1-    Introdução 

Este trabalho apresenta uma breve análise da obra o Pequeno Príncipe escrita por Antoine de Saint Exupéry, aqui farei uma análise crítica desta obra visando mostrar aos leitores algumas intenções subentendidas no contexto desse livro.

Irei primeiramente apresentar-lhes uma sucinta biografia do autor, baseada em pesquisas informações dos arquivos militares do exército francês.

Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry nasceu em 29 de junho de 1900 em Lyon na França, filho do conde e da condessa de Foscolombe. Desde pequeno demonstrava seu amor por mecânica e principalmente pela aviação, passou a escrever periodicamente em jornais e escrevia livros e artigos independentes. Tornou-se militar, piloto da força aérea francesa, isso retardou a publicação de novas obras, em 1943 em meio à 2ª Guerra Mundial (na qual ele estava combatendo) escreveu seu maior sucesso “O Pequeno Príncipe” e em 31 de julho de 1944 seu avião é abatido sobre o Mar Mediterrâneo. Recebeu as mais altas honras militares do exército francês e em 2004 foram encontrados os destroços de seu avião perto da costa litorânea da Marselha. Seu corpo nunca foi encontrado.

Usarei essas informações para contextualizar o texto do livro, partindo do pressuposto de que essa obra foi escrita por um militar, combatente em pleno exercício. Sem esse pressuposto é impossível avaliar as reais intenções de Exupéry ao escrever esse livro.

Os militares combatentes conviviam com cenas trágicas, terríveis e eram submetidos a situações de extrema miséria e sofrimento físico e psicológico. Uns tornavam-se pessoas rudes, duras e pouco sentimentais, outros pelo contrário, tornavam-se pessoas sensíveis, pensadores, pessoas que buscavam soluções para sanar os conflitos políticos e pessoais dos homens.

 

 

2-    Justificativa

 Essa obra foi escolhida para este trabalho por considera-la uma das maiores críticas à alienação da sociedade, o conceito de alienação foi criado por Carl Marx em meados do século XIX, este conceito diz que algumas pessoas estão tão condicionadas ao que fazem que nem mesmo percebem o mundo à sua volta, vivem em função do trabalho, mas nem mesmo conseguem usufruir de seus salários, além disso, privam-se de convívio social e de contatos afetivos, pois em virtude do trabalho que executam e da frequência com que o fazem, não tem tempo para filhos, família e muitas vezes não possuem tempo nem mesmo para si próprios. Tornam-se assim, máquinas de trabalho alienadas ao mundo e à sociedade à sua volta.

A obra de Antoine retrata exatamente esse tipo de comportamento social, bem como as consequências para a formação de crianças, expostas a essa atmosfera de pressão trabalhista, o que fazia com que elas muito cedo, deixassem seus sonhos de lado. Tornando-se assim, adultos frustrados e consequentemente trabalhadores alienados, esquecendo-se do tempo de criança. 

3-    Desenvolvimento

Foi exatamente isso que aconteceu com Antoine, ele passou a criticar as guerras e a analisar os comportamentos rudes e desumanos do homem, que parecia haver esquecido de que um dia foi uma “simples criança”. Foi exatamente essa a linha de trabalho que ele usou para escrever o Pequeno príncipe, nessa obra o autor critica a inversão de valores que a sociedade capitalista havia sofrido e apresenta o “Pensar como uma criança” como a solução para resolver os embates e remediar a alienação da sociedade.

Logo na dedicatória do livro, Antoine começa a sua crítica ao modo como os adultos percebem a vida, quando dedica o livro ao amigo Léon Werth, para não cair em contradição acaba satirizando seu próprio texto e diz que dedica o livro ao amigo, mas não ao atual estado de maturidade dele, Antoine dedica ao amigo quando ele era criança e depois justifica que seu amigo é especial pois conseguia entender e pensar como uma criança.

Nesse início da obra o autor usa linguagem não verbal para contar como sua promissora carreira artística, como pintor, foi interrompida aos seis anos de idade, um dia ao ver um documentário sobre a vida animal das florestas tropicais, viu que as jiboias podiam engolir suas vítimas inteiras sem mastigá-las, logo sua imaginação começou a voar alto e ele resolveu desenhar isto:

E ao perguntar aos adultos se o seu desenho lhes dava medo, sempre ouvia a mesma resposta: ­“Por que um chapéu daria medo?”

Mas seu desenho não significava um chapéu, mas sim, uma jiboia digerindo um elefante.

Então, mediante a pouca habilidade de interpretação dos adultos ele resolveu desenhar de uma forma mais clara o que pretendia expressar:

Assim que viram seu novo desenho, os adultos disseram para ele desistir de desenhar jiboias abertas ou fechadas e dedicar-se ao estudo da matemática, geografia e gramática, assim ele desistira de desenhar e tornara-se um piloto.

Mesmo depois de adulto sempre conservara seu desenho número 1 consigo e todas as vezes que o mostrava à alguma pessoa que julgava ser mais aberta ou que lhe parecesse inteligente sempre diziam o mesmo: “É um chapéu”.

