ENSAIO SOBRE O DIREITO DE TER DIREITOS

Por Fatima Mendes Carvalho

Para concluir o módulo de Política Brasileira do curso de Pós-graduação em Gestão Pública, a professora Ana Paula Ribeiro, socióloga como José Murilo de Carvalho, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ em 1999, com mestrado em Ciências Políticas (2002) e doutorado em Saúde Coletiva (2005), ambos na mesma casa acadêmica, a UERJ, pediu que se explicasse o desenvolvimento dos direitos sociais, políticos e civis nos séculos XIX e XX baseando-se na afirmação de Carvalho de que "nossa cidadania não está consolidada".

Compartilhamos, eu e José Murilo, do mesmo sobrenome e temos como origem por família o interior do sul de Minas Gerais, ele do município de Piedade do Rio Grande, eu por parte de pai, do município de Carmo do Rio Claro. Interessante é que analisando os fatos históricos do nosso país, nossas semelhanças não param por aí.J.M. nasceu em 1939, em pleno Estado Novo de Vargas, que nada mais foi do que um golpe dentro do golpe que fora sua eleição indireta em 1934, período em que todos os direitos políticos do povo brasileiro foram suprimidos, com o fechamento do Congresso e a suspensão da Constituição de 1934. Eu nasci em 1961 quando o "homem do tostão contra o milhão" que iria "sanear" a nação, o homem da vassoura do "varre, varre vassourinha, varre, varre a bandalheira, o povo já está cansado de viver dessa maneira", Jânio Quadros, assumiu a presidência do Brasil, com quase seis milhões de votos, mas revelou-se um verdadeiro charlatão e hipócrita.Extremamente moralista Jânio proibiu a propaganda em cinemas, regulamentou os horários e as normas do jogo de cartas em clubes e a participação de crianças em propagandas de TV e rádios, entre outras medidas de coerção dos direitos dos brasileiros.Enfim, ambos vivemos fases muito marcantes do desenvolvimento, ou melhor dizendo, da falta de desenvolvimento do conceito de cidadão brasileiro.

Falando academicamente, a cidadania se estabelece na vida concreta, cotidiana, na dinâmica das relações sociais onde é possível se observar diferentes grupos vivendo e convivendo e estabelecendo condições para isto na forma de "direitos".Estabelecimento este que na procura de condições justas e dignas de convivência são conquistados, em sua maioria, através de lutas e de conflitos sociais, como nos mostra a historia universal.

Essas conquistas têm sido expressas em Declarações, Acordos, Constituições, Estatutos, entre outras formas. Nas primeiras declarações que afirmaram esses direitos, foi usada a expressão genérica "Direitos do Homem e do Cidadão", que diz respeito ao que hoje se conhece por direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

A expressão "Direitos do Homem" refere-se ao "universal" e são fundamentais, pois correspondem as necessidades essenciais da pessoa, como a vida, igualdade, liberdade, alimentação, saúde e educação. São válidos para todas as pessoas, independentemente de nacionalidade, etnia, gênero, classe social, religião, escolaridade, orientação sexual, idade etc., e refere-se ao que todo homem é e tem por direito, independentemente do país em que vive ou da forma de governo ali adotada.

Já a expressão "Direitos do Cidadão" diz respeito à relação do indivíduo com a sua nação. Assim, um indivíduo, em situações específicas, pode ter alguns de seus direitos de cidadão suspensos temporariamente, mas nunca perde os direitos do homem.

Com formação em Administração Empresarial e mesmo não sendo jurista, não consigo pensar a cidadania sem pensar o conceito de direito.É necessário também se entender que não há como pensar em direitos sem pensar nas responsabilidades individuais e coletivas que o uso ou cumprimento do direito requer. Os direitos implicam deveres a cumprir e a observância deles é condição imprescindível para a convivência social.

