e associação destes à vida real. Nesse raciocínio, vem à primeiro plano, o papel do professor em motivar o aluno a associar o porque de estudar esses ou aqueles conteúdos. De que forma prática eles serão usados para melhor desempenho e qualidade de vida.

            É fundamental reconhecer e assegurar que cada aluno tem de descobrir seu próprio jeito de aprender, seu próprio estilo de transformar em conhecimento, a informação recebida, independente da fonte em que foi obtida. Assim ele busca e interpreta a informação, contando com a parceria  respaldada na experiência do professor  para juntos construírem um universo plural de dados que serão utilizados em benefícios de todos. O fator mais importante influi na aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe e traz em si. Determine isso e ensine-o de acordo”.(MOREIRA; MASINI,1982, P.88)

O jogo que precisa existir entre a capacidade do aluno,  como resultante de sua história de vida e a autonomia que ele deverá ter para construir conhecimento a partir de saberes passa a ser o termômetro dessa relação que, se mal planejada nos leva a todos à vertente de “As aventuras de PI” onde numa sucessão, os menores são devorados, restando apenas o tigre faminto, PI, a fome e o mar agitado. O tigre como o aluno-aprendente não reconhece em PI seus amigo professor-ensinante que tantas vezes proveu o seu sustento e satisfação de suas necessidades mais prementes. Metaforizando essa relação, assemelha-se à relação professor-aluno quando não compreensão de objetivos dos dois lados. O aluno coloca-se sempre na defensiva quando não obtém sucesso. “... O professor não ensinou, não entendi, ele não responde, nunca vi esse assunto antes, não tenho todo o material didático, não enxergo bem, não ouço o que ele diz, não estou bem alimentado, trago em mim sérios problemas... O exemplo prático dessa polarização de protagonistas é quando se informa que o professor não virá, não terá aula, não terá prova, é greve...é feriado. Esses sim, são motivos de alegria para muitos alunos.

            É exatamente para prevenir esse “cabo-de-guerra” que  autorregulação surge não como solução miraculosa para o problema da aprendizagem, mas como uma possibilidade de valorizar o aluno pelo que ele sabe que sabe, reconhecer seu potencial pelas vias que ele mesmo mostrou que consegue chegar ao ponto desejado pelo professor: aprendizagem. É imperativo mostrar que quando se sabe, se faz e quando se faz, estabelece-se espaço e define-se território. Até para se saber o que não se sabe é preciso estudar. Nessa vertente cristaliza-se a figura do aluno-agente (aprendente que faz). Ele precisa assenhorar-se de informações e saberes que sistematizados comporão o seu novo mundo: o mundo de quem sabe. A autonomia e o aprender a pensar expressam-se nas aprendizagens avaliadas no  processo de desenvolvimento tanto pelo professor como pelo aluno.” (HADJI, Charles – 2001).

O QUE FAZER COM O QUE APRENDE

            Baseando-se nos processos mentais que levam o aprendiz a pensar, sentir e fazer, um outro eixo pode ser focado nessa dimensão em busca da compreensão e apreensão: ouvir, refletir e posicionar-se. De modo que chega a ser angustiante observam-se alunos que se debruçam sobre a leitura de conteúdos trabalhados, realizam exercícios dos mais variados, constatam que aprenderam, são “testados” por colegas de estudo ou familiares e professores de reforço. No ato de realização da verificação, constatam que se perderam no emaranhado de conteúdos, regras, fórmulas e macetes. O resultado, se não frustrante, conduz ao desânimo. Pergunta-se o que houve e a resposta não é suficiente para novos voos.

            Na tríade das ações sequenciadas, o aluno cria uma linha disciplinadora de conduta. Ele por si mesmo descobre-se capaz de promover uma reflexão sobre o que ouviu, viu ou sentiu. Isso posto, posicionar-se sobre é uma questão decorrente e sem maiores dificuldades. Nesse exercício ele realizou a síncrese (recebeu sem questionar o conteúdo apresentado),valeu-se dos saberes prévios sobre o referido material para uma  análise sobre a validade e argumentação dos mesmos, pra finalmente proceder a síntese que é resultante do que conseguiu apreender sobre o assunto tratado.

             A autorregulação deve ajudar o aluno a desenvolver-se desde a interação inicial na classe. Favorece o aluno no sentido de tomada de decisões, planejamento e avaliação da atuação como aprendiz. Esta participação guiada possibilita aos alunos a apropriação de habilidades, como: observar, identificar, relacionar, comparar e comunicar, que fortalecem as competências racionais. Propõe-se a necessidade de socialização de significados entre os elementos participantes do processo, que é uma habilidade mais afetiva e atitudinal. (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004). Senhor de si mesmo há a autorrealização  esperada: a aprendizagem, o grande alvo.