“Colocava-me no seu nível”. Claramente pode-se ver que o autor apresenta os adultos como seres que perderam a inteligência que tinham quando crianças. Assim ele precisava falar de bridge, golfe, política, pois entender um desenho como aquele exigia um nível de inteligência muito superior ao de um adulto.

Nesse Capítulo podemos ver uma crítica ao modo insensível que os adultos tratam os assuntos que não lhes interessam, mesmo quando esse assunto é um desenho que uma criança tenha feito, também podemos ver que o autor testa a sensibilidade dos leitores, pois todas as aquarelas do livro foram feitas à mão pelo próprio Antoine, dando assim um toque de nostalgia e veracidade à obra.

Exupéry também completa sua crítica aos adultos neste capítulo com frases como:

“As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, ficar toda hora explicando”.

“Convivi com as pessoas grandes. Vi-as bem de perto. Isso não melhorou muito a minha antiga opinião”.

“Falava de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada em conhecer um homem tão razoável”.

No desenvolvimento da ideia, Antoine questiona o feminismo, que ardia pela América e Europa, personificando sua opinião sobre as mulheres, no comportamento da rosa, podemos ver um retrato dos ideais feministas, que eram descritos em uma personalidade, grossa, arrogante, teimosa e mentirosa e estúpida. A Rosa cai em contradição e demonstra ser uma mentirosa, isso pode ser evidenciado no trecho: “À noite me colocarás sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Está mal instalado.

De onde eu venho...

Mas interrompeu-se de súbito.

Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos.”

Nesse ponto podemos analisar a opinião do autor que considera as mulheres (feministas) mentirosas, mas são tão estúpidas que nem conseguem mentir sem cair em contradição.

Trechos como: “Não soube compreender coisa alguma! Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas palavras. Ela me perfumava, me iluminava... Não devia jamais ter fugido. Deveria ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. São tão contraditórias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar.” O autor desabafa suas desilusões amorosas e expõe a aparente dificuldade que possuía em entender as mulheres. Além disso, de forma subjetiva, da um conselho para que não julguemos as mulheres pelas palavras, mas sim pelos atos, pois elas “perfumam e iluminam” o ambiente.

Em uma série de críticas diretas a extratos da sociedade ele viaja com o eu lírico “principezinho” por diversos planetas onde encontra moradores bem diferentes e com sérias patologias sociais, reforça essa turnê pelo universo durante uma discussão com o eu lírico “piloto” vejamos:

“Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela.

Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!” e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo! “

A visita mencionada pelo príncipe é uma das 7 paradas que fez antes de chegar à Terra, no primeiro planeta em que parou havia um rei sem súditos. Retrata a solidão em que vivem os monarcas, confinados ao isolamento total por sentirem-se elitizados demais para misturarem-se com a plebe.

No segundo planeta havia um vaidoso, um homem que pensa estarem todos olhando apenas para ele, como se fosse o centro das atenções, é uma crítica aos famosos e artistas que se consideravam superiores por terem fama.

A terceira parada foi em um planeta onde havia um bêbado, esse homem é um ataque contra as pessoas que eram escravizadas pelo álcool sem nem mesmo entenderem o porquê do vício. Fica claro isso na resposta à pergunta do pequeno príncipe ao homem bêbado. Vejamos o trecho:

“- Que fazes aí? Perguntou ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.

- Eu bebo, respondeu o bêbado, com ar lúgubre.

- Por que é que bebes? Perguntou-lhe o principezinho.

- Para esquecer, respondeu o beberrão.

- Esquecer o quê? Indagou o principezinho, que já começava a sentir pena.

- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando a cabeça.

- Vergonha de quê? Investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.

Vergonha de beber! Concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu silêncio.” Ele bebia para esquecer a vergonha de ser bêbado, ou seja, o motivo do vício é a própria causa dele. Isso torna o ato de beber, uma coisa sem sentido e inútil.

No quarto planeta era o habitado por um homem de negócios que nem levantara a cabeça ao perceber a chegada do príncipe. Representa o homem do século XX que além de trabalha mais do que podia, não conseguia ser afetivo com as pessoas que os circundavam. O homem pensa que é dono do universo por trabalhar em contar estrelas, mas nem ao menos sabe o sentido do que faz. Tornando seu trabalho sem sentido.

No quinto planeta ele encontra um trabalhador incessante, esse ao contrário do outro, não era um homem de negócios, era um trabalhador de classe inferior (um empregado). Por ter que cumprir suas obrigações sem descanso, vivia alienado. Isso mostra o caráter marxista de Antoine que usa a teoria da alienação criada por Carl Marx, para montar seu personagem. Como não sabe o porquê faz seu trabalho, o homem tem a sensação de que os dias andam cada vez mais corridos e acabam mais rápido. Quando é chamado a libertar-se do viciante trabalho que executa, acaba recusando e alega que o que ele mais queria na verdade era descansar, mas como está trabalhando de forma hipnótica não pode libertar-se do vício.