Se possuirmos algum direito, temos a responsabilidade de garantir que ele continue a existir e de fazê-lo valer a todos. As demais pessoas, por sua vez, têm a co-responsabilidade na criação de condições para que nós o exerçamos e o dever de respeitá-los.

O direito à educação, por exemplo, pressupõem responsabilidades, como a preocupação com sua qualidade e extensão a todas as pessoas, o compromisso com o estudo e a manutenção do equipamento escolar. O direito à liberdade de expressão, por sua vez, pressupõe o combate a tudo que limite ou impeça outras pessoas ou grupos sociais de se expressarem publicamente.

Atendo-me ao foco delimitado por Ana Paula Ribeiro, do desenvolvimento dos direitos sociais, políticos e civis nos séculos XIX e XX é preciso entender que o Brasil só começou a acordar, no final do século XVIII, para um movimento originário na Inglaterra um século antes, que aprovou naquela época a proposta de lei onde a população teria a liberdade de expressão, a liberdade política e a tolerância religiosa.

A partir do século XIX, a Revolução Industrial inglesa provocou mudanças sociais profundas que influenciaram outros países. Assim, surgiram novos problemas, que se tornaram o cerne das lutas sociais.
O crescimento das cidades com a presença das fábricas, as difíceis condições de vida e trabalho dos operários e da população pobre, a marginalização da vida política e tantas outras questões favoreceram a organização dos operários em sindicatos, alimentados por novas idéias e novos projetos de organização da sociedade.Nesse contexto, sob a influência do pensamento socialista, o movimento sindical europeu questionou a enorme distância entre os princípios inscritos nas declarações de direitos e a dura realidade vivida pelos operários e outros segmentos da população.

As extensas jornadas de trabalho, os baixos salários, as dificuldades com a moradia, a saúde e a educação dos filhos, além das proibições de manifestação político-sindical, chocavam-se de frente com os direitos propostos ou indicavam a insuficiência dos mesmos.

Nas lutas sociais, portanto, os operários passaram a reivindicar novos direitos, ocorrendo uma ampliação progressiva dos direitos do homem e do cidadão. Nessa luta, insistiam na necessidade da presença do Estado para garantir o efetivo exercício desses direitos a todos os que, por sua posição subalterna na sociedade, estavam impedidos de exercê-los.

A partir desses movimentos sociais, surge a chamada "segunda geração de direitos". Se os direitos da primeira geração, nos séculos XVII e XVIII tinham por referência a liberdade, esses têm como tônica a igualdade. São também chamados de direitos sociais, econômicos e culturais e incluem, entre outros, o direito ao trabalho, organização sindical, greve, estabilidade no emprego, segurança no trabalho, previdência social, saúde, educação gratuita e acesso à cultura e moradia.

Como já mencionei, o Brasil estava atrasado um século pelo menos em relação à Europa e aos estados norte americanos.A história da cidadania no Brasil é praticamente inseparável da história das lutas pelos direitos fundamentais da pessoa: lutas marcadas por massacres, violência, exclusão e outras variáveis que caracterizam o Brasil desde os primeiros tempos da colonização.

Em novembro de 1807, as tropas de Napoleão Bonaparte obrigam a coroa portuguesa a procurar abrigo no Brasil. Dom João VI, rei de Portugal, chega ao Rio de Janeiro em 1808, abandonando a metrópole após uma aliança defensiva feita com a Inglaterra (que deu proteção aos navios portugueses no caminho). No mesmo ano os portos brasileiros são abertos às nações amigas, configurando, de fato, um fim à condição de colônia. Como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves governado a partir do Rio de Janeiro, passa a ser a única colônia do mundo a se tornar, momentaneamente, metrópole.