ESTE  E AQUELE

            “ Existem as preguiças-de-dois-dedos e as de três, classificação que se baseia nas patas dianteiras desses animais, já que todos têm três garras nas patas traseiras. Num verão, tive a sorte de poder estudar as preguiças-de-três-dedos in loco, nas florestas tropicais do Brasil. Trata-se de uma criatura extremamente intrigante. O seu único hábito efetivo é a indolência. Ela dorme ou descansa em média vinte horas por dia. A preguiça tem a sua hora de maior atividade ao pôr do sol, considerando-se que o termo atividade está sendo usado, aqui, num sentido bem amplo.

            A preguiça-de-três-dedos não tem muitas informações sobre o mundo exterior. Numa escala de 2 a 10, em que o 2 representa uma estupidez fora do comum e o 10, uma extrema acuidade, revela que se alguém topar com uma preguiça-de-três-dedos dormindo na selva, duas ou três sacudidelas são o bastante para acordá-la; ela vai então olhar sonolenta em todas as direções, menos na de quem a acordou. Aliás, por que será que ela olha assim, já que se

sabe que esse animal vê tudo embaçado? Quanto à audição, a preguiça não é exatamente surda; ela não se interessa muito pelos sons.

            A preguiça-de-três-dedos leva uma vida pacata de vegetariano, em perfeita harmonia com o meio que a cerca. “Ela tem sempre nos lábios um sorriso afável”. Vi esse sorriso com os meus próprios olhos. Não se pretende projetar traços e emoções humanos em animais, mas, por

diversas vezes, olhando as preguiças descansando, compara-se estar  diante de iogues virados de cabeça para baixo, em meditação profunda, ou de eremitas totalmente entregues a orações, sábios cujas vidas intensas e imaginativas ultrapassavam o alcance das  comprovações científicas. (MARTEL, Yann – As Aventuras de PI).

             Conhecendo-se o histórico e as condições  bio-psico-sociais do aluno, a tarefa é facilitada, mas também aumenta a responsabilidade na condução do processo ensino-aprendizagem, que respeitadas as proporções do animal referenciado, delineia-se a distância que há entre o olhar do professor e a alma do aluno. Uma distância que se pretende superar. 

CONSIDERAÇÕES

            A proposta que vem se esboçando numa série de pequenos artigos que abordam insistentemente  o problema da aprendizagem nos conduz a uma luz no fim do túnel de possibilidades de haver a efetiva interação entre o que se ensina e o que se pretende ensinar; o que se aprende e o que se pretende que seja aprendido, num momento histórico em que a escola se debate entre o que faz e o que precisa ser feito.

             Nessa batalha, surgem questionamentos quanto à formação do professor, a proposta das escolas, o olhar dos sistemas e a visão que se tem do aluno. Isto posto, no outro lado do espelho estão os elementos que obscurecem a visão de quem não pediu para aprender, não encontra sentido no que aprender, não vê justificativas para aprender, se não sabe como vai utilizar-se do que aprendeu.

            Sem esgotar nenhuma possibilidade, sem desvendar nenhum mistério ,sem desmistificar nenhum valor, as pretensões desses estudos visam a contribuir para que se estimulem os questionamentos e as pesquisas a respeito do binômio ensino-aprendizagem ainda que tenhamos de recorrer a novos termos como como aprendente (aquele que aprende, independente de ter havido ou não, ensinamentos), ensinante (aquele que ensina ainda que tenha dúvida sobre o que ensinou), ressignificação da autorregulação ( como forma de refutar teorias e pontos de vista  de que toda a responsabilidade do aprender deva  ficar sob a responsabilidade do aluno) e ensinagem (como fundição das duas palavras que representam o grande objetivo da realização humana que e á busca e aquisição de conhecimentos. Há de se defender com afinco e boa fundamentação teórica sobre essa ferramenta de trabalho dos cientistas da Educação – Mestrado Ciências da Educação.

REFERÊNCIAS

COLL, C; MARCHESI, A; PALACIOS, J; Desenvolvimento Psicológico e Educação – Porto Alegre:ArTmed,2004

HADJI, Charles. Avaliação desmistificada. Pátio Pedagógico, Porto Alegre, n. 15, 2001

Martel, Yann As Aventurasde Pi

MERIEU, Philipe. Aprender... sim, mas como? Porto Alegre: ARTMED, 1998

MONTERO, Roces; TORRES Gonzalez. Capacidad de autorregulación del proceso de aprendizaje. Madrid: Pirámide, 1990.

MOREIRA, Marco Antonio; MASINI, Hélice. Aprendizagem significativa. São Paulo: Mora-es, 1982.

OLIVEIRA, Colandi Carvalho de. Psicologia da ensinagem. Goiânia: Kelps, 2004.

(*) Mestrando em Ciências da Educação