No sexto planeta, habitava um geografo, este escrevia livros de pesquisas e atlas geográficos, mas quando perguntado sobre seu próprio planeta não conhecia nada além de sua escrivaninha. Ele representa uma crítica aos autores contemporâneos de Antoine, que muitas vezes se intitulavam pesquisadores, doutores e escritores, mas não passavam de plagiadores, que mandavam expedições para desbravar lugares onde jamais teriam coragem de ir, depois, com todos os relatórios nas mãos, editavam e assinavam a obra. Sendo que os créditos reais não eram deles.

O sétimo planeta é a Terra, o pequeno príncipe aterrissa em pleno deserto do Saara, logo que desce faz amizade com a serpente, que diz uma frase antológica do livro, vejamos o diálogo:

 “- Onde estão os homens? Repetiu enfim o principezinho. A gente está um pouco só no deserto.

- Entre os homens também. Disse a serpente.” Antoine foi claro em criticar o isolamento social dos homens, afirmando que não apenas no deserto as pessoas sentem-se só, mas sim também em meio aos homens. A serpente promete que pode levá-lo de volta ao seu planeta quando ele quiser, com uma só picada e de forma rápida. Ele acolhe o conselho e promete considerá-lo de forma séria.

 

Podemos ver que o autor não é racista em hipótese alguma, pois no trecho a seguir concluído o relatório da viagem, ele faz questão de declarar entre parênteses que os Reis Negros estão sendo contados em seu livro. O que ainda é reforçado pela expressão: “É claro”, vejamos o trecho citado:

 “A Terra não é um planeta qualquer! Contam-se lá cento e onze reis (não esquecendo, é claro, os reis negros), sete mil geógrafos, novecentos mil negociantes, sete milhões e meio de beberrões, trezentos e onze milhões de vaidosos, isto é, cerca de dois bilhões de pessoas grandes.”

 Agora o pobre príncipe tem uma decepção grandiosa. Ele até achava que era dono de uma flor única no universo, da qual não existe nenhuma outra da mesma espécie. Mas ao passar por um jardim vê uma plantação de rosas, milhares, em um único jardim.

Sua decepção é tanta que ele chora. E sai correndo pelos dourados campos de trigo maduro.

Nesse trecho podemos ver uma alusão de que assim como as rosas as mulheres são todas iguais, não havendo razão para destacar uma como única ou especial.

Aí então se encontra com uma das personagens mais marcantes do livro, a raposa.

A raposa ensina valores que o príncipe desconhecia, é dela as frases mais marcantes de toda a obra, como:

“- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos, se tu queres um amigo, cativa-me!”

“- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.”

“- Que é um rito? Perguntou o principezinho.

- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa, É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta feira então é o dia maravilhoso!

Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!”

E as frases mais fortes e impactantes do livro, também são ditas por essa personagem, vejamos:

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.”

Agora fortalecido pelos conselhos da raposa o jovem príncipe vai falar com as outras rosas e diz que a sua rosa é única, especial, porque é dela que ele havia cuidado. Essa parte da obra é muito lírica e de uma sensibilidade fenomenal, um militar em pleno combate, em meio a uma guerra mundial escrever frases tão meigas e ternas é algo muito incomum, pois podemos ver em outras literaturas de guerra, que o autor carrega muito sangue e violência para o texto, por mais tocantes que sejam, são preenchidos por traumas causados pelos horrores da guerra.

 

4-    Conclusão

Ao decorrer da história o eu lírico representado pelo piloto aprende da criança o verdadeiro sentido da vida, aprende a ter esperança, a ser feliz com bem pouco, uma rosa bastava para ele. Aprende que é preciso cativar, amar não bastava. E ao final o príncipe encontra o retorno ao lar por meio da serpente, sem poder fazer nada, o piloto apenas observa impotente a partida do pequeno príncipe.

O final trágico da obra evidencia que Antoine estava estagnado, sentia como se sua alma estivesse morrendo em meio ao exilio e à guerra.

O pequeno príncipe foi uma válvula de escape para o autor poder extravasar seu descontentamento com a sociedade, suas tristezas da infância assassinada por adultos insensíveis e principalmente, por ser uma “pessoa grande” com alma de criança, tendo que matar e ferir outras pessoas em nome de sua bandeira e de seu país.

O pequeno príncipe é um dos livros mais vendidos por todo o mundo e o que traz uma das mensagens mais completas e abrangentes. Antoine conseguiu escrever de tal forma que uma criança pode perfeitamente entender o que ele quer dizer, pois fala a elas. E de forma semelhante, qualquer adulto pode facilmente perceber e identificar-se com o texto. É um livro perfeitamente empregável em qualquer contexto social ou educacional. Pois independentemente de escolaridade, baseando-se em seu conhecimento de mundo, todos podem compreender o que a obra quer dizer, cada leitor do seu jeito, mas ainda sim são de igual forma tocados pela sensibilidade do autor.

  5-    Referências bibliográficas

 EXUPÉRY - Antoine de Saint. O pequeno príncipe. (1943)

SEVERINO, A.J. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. São Paulo: Cortez, 2007