Isso irritou setores da sociedade portuguesa da época, e culminou na Revolução liberal do Porto, que eclodiu em 1820. Os liberais exigiam o regresso de Dom João VI para Portugal e a volta do Brasil à condição de colônia. Em 1821, Dom João VI retorna para Portugal e deixa seu filho, Pedro, como regente no Brasil. Embora rei, D. João perde, com a Revolução, a condição de monarca absolutista, passando a possuir um poder apenas simbólico. D. Pedro é convocado pelos liberais a voltar para Portugal também, uma forma de forçar a volta do Brasil a condição anterior de colônia. Recusando-se a retornar neste momento, D. Pedro promulga uma lei na qual qualquer decisão tomada a partir de Lisboa que afetasse o Reino Unido Brasil deveria ser por ele ratificada a fim de se fazer valer. Uma vez que Portugal já era então uma metrópole fraca e decadente, não mais poderia impedir a independência do Brasil que é declarada oficialmente em setembro de 1822 tornando-se o Brasil uma monarquia constitucional.

Compreender o que era o Brasil no século XIX nos obriga a pensar nos moldes em que o Estado Nacional brasileiro foi se construindo e a olhar para a estrutura do poder (ou para as estruturas de poder, se pensar no quanto o senhor local era o verdadeiro mandatário), para a manutenção das desigualdades e para a concentração de riqueza nas mãos de poucos, para as iniciativas de fazer diferente e para a repressão desses fazer, para a passagem do modelo de corte do 2o Reinado para a república dos coronéis no século XX.

O Século XIX no Brasil foi caracterizado pelo Imperialismo. O Império do Brasil foi o Estado brasileiro existente entre 1822 e 1889 que precedeu a atual República Federativa do Brasil e teve a monarquia parlamentar constitucional como seu sistema político. O Império do Brasil constituiu o 12º maior império da história da humanidade e teve seu início após a declaração da Independência em relação a Portugal, em sete de setembro de 1822, e seu fim após o golpe de Estado militar que instaurou a forma republicana presidencialista, em 15 de novembro de 1889. Foi dividido em dois períodos: o Primeiro Reinado, que se iniciou em sete de setembro de 1822 e teve seu fim quando D. Pedro I abdicou em sete de abril de 1831, e o Segundo Reinado, que foi iniciado na mesma data com a aclamação de D. Pedro II e perdurado até a proclamação da República. Este período da História do Brasil é denominado, tradicionalmente pela historiografia, como "Brasil Império", "Brasil Imperial" ou "Brasil Monárquico" e destaca-se neste trabalho porque a história da cidadania no Brasil está diretamente ligada ao estudo histórico da evolução constitucional do País que se iniciou com Constituição imperial de 1824.

A elaboração da Constituição do Brasil de 1824 foi bastante conturbada.

Logo após a Proclamação da Independência do Brasil, em sete de setembro de 1822, ocorreu um conflito entre radicais e conservadores na Assembléia Constituinte. A Independência do Brasil não havia se consolidado com a aclamação e coroação do Imperador, mas sim com sua Constituição.

A Assembléia Constituinte iniciou seu trabalho em três de maio de 1823, quando o imperador Dom Pedro I discursou sobre o que esperava dos legisladores.Uma parte dos constituintes tinha orientação liberal-democrata: teoricamente queriam uma monarquia que respeitasse os direitos individuais, delimitando os poderes do Imperador, mas D. Pedro I queria ter poder sobre o Legislativo através do voto, iniciando uma desavença entre ambos os pontos de vista.

Com um total de 90 membros eleitos por 14 províncias, destacavam-se na Constituinte, proprietários rurais, bacharéis em leis, além de militares, médicos e funcionários públicos. Para elaborar um anteprojeto constitucional, foi designada uma comissão composta por seis deputados sob liderança de Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio.

O anteprojeto continha 272 artigos de caráter classista e, portanto antidemocrático. Esta característica ficou claramente revelada com a discriminação dos direitos políticos, através do voto censitário, onde os eleitores do primeiro grau (paróquia) tinham que provar uma renda mínima de 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegeriam os eleitores do segundo grau (província), que necessitavam de uma renda mínima de 250 alqueires. Estes últimos elegeriam deputados e senadores, que precisavam de uma renda de 500 e 1000 alqueires respectivamente, para se candidatarem.A postura elitista do anteprojeto aparece também em outros pontos, como a questão do trabalho e da divisão fundiária. O escravismo e o latifúndio não entraram em pauta, pois colocariam em risco os interesses da aristocracia rural brasileira. Destaca-se ainda, certa xenofobia na carta, que expressava na verdade, um luso fobia marcadamente anticolonialista, já que as ameaças de recolonização persistiam tanto no Brasil, como em Portugal, onde alguns setores do comércio aliados ao clero e ao rei alcançam uma relativa vitória sobre as Cortes, no episódio conhecido como "Viradeira". A posição anti-absolutista do anteprojeto fica clara devido à limitação do poder de D. Pedro I, que além de perder o controle das forças armadas para o parlamento, tem poder de veto apenas suspensivo sobre a Câmara. Dessa forma, os constituintes procuram reservar o poder político para a aristocracia rural, combatendo tanto as ameaças recolonizadoras do Partido Português, como as propostas de avanços populares dos radicais, além do próprio absolutismo de D. Pedro I.

Em 12 de novembro de 1823D. Pedro I mandou o Exército invadir o plenário, prendendo e exilando diversos deputados, este episódio ficou conhecido como "A Noite da Agonia".Os irmãos Andradas, José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos, foram presos e deportados.

Perdendo o poder que vinham conquistando desde o início do processo de independência, a aristocracia rural recua, evidenciando que a formação do Estado brasileiro não estava totalmente concluída.

Feito isto, D. Pedro reuniu dez cidadãos de sua inteira confiança, pertencentes ao Partido Português, entre eles João Gomes da Silveira Mendonça, os quais, após algumas discussões a portas fechadas, redigiram a Primeira Constituição do Brasil, no dia 25 de março de 1824.

A Primeira Constituição do Brasil é uma Constituição escrita, semi-rígida, codificada, outorgada, dogmática e analítica. Guarda os princípios do liberalismo, desvirtuados pelo excessivo centralismo do imperador e tinha como principais características um governo que era uma monarquia unitária e hereditária; a existência de quatro poderes: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Poder Moderador, este acima dos demais poderes, exercido pelo Imperador; o Estado adotava o catolicismo como religião oficial; define quem é considerado cidadão brasileiro; as eleições eram censitárias, abertas e indiretas; determinava a submissão da Igreja ao Estado, inclusive com o direito do Imperador de conceder cargos eclesiásticos na Igreja Católica (padroado); foi uma das primeiras do mundo a incluir em seu texto (artigo 179) um rol de direitos e garantias individuais; o Imperador era irresponsável (não respondia pelos seus atos judicialmente). Por meio do Poder Moderador o imperador nomeava os membros vitalícios do Conselho de Estado, os presidentes de província, as autoridades eclesiásticas da Igreja oficial católica apostólica romana e o Senado vitalício. Também nomeava e suspendia os magistrados do Poder Judiciário, assim como nomeava e destituía os ministros do Poder Executivo.

Nossa primeira constituição fica assim marcada pela arbitrariedade, já que de promulgada, acabou sendo outorgada, ou seja, imposta verticalmente para atender os interesses do partido português, que desde o início do processo de independência política, parecia destinado ao desaparecimento. Exatamente no momento em que o processo constitucional parecia favorecer a elite rural, surgiu o golpe imperial com a dissolução da Constituinte e conseqüente outorga da Constituição. Esse golpe impedia que o controle do Estado fosse feito pela aristocracia rural, que somente em 1831 restabeleceu-se na liderança da nação, levando D. Pedro I a abdicar.

O Brasil do século XIX, durante o império, era um Brasil de economia agro-exportadora, com um fraco mercado consumidor decorrente da mão de obra escrava. Politicamente era dominado por uma elite oligárquica que concentrava em suas mãos todos os privilégios. Possuía uma classe média fraca e indefinida, no início do século, e uma classe operária que só teria alguma expressão nas duas últimas décadas.Era um país, teoricamente, independente, mas, na prática, dirigido pelos interesses estrangeiros, onde se destacava a Inglaterra. O setor industrial ainda era inexpressivo.

No século XX, os grandes conflitos mundiais, o genocídio nazista e a destruição de cidades japonesas pela bomba atômica promovida pelos EUA representaram violações sistemáticas e desenfreadas dos direitos do homem e do cidadão, mobilizando governos, entidades e movimentos sociais, em diferentes países, na busca de padrões aceitáveis de convivência entre as nações e em seu interior.

O documento que sintetiza essas preocupações e que se constitui na grande referência até hoje é a "Declaração Universal de Direitos Humanos", votada pela Assembléia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948.

Essa declaração incorpora a primeira e a segunda geração dos direitos, isto é, os direitos civis e políticos formulados nas lutas contra o Absolutismo, nos séculos XVII e XVIII, e os direitos sociais, econômicos e culturais, propostos pelos movimentos sindicais e populares durante os séculos XIX e XX.

Na segunda metade do século XX, os conflitos decorrentes da nova e complexa organização mundial no pós-guerra colocaram questões inéditas relativas aos direitos do homem e do cidadão. Chama a atenção as muitas e injustificadas guerras, o uso indiscriminado de substâncias poluentes em todos os setores da atividade econômica, a persistência das desigualdades sociais, as reivindicações das mulheres contra a desigualdade nas relações de gênero. São novas necessidades que se traduziram em direitos reivindicados por movimentos sociais.

Esses direitos formam uma terceira geração: os direitos de solidariedade, como o direito à paz, ao desenvolvimento e à autodeterminação dos povos, a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado e à utilização do patrimônio comum da humanidade (o fundo dos mares, o espaço extra-atmosférico e a Antártida).

Também na segunda metade do século XX, multiplicaram-se as declarações que procuram traduzir os direitos não mais para os homens, genéricos, mas sim fazendo referência a sujeitos específicos, como a mulher, a criança, o adolescente, o idoso, os portadores de necessidades especiais.Portanto, os direitos e responsabilidades do homem e do cidadão são formulados a partir do momento em que grupos sociais específicos reivindicam a superação das necessidades e dos conflitos que vivem.

Não se pode aceitar que os direitos fiquem restritos aos textos em que são expressos, pois formam um patrimônio coletivo da humanidade que deve ser garantido a todos os cidadãos do mundo. A sua violação deve nos encorajar a transformar as condições que impedem a sua efetivação.

Novos desafios, conflitos e necessidades certamente colocam em pauta os direitos: a garantia dos direitos já expressos; a conquista de novos direitos. Os direitos são efetivados e conquistados se estivermos atentos às transformações sociais e dispostos a enfrentar as situações que podem impedir ou limitar a sua existência.

Ao falar de cidadania no Brasil estamos nos referindo a uma cidadania que nunca se completou efetivamente. Num país de capitalismo tardio e periférico como o Brasil o pleno cidadão nunca chegou a existir de fato. Por um lado, porque tivemos como herança colonial uma sociedade de tradição autoritária, como já vimos acima, na qual os homens tinham muito mais deveres do que direitos e cujo fundamento da disciplina era a simples e inquestionável obediência.Por outro, porque mal conseguimos completar a infância da nossa República, entremeada por conturbados períodos ditatoriais, conjugou-se à nossa história a implantação de uma sociedade de consumo de massa que veio corroer o nosso já frágil projeto de cidadania.

Para CARVALHO, J.M. (1988), "no Brasil, o bom cidadão não é o que se sente livre e igual, é o que se encaixa a força na hierarquia que lhe é prescrita, ou seja, é aquele que se submete docilmente ao mando e aceita sua posição social com cordialidade e simpatia. Desse modo, as pessoas são formadas como súditos, objetos de ação do Estado, e não como sujeitos desta ação. Por outro lado, o Estado aparece para as pessoas como algo a que se recorre, como algo necessário e útil, mas que permanece fora do controle, externo ao cidadão.

Historicamente, o que se revela na tradição brasileira, no que diz respeito à relação entre a população e o Estado é, de um lado, a expectativa de que o Estado atenda aos reclames em tomo de problemas elementares, atitude de quem se julga incapaz de influenciar e de exigir o cumprimento de seus direitos, e de outro, é o medo de, ao tomar uma posição como cidadão em defesa de direitos elementares, serem punido ou arrumar problemas para si mesmo, tendo que se envolver com a polícia e a justiça".

Na literatura sobre o assunto aparecem três aspectos que contribuem para inibir o desenvolvimento da cidadania no Brasil: o patrimonialismo, o clientelismo e a corrupção.

O primeiro se dá pelo fato de no Brasil a distinção entre o público e o privado nunca ter chegado a se constituir, na consciência popular, como distinção de direitos relativos à pessoa, ao cidadão; o segundo, se expressa, preferencialmente, por uma relação de troca de favores por benefícios econômicos em diferentes escalas e o terceiro, ocorre, principalmente, através da política do "presentinho", que nega quaisquer pressupostos racionais do contrato social, com base na igualdade e na reciprocidade como princípios que regulam e sustentam as relações sociais

No tocante à cidadania este é um ponto importante, pois é próprio do Estado Moderno ou de Direito pretender dissociar o público do privado, o mais precisamente possível, e conferir aos indivíduos um tratamento igual e impessoal na sociedade, através do estabelecimento de um código geral e comum a todos.

Nele as regras devem ser definidas de modo claro "a fim de satisfazer uniformemente (sem privilégios, nem proteções particulares) as aspirações da população de um território definido" Paradoxalmente, ter o status de cidadão no Brasil, isto é, ser tratado como igual e com impessoalidade, quase sempre gera nas pessoas um sentimento de "menos-valia" e incômodo. Ao contrário, quando temos posses, diplomas ou somos intermediados por alguém, com carta de apresentação e uma boa indicação, nos sentimos importantes e amparados por este sistema social extremamente perverso. Em outras palavras, aquilo que é uma qualidade ou condição da vida cidadã num Estado moderno, aparece aqui efetivamente como uma desvantagem, uma mera formalidade exigida pela lei e estatutos de regras.

Parece que vivemos ainda num tempo em que todos querem ser "sinhozinhos", ter algum título - mesmo que comprado - ou ter alguma relação com os membros da Corte. Tal fato remonta ao nosso passado colonial, reforçado pela permanência da monarquia após a independência, como parte da lenta história brasileira.

No Brasil a cidadania foi fortemente influenciada pela regulação do trabalho e pela disciplina imposta ao trabalhador urbano sob a tutela do Estado. Por interesses econômicos e de classe, o Estado imporia uma legislação trabalhista que, salvo todas as suas incorreções e elementos autoritários, contribuiria, de maneira ambígua, para impulsionar a associação de classes profissionais em sindicatos por categorias e a participação do trabalhador na vida política do país num sentido mais amplo. As cidades foram, preferencialmente, o pólo e o palco privilegiado desse desenvolvimento. Da era Vargas até recentemente, o trabalhador urbano que não portasse a carteira de trabalho como comprovante de sua ocupação profissional corria o risco de ser preso na rua quando abordado por um policial. Desse modo, era o "Estado quem definia quem era e quem não era cidadão, via profissão".

O fim da ditadura militar e a conquista de liberdades democráticas nos anos 80 foram à culminância de um processo de desenvolvimento dos direitos sociais e luta por direitos políticos e civis no país de mais de meio século. A Constituição de 1988 representou a consolidação e a ampliação política desses direitos no plano legal. Mas, se nos reportarmos ao século XVIII, o fato de se ter descoberto ouro no Brasil não tornou o país mais rico, hoje em pleno século XXI, o fato de termos conquistado a "liberdade democrática" desejada da década de 80, os anos de 1990 figurou como os de maior faixa de pobreza absoluta, ultrapassando a casa dos 45%. Isto quer dizer que aproximadamente 70 milhões de brasileiros não conseguiam suprir as suas necessidades básicas e viviam no leito da miséria. Será que os anos 2000 estão muito diferentes dos anos 90?

Juntamente com os bolsões de pobreza crescem também as "áreas de exclusão" parcelas do território onde o Estado não mais é capaz de controlar. Tal perda da capacidade de controle do Estado pode ser observada, por exemplo, em áreas faveladas do Rio de Janeiro e na periferia de São Paulo. Em geral, constitui-se nessas áreas uma espécie de "Estado local", cujo poder é exercido, via de regra, por grupos ligados ao narcotráfico e ao crime organizado, que são responsáveis, hoje, pela movimentação de uma parcela expressiva do capital que circula na economia mundial através do comércio de drogas e armas. Ao lado da "economia subterrânea" do narcotráfico e da violência civil, não computada diretamente nos PIBs nacionais, ampliou-se também a chamada "economia informal", impactada, por um lado, pela crise social e, por outro, pela onda da "terceira revolução industrial" trazida pela informática.

Quem é então o cidadão brasileiro?A quem cabe então o direito de ter direito?

Na constituição brasileira os artigos referentes a esse assunto podem ser encontrados no Capítulo I, Artigo 5º que trata Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Cada um de nós tem o direito de viver, de ser livre, de ter sua casa, de ser respeitado como pessoa, de não ter medo, de não ser pisado por causa de seu sexo, de sua cor, de sua idade, de seu trabalho, da cidade de onde veio da situação em que está, ou por causa de qualquer outra coisa. Qualquer ser humano é nosso companheiro porque tem os mesmos direitos que nós temos. Esses direitos são sagrados e não podem ser tirados de nós; se forem desrespeitados, continuamos a ser gente e podemos e devemos lutar para que eles sejam reconhecidos. Às vezes cidadãos se vêem privados de usufruírem de seus direitos por que vivem cercados de preconceito e racismo; é incrível, mas ainda nos dias de hoje encontramos pessoas que se sentem no direito de impedir os outros de viver uma vida normal só porque não pertencem a mesma classe social, raça ou religião que a sua. Nós cidadãos brasileiros temos direitos e devemos fazer valer o mesmo independente do que temos ou somos.

No Brasil, "circunstâncias históricas tornaram mais lento o processo de formação da cidadania e fizeram com que até hoje prevalecesse à desconfiança entre os cidadãos e destes frente ao governo, situação que precisa mudar junto com o fortalecimento da cidadania, para garantir nosso próprio futuro como nação."

Mesmo assim, "aos trancos e barrancos", continuamos caminhando para uma cidadania mais "plena" (será?), pelo menos em termos políticos, no Brasil e no mundo, onde já podemos ver acontecer um trabalhador da classe operária se tornar presidente e, inclusive, se reeleger e pasmem os preconceituosos e incrédulos de que o mundo está mudando... Assisti no feriado carioca de São Sebastião, um negro, afro-americano, nascido no Havaí, república que foi abolida em 1898 e anexada pelos Estados Unidos, de descendência Keniana por parte de pai, que não foi criado em um lar cristão, ao contrário, passou seus primeiros anos de vida sob a influência do ateísmo, do islamismo popular e de um entendimento humanista que vê a religião como um produto do homem, tomar posse do posto mais poderoso do mundo, como presidente dos Estados Unidos da América do Norte. A esperança é que estes homens que nos surpreendem por estarem no poder político façam acontecer à verdadeira cidadania que nos garante a vida, a igualdade, a liberdade, a moradia, a alimentação, a saúde e a educação, válidos para todas as pessoas, independentemente de nacionalidade, etnia, gênero, classe social, religião, escolaridade, orientação sexual, idade etc., e referente ao que todo homem é e tem por direito – O DIREIRO DE TER DIREITOS.